Protagonista da história

Supremo comemora os 70 anos do ministro Celso de Mello, decano da corte

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6 de novembro de 2015, 17h57

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Se valesse apenas para o ministro Celso de Mello, a extensão da idade para a aposentadoria compulsória dos ministros já se justificaria. O decano do Supremo Tribunal Federal é das raras unanimidades no mundo do Direito. Pergunte-se a qualquer um sua opinião sobre o ministro, e dez entre dez elogiarão o preparo, a cultura, tanto geral quanto jurídica, e a gentileza do ministro, além de seu apreço e conhecimento ímpar pela história do Direito.

No último domingo, dia 1º de novembro, ele se tornou o primeiro a completar 70 anos no cargo desde a primeira redemocratização do Brasil, em 1946. Foi naquele ano, com a decretação do fim da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937 a 1945), que a Constituição Federal baixou a idade da compulsória dos ministros do Supremo de 75 para 70 anos.

E a situação assim ficou até este ano, quando o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 88/2015 — a chamada PEC da Bengala —, devolvendo aos integrantes do STF o direito de ficar até os 75 anos. Com isso, foi restabelecida a aposentadoria compulsória descrita na Constituição de 1934, que teve seu conteúdo revogado pela Lei de Segurança Nacional um ano depois, justamente com a instalação do Estado Novo.

Celso literalmente se apoia na PEC. Durante o lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2015, contou aos colegas que, diante de um problema já antigo no joelho, se rendeu à bengala que carinhosamente apelidou de PEC, causando risos.

Antes de 1934, não havia aposentadoria compulsória para ministros do Supremo. Conforme previa a Constituição de 1891, os membros do STF só poderiam ser aposentados por sentença judicial ou “por efeito de condenação por crime de responsabilidade”.

Por isso, analisou o próprio ministro Celso de Mello em seu livro Notas sobre o Supremo Tribunal Federal, “a República pôde contar com a sabedoria, a experiência e os conhecimentos de notáveis ministros que atuaram com grande visão e lucidez, no STF, após os 70 anos”. Para Celso, o constituinte republicano foi quem “soube preservar, com equilíbrio e sabedoria, a vasta experiência” dos ministros que ficaram na corte até depois dos 70.

O presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, lembra a "superlativa contribuição" do ministro Celso "para o avanço da jurisprudência nos mais distintos campos do Direito". Ele ressalta que o decano "tem se desincumbido, com peculiar sabedoria, da tradicional função do decano que é a de zelar pela memória, liturgia e coesão da Suprema Corte."

Referência
Celso de Mello considera ser digno de nota um grupo de nove ministros que permaneceram no STF mesmo após os 70 anos (clique aqui para ler, no último parágrafo da página 21). Desde o dia 1º de novembro, o seleto grupo tem dez membros. “Nunca uma emenda constitucional saiu tão adequada ao caso concreto”, comemora o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, que foi colega de Celso por 16 anos no Plenário do Supremo.

"É o primeiro de nós a completar 70 anos em atividade, e continuará prestando relevantes serviços à pátria", garante o vice-decano, ministro Marco Aurélio, que chegou ao STF apenas alguns meses depois do decano.

A fala de Pertence parece resumir a opinião geral de quem fala sobre o atual decano do Supremo: trata-se de uma instituição brasileira. “Há decanos que o tempo faz, mas há os que sobressaem pela própria envergadura moral, pelo singular descortino, pela imensa coragem, só garantida àqueles realmente firmes em espírito e caráter, como é o caso do atual decano do STF”, comenta o ministro Gilmar Mendes. “O ministro Celso de Mello honra-nos, especialmente a nós, do Supremo, mas sobretudo engradece o Brasil e os cidadãos brasileiros perante si mesmos e aos olhos do mundo.”

Para o ministro Dias Toffoli, afora a efeméride histórica dos 70 anos do ministro Celso, a extensão de sua permanência na corte veio “para o bem do Brasil, para o bem das instituições, para o bem do Supremo e para nosso conforto, seus colegas”.

