Opinião

Regularização de capitais precisa ser aperfeiçoada no Senado

Autor

  • Igor Mauler Santiago

    é sócio-fundador do escritório Mauler Advogados mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

17 de novembro de 2015, 6h07

É cada vez mais arriscado manter valores não declarados no exterior. O fato de esta ser uma boa notícia não impede a abertura de uma janela de regularização para aqueles que, no passado, incorreram no erro. Muitos países ricos têm trilhado este caminho sem maiores dilemas jurídicos ou morais, sempre limitando o benefício aos recursos de origem lícita.

Por três razões isso parece oportuno no Brasil. Porque o nosso histórico de instabilidade estimulou a fuga de capitais. Porque, ainda que a sonegação possa estar prescrita (prazo de 12 anos), a evasão de divisas é crime autônomo que se renova enquanto os recursos permanecem fora, impedindo a autodenúncia. E porque os pagamentos vinculados à regularização podem melhorar as contas públicas sem aumento de tributos.

A eficácia do programa depende da segurança que inspire naquele que, afinal, vai confessar os seus crimes. E o projeto de lei do Executivo, alterado na Câmara, contém falhas que põem em dúvida as elevadas expectativas que o cercam. Trata-se, grosso modo, de pagar 30% do valor dos ativos regularizados (15% de imposto de renda e multa de igual valor), com exclusão de outras penalidades, dos demais tributos federais e dos crimes de sonegação e evasão.

O primeiro problema está na qualificação desse valor como tributo, o que impede a sua cobrança após o prazo decadencial: máximo de seis anos da obtenção da riqueza. E não é lícito presumir que esta foi auferida em 31 de dezembro de 2014, entre outras razões porque a decadência tributária exige lei complementar. O resultado poderá ser a regularização sem pagamento algum.

Sendo imposto de renda, impossível também vedar as deduções cabíveis e o cotejo, na declaração anual, com as antecipações feitas ou os prejuízos detidos pelo contribuinte. O resultado será a regularização com pagamento inferior ao esperado. Melhor seria exonerar todos os tributos e sanções federais e definir os 30% como multa criminal substitutiva das penas aplicáveis ao particular, eliminando esses focos de litígio.

Mas danos maiores sofre o particular. Desde logo porque é vedada a regularização para quem já tenha sido condenado por qualquer dos crimes que o projeto anistia. Ao cuidar dos efeitos penais da adesão a parcelamento, o Supremo garantiu a retroação da lei penal mais benigna, afirmando que negá-la seria impor ao contribuinte uma condição impossível: aderir tempestivamente a programa que ainda não existia. É o que se tem aqui.

Depois porque, tratando-se de lei federal, é certo que não ficam perdoados os tributos estaduais e municipais acaso incidentes quando da geração da riqueza. A promessa de que as informações não serão compartilhadas com aqueles entes é duvidosa à luz do federalismo (tem sentido trocar dados com o resto do mundo e sonegá-los no interior do País?) e pouco crível ante o precedente da CPMF, que não podia ser usada para a fiscalização de outros tributos e depois foi liberada para esse fim, inclusive com efeitos retroativos.

E finalmente porque, estando vinculada ao pagamento do imposto de renda, a extinção da punibilidade pode – na linha da nossa tradição, e à falta de regra clara – ser entendida como limitada aos tributos federais, mantidos os eventuais crimes de sonegação dos outros.

Sem profundas alterações no projeto, é grande o risco de repetirmos o fiasco chileno, onde cabem nos dedos de uma mão as adesões formalizadas até agora, a menos de dois meses do fim do prazo.

Autores

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    é sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela UFMG. Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.

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