Interesse Público

Nova regra do RDC consagra contratos built to suit

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26 de novembro de 2015, 7h00

Spacca
Caricatura Luciano Ferraz [Spacca]A recentemente editada Lei 13.190, de 19 de novembro de 2015, incluiu no Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC — disciplinado pela Lei 12.462/11) uma nova hipótese de utilização: a modalidade licitatória diferenciada passa a ser aplicável também para contratos de locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração.

Quando estiverem em jogo os bens imóveis, a definição legal se aproxima dos contratos de tipo built to suit, a envolver uma operação imobiliária em que a construção do imóvel é feita sob medida e demanda do futuro locatário, para que este, em contrapartida, alugue-o depois de construído, por prazo e em condições tais que justifiquem o investimento feito pelo locador.

A figura contratual (built to suit) — que não é estranha ao ambiente privado (por exemplo, artigo 54-A da Lei 8.245/91, incluída pela Lei 12.744/12) — gerava certa controvérsia quando aplicada à seara pública, fundamentalmente pela contratação direta alicerçada na hipótese de dispensa prevista no artigo 24, X da Lei 8.666/83.

Art. 24. É dispensável a licitação:

X – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

O Tribunal de Contas da União chancelou a possibilidade da contratação do tipo built to suit, com base no artigo 24, X da Lei 8.666/93 (dispensa de licitação), em resposta à Consulta formulada pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CJST), diante dos seguintes questionamentos:

a) É possível a aplicação do disposto no art. 24, inciso X, da Lei nº 8.666/93 na contratação de locação de imóvel a ser construído de acordo com parâmetros mínimos a serem estabelecidos por órgão da Administração Pública?

b) Em caso positivo, quais seriam os aspectos legais aplicáveis e quais as exigências técnicas necessárias para a celebração dessa modalidade de contrato administrativo?

Na ocasião, o Plenário do TCU decidiu pela licitude do ajuste, consagrando excepcionalmente a contratação direta de locação sob medida (operação built to suit), por meio de licitação dispensável fundada no artigo 24, inciso X, da Lei 8.666/1993. No entanto, ponderou que, além da observância das demais disposições legais aplicáveis ao caso, o terreno em que viesse a ser construído o imóvel deveria pertencer à propriedade do futuro locador (Acórdão 1301/2013-Plenário, TC 046.489/2012-6, relator ministro substituto André Luís de Carvalho, revisor ministro Benjamin Zymler, 29.5.2013).

A edição da nova regra do RDC não altera, senão confirma esse cenário, inclusive no que toca à interpretação do cabimento da hipótese de dispensa. Ao comentar o artigo 24, X da Lei 8.666/93 na minha obra Licitações: estudos e práticas, 2ª edição, Esplanada, Rio de Janeiro, 2002, página 105 escrevi que seria condição inerente à contratação direta com base no dispositivo, que o imóvel fosse, por condições relativas à localização, dimensões, funcionalidade e outras razões peculiares ao serviço (finalidade precípua), comprovadamente o único ou, pelo menos, aquele extremamente adequado a atender perfeitamente às exigências do interesse público, e, ainda, que o preço da operação fosse compatível com o valor de mercado.

Sustentei, em acréscimo, que as exigências contidas no artigo 24, X da Lei 8.666/93 tinham mais pertinência com hipóteses de inexigibilidade de licitação do que de dispensa, notadamente pela singularidade típica do objeto do contrato de locação (ou compra), que induziria à inviabilidade de competição (artigo 25, caput da Lei 8.666/93).

A exigência do TCU constante do acórdão acima citado de que o imóvel locado seja de propriedade do próprio locador no built to suit, sobre não estar expressamente prevista na regra do artigo 24, X da Lei 8.666/93, corrobora com minha percepção de que a hipótese de contratação direta funda-se, em realidade, numa condição de inviabilidade de competição.

E esta percepção autoriza o intérprete a imaginar o cabimento da contratação direta, para além do caso específico previsto do artigo 24, X da Lei 8.666/93, desde que configurada faticamente a inviabilidade de competição (artigo 25, caput da Lei 8.666/93).

Nesse sentido, o §1º do artigo 47-A da Lei 12.462/11 (incluído pela Lei 13.190/15) dispõe que a contratação referida encontra-se sujeita “à mesma disciplina de dispensa e inexigibilidade de licitação aplicável às locações comuns”. Em ambos os casos (dispensa ou inexigibilidade), a contratação direta terá respaldo legal e, por conseguinte, será desnecessário avançar para a fase externa da licitação, bastando-se o procedimento respectivo no cumprimento do que prevê o artigo 26 da Lei 8.666/93.

A contratação do tipo built to suit admite, ainda, que o contrato preveja a reversão dos bens à administração pública ao final da locação, sendo que o valor do contrato locativo não poderá ultrapassar, ao mês, o valor de 1% do bem locado (conforme §§2º e 3º do artigo 47-A da Lei 12.462/11). Vislumbra-se, nessa limitação do valor do aluguel, preocupação direcionada ao uso indiscriminado da figura contratual do built to suit e na potencialidade de endividamento que a modalidade, se mal utilizada, pode vir a acarretar à Administração Pública.

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