Na opinião do ministro Teori Zavascki, Celso de Mello é “um exemplo de  magistrado por sua sabedoria, coragem e honradez”. “Para nós, seus colegas, é sempre um porto seguro, onde podemos ancorar nos dias de atribulação, que não são poucos em nosso ofício. De minha parte, é uma grande honra pessoal ser colega do Ministro Celso”.

O ministro Cezar Peluso, aposentado do Supremo em setembro de 2011, faz coro. Para ele, Celso é “um ministro excepcional, além de um homem sério e extremamente erudito”. “Aplicadíssimo, viciado em trabalho, eloquente, que escreve muito bem. É uma honra para o Supremo ter um ministro como ele.”

O ministro Luiz Fux também vê no atual decano “um exemplo de magistrado”. “Primeiro pela competência intelectual. Apesar de ser o mais velho entre nós, é um magistrado moderno. Em questões de dissenso moral, ele foi um fervoroso defensor da liberdade e da igualdade, binômio este que gravita em torno do ministro Celso. Em quase 40 anos de magistratura, nunca vi um juiz como ele.”

Guardião
O professor da USP Otavio Luiz Rodrigues Jr, estudioso de Direito Comparado e da história do Direito, vê em Celso “um ponto de equilíbrio do STF e o guardião de sua história”. Não é uma opinião isolada. Longe disso.

Quando da posse de Celso na Presidência do Supremo, em 1997, o ministro Sidnei Sanches ressaltou essas qualidades em seu discurso de homenagem. “Nas decisões monocráticas e nos votos que tem proferido, mesmo não como relator, e nos acórdãos que relata, sempre minuciosos, escorreitos e substanciosos, Celso de Mello tem aprofundado o estudo dos institutos que examina, colocando sua imensa cultura jurídica e visão humanística à busca de uma solução condizente com os princípios constitucionais pelos quais deve zelar esta Casa”, declarou.

O ministro Sepúlveda Pertence, a quem Celso sucedeu na Presidência, concorda. “Cada voto do ministro é uma pesquisa completa sobre qualquer assunto. Refletem a angústia dele de esgotar qualquer tema às minúcias”, disse à ConJur.

Pertence e Celso foram vizinhos no mesmo prédio. O hoje aposentado morava no 1º andar, e lembra das inúmeras vezes em que foi acordado, até acostumar, com o carro de Celso de Mello chegando do Supremo, às 3h ou 4h da manhã, todos os dias.

“É um método de trabalho que faz preocupar os amigos com sua saúde, porque ele trabalha noite adentro”, comenta Pertence. “É uma figura adorável e singular de quem, mesmo depois de oito anos já fora do tribunal, ainda tenho imensa saudade e admiração.”

Da época em que foram colegas, Pertence lembra de quando Celso levou o professor Damasio de Jesus ao chá dos ministros para apresentá-los. “Ah, é você quem costuma mandar as pessoas pra cadeia?”, brincou Pertence. Ninguém entendeu, e o ministro explicou: “É que os votos do Celso em Habeas Corpus costumam começar com a Carta Magna de João Sem Terra, de 1215, e terminam com Damasio de Jesus ou com um promotor de Campinas, normalmente denegando a ordem”.

O incontestável conhecimento histórico do ministro serviu para que ele se tornasse protagonista da história do próprio Supremo. Quando sua nomeação fez aniversário, o ministro Carlos Velloso exaltou a marca que o colega deixa no tribunal. Declarou que “nestes 15 anos de profícua magistratura, Vossa Excelência tem, na verdade, escrito, com lustre, a história do Direito brasileiro”. “A partir de sua investidura nesta Casa, o Diário da Justiça passou a estampar despachos de Vossa Excelência que se constituíam em lições do Direito. Por isso mesmo, ficou na nossa memória a data de sua posse.”

Agora, aos 70 anos e com mais de 25 de STF, comemora quem precisa do Judiciário. “Sua permanência na corte é um privilégio para os jurisdicionados, que nele encontram o vigor intelectual que transparecem de seus eruditos votos e a segurança de quem respeita as tradições", afirma o professor Otavio Rodrigues.

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