Visão externa

"Litígios trabalhistas diminuem o apetite do investidor estrangeiro"

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7 de novembro de 2015, 6h25

Spacca
Multinacionais veem o Brasil como líder em litígios trabalhistas, o que diminui a vontade do estrangeiro de investir no país, avalia Silvia Fazio, advogada especialista em negócios. Ela afirma ainda, em entrevista à ConJur, que a legislação trabalhista brasileira é complexa na visão dos empresários estrangeiros e não estimula o acordo entre as partes.

A lentidão da Justiça brasileira é outro problema apontado pelos empresários, porque “acaba sendo quase proibitiva” caso ocorra um litígio. “Por esse motivo, as empresas estrangeiras, quando têm poder de barganha, no início da relação com a parte brasileira, tentam eleger a legislação do estado de Nova York ou da Inglaterra como foro”, explica ela.

Apesar disso, a advogada, que editou o Brazilian Commercial Lawa practical guide, para estrangeiros interessados em investir e fazer negócios no país, disse que houve avanços. Ela apontou reformas na legislação de falências e societária, que promoveram padrões de transparência corporativa.

Lançado em outubro, no Brasil, o guia detalha leis sobre que regem a economia nacional e aborda questões sobre propriedade intelectual, transparência corporativa e fusões e aquisições. Participam do trabalho, publicado pela Wolters Kluwer Law & Business, advogados dos escritórios Demarest, Pinheiro Neto, Mattos Filho, Machado Meyer, entre outros.

Silvia é sócia da Chadbourne & Parke LPP e presidente da Women in Leadership in Latin America, organização com foco no desenvolvimento da carreira de executivas na América Latina.

Leia a entrevista:

ConJur — Como é editar um guia prático de legislação brasileira para estrangeiros, sendo que mesmo os brasileiros já têm dificuldade de entendê-la?
Silvia Fazio —
Trabalhei fora do país por quase 20 anos, em escritórios internacionais. Tive muitas experiências com investidores estrangeiros no Brasil. No guia, comparamos qual é a diferença entre o Direito brasileiro e o Direito de Nova York ou da Inglaterra, que são referências quando se trata de contrato internacional, em quanto tempo determinado processo caduca, quais são os tipos de contratos mais usados etc.

ConJur — Quais são as críticas mais frequentes de estrangeiros em relação ao Judiciário brasileiro?
Silvia Fazio —
A lentidão, que acaba sendo quase proibitiva para que as partes entrem em litígio, porque o processo pode ser interminável ou não fazer sentido. Por esse motivo, as empresas estrangeiras, quando têm poder de barganha, no início da relação com a parte brasileira, tentam eleger a legislação do estado de Nova York ou da Inglaterra como foro. Outra crítica é em relação à parte fiscal e tributária, por ser complexa e difícil de ser decifrada até mesmo por advogados locais.

ConJur — Você apontaria mudanças positivas no sistema legal do país  nos últimos anos na área de negócios?
Silvia Fazio —
Foram feitas reformas importantes no ordenamento brasileiro, mas ainda são incipientes. A nova Lei de Falências é uma evolução, a Lei Anticorrupção também. A reforma da legislação societária brasileira, que promove padrões de transparência corporativa, também foi importante. Destaco ainda a nova legislação sobre fundos de investimento do tipo private equity e venture capital, que deu mais flexibilidade para estruturá-los.

ConJur — O que falta melhorar?
Silvia Fazio
Evoluímos pouco na área trabalhista, que ainda continua complexa para o investidor estrangeiro. Não estimula o acordo entre as partes nem permite que este seja vinculante, podendo ser questionado na Justiça depois de celebrado. O Brasil é o líder em litígios trabalhistas para muitas multinacionais com quem converso, e isso acaba esgotando um pouco o apetite do investidor estrangeiro. A propriedade intelectual também é um tema complicado. O país não faz parte de várias convenções internacionais, criando dificuldades para os investidores estrangeiros, como para fazer a extensão de registros de propriedade intelectual válidos em outras nações. O registro no Brasil é demorado e o controle de entrada e saída de capitais estrangeiros via Banco Central, obtidos com a comercialização da patente, é um complicador nesses casos.

ConJur — Por quê?
Silvia Fazio —
O investidor estrangeiro não consegue remeter os royalties via Banco Central enquanto a propriedade intelectual não estiver devidamente reconhecida e registrada no ordenamento jurídico brasileiro. Ele acaba tendo que fazer empréstimos entre grupos da mesma empresa para poder remetê-lo, o que não é o ideal, porque a operação pode ser questionada fiscalmente e judicialmente.

ConJur — Qual é a sua avaliação do Direito Comercial brasileiro?
Silvia Fazio —
Muitas operações internacionais acabam sendo adaptadas localmente a partir de regras que já existem no exterior. Apesar disso, as partes costumam fazer contratos mais complexos e extensos. Os contratos, no dia a dia do advogado que trabalha com operações internacionais, estão sendo inspirados no modelo anglo-saxão, ficando mais extensos. O objetivo é prever mais situações, deixar o documento claro. O contrato bem feito é o que consegue prever o imprevisível e acaba sendo um instrumento para evitar que o litígio chegue ao Judiciário.

ConJur — O que você acha da área de arbitragem no Brasil?
Silvia Fazio
Houve evolução do ponto de vista da sua qualidade, mas ainda há dificuldades, como a necessidade de reconhecimento, pelo Superior Tribunal de Justiça, do julgamento arbitral internacional para ser aplicado no Brasil.

ConJur — O atual momento da economia brasileira atrapalhou seu trabalho?
Silvia Fazio –
Estou trabalhando muito com reestruturação de dívida e de fundos. São pagamentos prometidos para o futuro, mas que estão apresentando dificuldades. A reestruturação serve para postergar e renegociar essas dívidas.

ConJur — Ainda é pequena a presença de mulheres no mercado?
Silvia Fazio —
Muitas mulheres estão se formando e saindo das boas universidades, mas ainda há uma minoria no topo do setor privado e nos escritórios. A maioria dos escritórios é composta por 10%, 20% de sócias. Se for contar o comitê de administração dos escritórios, a porcentagem é menor ainda. A tendência é de melhora, mas não na velocidade que deveria.

ConJur — O que poderia ser feito para acelerar esse processo?
Silvia Fazio —
O ideal seria que os escritórios tivessem programas de acompanhamento das carreiras femininas para reter talentos. Os grandes já têm. Quando a mulher vira mãe, começa a trabalhar menos. Deveria haver mais compreensão, flexibilização de horas de trabalho, possibilidade de trabalhar em casa etc. Seria uma forma de deixar a mulher viver esse momento e impedir que ela suma do mercado de trabalho. É comum ver mulheres abandonando a carreira, mudando de área, quando estão grávidas ou dão à luz.

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