Opinião

Canadá é um bom exemplo do uso da mediação obrigatória

Autor

  • Thiago Rodovalho

    é professor-doutor da PUC-Campinas. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP com estágio pós-doutoral no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo Alemanha.

24 de novembro de 2015, 7h35

A Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, que tratou de formas adequadas de solução de conflitos, teve o importante efeito de estimular, no Brasil, discussões sobre o sistema multiportas de resolução de controvérsias.

O sistema multiportas ou tribunal multiportas, com inspiração no sistema americano (Multi-door Courthouse System),[1] é caracterizado por não restringir as formas de solução de controvérsias exclusivamente ao Poder Judiciário, oferecendo meios alternativos e, muitas vezes, mais adequados ao tipo de conflito, tais como negociação, conciliação, mediação e arbitragem, além de outros ainda menos usuais no país, mas que têm ganhado cada vez mais relevância, na construção civil em particular, como os dispute boards.

A referida Resolução 125 focou mais na conciliação e mediação, prestando, com isso, um grande serviço ao país ao estimulá-las, embora o Brasil, estatisticamente, ainda esteja longe dos percentuais de país orientais, EUA e Canadá, que se valem desses métodos há muito mais tempo, estando seu uso culturalmente mais arraigado.

Além dessa resolução, as aprovações do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 2015) e da Lei de Mediação (Lei 13.140 de 2015) também podem se traduzir justamente no estímulo que falta para que a mediação efetivamente se consolide no país.

Nota-se, ainda, certo desconhecimento acerca da mediação no país, confundindo-a, no mais das vezes, com a conciliação.

Nesse contexto, tem-se que a conciliação é um método muito antigo e difundido no país, no qual o julgador (juiz ou árbitro), ou um conciliador especialmente designado para esse fim, tenta conciliar as partes, buscando chegar a um acordo entre elas. Os contatos na conciliação são mais pontuais e breves, com uma atitude, digamos, mais pró-ativa (com máxima cautela) do conciliador, que pode, inclusive, eventualmente auxiliar na formulação de propostas de acordo para as partes, com o maior dos cuidados que se deve ter nesse momento, para não afetar sua independência e imparcialidade.

De outro turno, a mediação caracteriza-se por ser um procedimento (e, por isso, demanda certo tempo e envolvimento maiores do que na conciliação), no qual o mediador, valendo-se das diversas técnicas de mediação existentes (Modelo de Harvard,[2] Modelo Transformativo, Modelo Circular-Narrativo, entre outros),[3] age como um facilitador da comunicação entre as partes, para que elas próprias consigam construir conjuntamente um acordo.

A mediação se faz necessária justamente porque há um problema de comunicação entre elas, que as impede de, por si sós, chegar a um acordo via negociação. Nesse sentido, como diz uma frase de autoria desconhecida: the biggest communication problem is we do not listen to understand, we listen to reply.

Assim, o mediador, ao menos como regra, não propõe acordos, estimulando e facilitando a que as próprias partes o construam, sendo essa uma das razões pelas quais os resultados obtidos sejam mais duradouros, pois provenientes das próprias partes, e não impostos (adjudicados) por um terceiro.

Outro aspecto de suma importância é o sigilo; tudo que ocorre na mediação é absolutamente sigiloso (a menos que, excepcionalmente, os mediandos queiram pactuar de forma diversa), justamente para que as partes possam negociar mais abertamente e com maior franqueza, sem o receio de que isso possa vir a ser usado contra elas num processo, caso o acordo não se concretize.

Assim, a conciliação é método adequado a certos tipos de conflitos (mais pontuais), ao passo que a mediação apresenta-se como uma melhor alternativa a conflitos em que haja um maior relacionamento entre as partes (conflitos empresariais e familiares, por exemplo).

Nesse contexto, o Brasil precisa de medidas no sentido de desenvolver e democratizar, cada vez mais, o uso da mediação no país.

Precisa e muito de iniciativas desse jaez, pois o país desenvolveu e vive uma cultura do litígio,[4] como se todo e qualquer conflito necessariamente houvesse de ser judicializado ou resolvido por um terceiro (árbitro).

Curiosamente, até a Constituição Federal de 1988, o Brasil enfrentava alguns óbices para o acesso à justiça, o que se traduziu numa correta e necessária preocupação do nosso legislador em conceber diversos instrumentos para maximizá-lo, como a justiça gratuita, os juizados especiais e um maior reconhecimento de direitos (dano moral, por exemplo).

Esse acesso mais amplo à justiça, contudo, foi levado ao seu paroxismo. É muito interessante e verdadeira a frase do Ministro Gilmar Mendes, que participou da criação dos juizados especiais federais, qualificando-os como fracasso do sucesso.

O sucesso das medidas para facilitar o acesso ao judiciário (à exceção, talvez, do mau uso muitas vezes da justiça gratuita) foi tamanho que também se tornou a razão de seu fracasso.

Fracasso, pois criou uma tal cultura do litígio no país, como se todo mundo fosse incapaz de resolver até mesmo simples querelas entre vizinhos ou conflitos menores, judicializando todo e qualquer problema, sem necessidade de maior reflexão, simplesmente porque litigar se tornou fácil, acessível e barato.

Essa realidade é facilmente traduzida nos números da Justiça no país.

A despeito da maior responsabilidade do Estado (o maior litigante), fato é que o Brasil começou o ano de 2014 com cerca de (absurdos) 100 milhões de processos (o relatório anual feito pelo CNJ revelou que o total de processos em tramitação no Poder Judiciário brasileiro tem aumentado gradativamente desde o ano de 2009, quando era de 83,4 milhões de processos, até atingir a tramitação de mais de 100 milhões de processos em 2014).[5]

Assim, o número de processos pendentes corresponde, grosso modo, a 1 processo a cada 2 habitantes, ou seja, como se metade da população brasileira estivesse litigando ao mesmo tempo.

