Opinião

Em vez de ajustar, governo preciso reformular finanças públicas do país

Autor

  • José Marcos Domingues

    é professor doutor da Universidade Católica de Petrópolis professor titular aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e procurador aposentado do Estado do Rio de Janeiro.

7 de novembro de 2015, 11h57

As últimas versões das medidas fiscais governamentais pecam fundamentalmente por centrarem-se no aumento da carga tributária. Ademais, permanece o descontrole do gasto público e mantém-se o desvio de prioridades sem atendimento aos direitos fundamentais.

Se o Estado brasileiro precisa adequar as finanças públicas, deve fazê-lo com observância dos princípios do Direito, em especial do Direito Financeiro, em especial das normas constitucionais que a eles correspondem.

O princípio da capacidade contributiva determina que os cidadãos e agentes econômicos paguem tributo consoante as respectivas forças econômicas, o que leva à preferência pelos impostos pessoais, diretos, e por gravames que atinjam prioritariamente as maiores riquezas. Assim, não se pode, preliminarmente, tolerar que a pressão fiscal se dê majoritariamente pela via dos impostos reais, indiretos, e sobretudo que gravem proporcionalmente mais os consumos básicos afetando regressivamente a população mais modesta.

A menina dos olhos do Governo federal e, agora, dos governos estaduais e municipais, é a CPMF, um tributo cumulativo sobre um nada de capacidade contributiva com potencial de realimentar a inflação de forma explosiva, como no passado, porque terá seu valor agregado aos preços em cada etapa do ciclo econômico. Outro aumento de carga fiscal indireta. E de uma injustiça gritante para com as pessoas em geral, porque não incidirá sobre a economia paralela nem sobre os pagamentos em dinheiro que a financia. Contribuição federal compartilhada com Estados e Municípios é um “non sense” só explicável pelo grau de concentração do bolo tributário na União incompatível com a descentralização federativa preconizada pelo Constituinte de 1988. Aliás, o empobrecido federalismo fiscal brasileiro[1] precisa ser revitalizado por uma descentralização de recursos que corresponda à importância das tarefas estaduais e municipais numa democracia estabelecida em território extenso e diversificado como o brasileiro.

Por outro lado, nada indica que com a nova CPMF não ocorrerá o que sucedeu com a antiga: destinada a suplementar o financiamento da saúde, gerou a correspondente redução das transferências orçamentárias para atender a esse direito fundamental. Uma fraude que pode se repetir agora em relação à Previdência. O indício mais veemente dessa possibilidade é o pedido de majoração da DRU-desvinculação de receitas da União de 20% para 30%. A Fazenda deseja liberdade de ação(!) para alocar o gasto público (a CPMF compensadora de desvio serve a isso, como a DRU também, quando a cidadania brasileira decidiu vincular recursos constitucionalmente para atender com prioridade o que lhe parece fundamental e que nunca foi, nem ainda é, minimamente suprido.

Enquanto isso, e apenas por exemplo, em vez de reduzir cargos comissionados como todos de bom senso pregam no País, o Decreto nº 8.508, de 25 de agosto (art. 1º), apenas remanejou cargos em comissão no Ministério do Planejamento: um exemplo da vontade política reinante no Governo federal em matéria de corte de despesas.

O desplanejamento público é responsável por aumentos estratosféricos da tarifa de energia elétrica, que se sabe foi baixada irresponsável e demagogicamente no passado recente. Aumenta-se o preço da gasolina e do óleo diesel com repercussão nos transportes e aumento da inflação já incontida (projetada para mais de 10% este ano), alegando-se que – espoliada e mal gerida, mas ainda gastando forte em publicidade e patrocínios – a Petrobras com dificuldades de caixa e elevado endividamento necessitaria equalizar os preços internos aos internacionais (em queda!). Ora, o déficit de caixa decorre dos desvios de recursos e dos superfaturamentos nos fornecimentos à estatal e o crescimento da sua dívida, da queda de confiança do mercado na empresa, como é notório, a cobrar-lhe – como cobra do Governo – juros mais elevados; a alta do dólar americano beneficia em muito as vendas externas de petróleo brasileiro e não deveria ser invocado como ingrediente comparativo na conjuntura atual.

Tarifaços são outra face do aumento da carga fiscal, em que preços públicos se igualam aos tributos no esforço desesperado de governos de comporem déficits decorrentes do descontrole das contas públicas, como já escrevi alhures[2], sujeitando-se sempre a uma ponderação de capacidade contributiva do consumidor e cidadão-contribuinte.

Em suma, vive-se uma conjuntura caótica indutora de um revival da espiral inflacionária de que o Brasil se libertou em 1994 com o Plano Real. Mas propõe-se um reajuste desequilibrado nas contas públicas.

O que se requer é a adequação de prioridades consoante os valores constitucionais.

A isso não parece atender o projeto de repatriação de recursos sonegados ao Fisco brasileiro e evadidos do território nacional e lavados no exterior. A uma, porque corresponderia à capitulação aos crimes de lesa pátria que representam e deveriam ser objeto de persecução penal para devolução transparente pela via judicial. A duas, porque no texto legal se inserem anistias propostas pelo Governo que correm risco de serem alargadas no Congresso, atendendo a interesses escusos. A três, porque não é de se imaginar que os criminosos em questão retirar dinheiro de praças estáveis e seguras para se transformarem em investidores no mercado de um país, que não detém aquelas qualidades. E a quatro, porque não se sabe o valor desviado a ser repatriado, que poderá sê-lo concretamente reduzido apenas para justificar a fruição das anistias em gestação com potencial para beneficiar a outros além dos que inicialmente cogitados.

Num contexto de Cidadania sofrida pelo baixo nível do serviço público e impactada pelo imoral descalabro financeiro, elevação da carga fiscal (tributos e tarifas) e consequente recrudescimento da inflação, fazem corar propostas dúbias e diversionistas que surgem num pseudo debate de ideias, de que ainda não participa nem o contribuinte nem o consumidor, propostas que sugerem incremento de rubricas para gasto discricionário ao lado de pretensa orçamentação impositiva, ao lado de um retrocesso inconstitucional em matéria de direitos fundamentais pela retirada das garantias financeiras respectivas, tudo coroado por aumentos da CIDE-combustíveis quando há déficit de projetos ambientais a que ela é vinculada (a induzir risco de desvio de suas verbas), elevação do imposto de renda das pessoas físicas não sonegadoras (sobretudo assalariados) e recriação da funesta CPMF, entre outros disparates.

Mais que ajustar ou reformar, impende reformular as finanças públicas nacionais, planejando-se investimentos indutores do desenvolvimento socioeconômico da população a ensejar mais geração e recirculação de riqueza; orçamentos sérios e respeitosos à Constituição, esteio da dignidade humana e da cidadania; otimização da estrutura e custeio da Administração Pública para servir; eficiente gestão do gasto público, que deve ser equitativo para ser profícuo; diminuição do nível de juros básicos da economia que fazem crescer exponencialmente a despesa com os encargos da dívida pública; consequente redução e redistribuição da carga tributária, que beira a confiscatoriedade e se realimenta na regressividade fiscal – tudo a depender de governos e parlamentos obedientes à Constituição e com condições morais e políticas para adotarem-nas e dar-lhes efetividade.

[1] Cf. Federalismo fiscal brasileiro, in http://www.idtl.com.br/artigos/186.pdf; Direitos fundamentais, federalismo fiscal e emendas constitucionais tributárias, in file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/294-1091-1-PB%20(2).pdf .

[2] Cf., do Autor, Direito Tributário. Capacidade Contributiva. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 106.

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