Justamente por isso, fala-se modernamente, no tocante ao acesso à justiça, não apenas no direito de ingressar em juízo, mas também, e especialmente, no direito de sair dele e num tempo razoável.

Esses números, contudo, criam uma realidade de processos praticamente impossível de administrar, dificultando como consequência ter-se uma justiça efetiva e célere.

Na cultura oriental, por exemplo, ingressar em juízo é algo excepcional, significando uma frustração social em resolver o problema por si. Nesse sentido, o Japão tem meios informais de controle da sociedade que são extremamente rigorosos (como a família, a vizinhança, as escolas, os locais de trabalho), incentivando a autocomposição dos conflitos. Isto explica porque o Japão tem cerca de 20 mil advogados para uma população aproximada de 130 milhões de habitantes, ao passo que, somente no Estado de São Paulo, por exemplo, são 150 mil advogados para cerca de 40 milhões de habitantes (aproximadamente 1/3 da população do Japão).[6]

Inclusive, países em que a mediação é obrigatória têm boas experiências a nos compartilhar, como é o caso do Canadá (mais recentemente, Argentina e Itália também adotaram a conciliação ou mediação obrigatórias).

Assim, em Ontário, por exemplo, onde há hipóteses de mediação obrigatórias, as estatísticas revelam 40% de acordo nas mediações obrigatórias, além de 10% a 20% de acordos parciais. Embora os percentuais de acordos celebrados nas mediações voluntárias sejam maiores (70% a 80% de acordos),[7] os índices obtidos nas mediações obrigatórias não são desprezíveis. Além disso, mesmo quando o acordo não é atingido, a mediação melhora o relacionamento futuro das partes e facilita também que talvez haja um acordo no futuro.

Portanto, cada vez mais, é preciso mudar a atual realidade brasileira, migrando dessa cultura de litígio ou cultura de sentença (como, com muita propriedade, alcunhou Kazuo Watanabe) para uma cultura de pacificação, com uma maior resolução autocompositiva dos conflitos, como ocorre na mediação e na conciliação.

Isso não significa que não haja casos que devam ser objeto de sentença (judicial ou arbitral), mas eles não devem ser a regra dos conflitos, até para que, nessas situações relevantes, possam receber a devida atenção que merecem.

Assim sendo, nesse ambiente de novo Código de Processo Civil, Reforma da Lei de Arbitragem e Marco Legal da Mediação, é hora da advocacia se reinventar no Brasil, atenta para o Tribunal Multiportas (Multi-door Courthouse System) que cada vez mais se lhe apresenta, possuindo o advogado (i) função preventiva, e (ii) função resolutiva, sendo que esta última deve contemplar a Negociação, a Mediação, a Arbitragem (jurisdição privada) e o Poder Judiciário (jurisdição estatal), analisando-se, sempre, nos casos concretos que  de fato envolvam a necessidade de sentença (privada ou estatal), as três variáveis básicas: (i) tempo, (ii) custo, e (iii) expertise das decisões, de modo a que o advogado não mais atue de forma padronizada, como se houvesse apenas uma única porta para resolução dos conflitos: o Poder Judiciário.


[1] A consagrada expressão multi-door courthouse foi originalmente usada pelo Prof. Frank Sander (Harvard) em 1976, em conferência que posteriormente veio a ser publicada em 1979: Frank Sander. Varieties of dispute processing, Minnesota: West Publishing, 1979, pp. 65/87.

[2] Sobre o modelo de Harvard, pioneiro na matéria, v., por todos, Roger Fisher, William Ury, e Bruce Patton. Getting to Yes – negotiating agreement without giving in, 3.ª ed., New York: Penguin Books, 2011, passim; na tradução para o português: Roger Fisher, William Ury, e Bruce Patton. Como chegar ao sim – a negociação de acordos sem concessões, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Imago, 2005, passim.

[3] A esse respeito, cfr., entre outros, Daniela Monteiro Gabbay. Mediação & Judiciário no Brasil e nos EUA, Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, pp. 52/61; e Allan J. Stitt. Mediating commercial disputes, Ontario: Canada Law Book, 2003, pp. 3/9.

[4] Sobre o tema, v, entre outros, Kazuo Watanabe. Cultura da sentença e cultura da pacificação, in Flavio Luiz Yarshell e Maurício Zanoide de Moraes. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover, São Paulo: DPJ Editora, 2005, pp. 684/690; e Kazuo Watanabe. Modalidade de mediação, in CJF. Mediação: um projeto inovador (Série Cadernos do CEJ), v. 22, Brasília: CJF, 2003, pp. 42/50.

[5] Cfr. Fonte: CNJ – Indicadores de Produtividade dos Magistrados e Servidores no Poder Judiciário: Justiça em números 2015, ano-base 2014, passim.

[6] V. Kazuo Watanabe. Modalidade de mediação, in CJF. Mediação: um projeto inovador (Série Cadernos do CEJ), v. 22, Brasília: CJF, 2003, pp. 42/50.

[7] Cfr. Allan J. Stitt. Mediating commercial disputes, Ontario: Canada Law Book, 2003, pp. 11/12.

Autores

  • Brave

    é doutorando e mestre em Direito Civil pela PUC-SP, com Pós-Doutorado no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo, Alemanha. Membro da Lista de Árbitros da CAM-FIEP, do CAESP, da CARB, da CAE, CBMAE, do CEBRAMAR, e da ARBITRANET.

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