Livre iniciativa

Em parecer, J. J. Canotilho defende legalidade dos serviços da Uber no Brasil

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6 de novembro de 2015, 15h31

Na batalha jurídica que enfrenta para operar seu negócio no Brasil, a Uber apresenta sua mais nova arma: um parecer do jurista português José Joaquim Gomes Canotilho. No documento de 45 páginas, Canotilho conclui que o serviço não só pode operar no Brasil como as normas locais criadas para coibir seu uso são ilegais e inconstitucionais.

Essa não é a primeira opinião jurídica favorável à Uber. Também assinam pareceres favoráveis à empresa os professores Daniel Sarmento, André Ramos Tavares, Carlos Affonso da Silva e Ronaldo Lemos. A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, e a Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal também já se manifestaram em favor da empresa.

Em comum, todos demonstram o caráter privado do serviço de transporte de passageiros exercido pela empresa, o que é contemplado pela Política Nacional de Modalidade Urbana e protegido pela garantia constitucional da livre iniciativa. A opinião não é unânime. Os professores Lenio Streck e Rafael Oliveira defendem a regulação do serviço. O argumento dos taxistas, que em São Paulo são representados pela advogada Ivana Có Crivelli, é que o serviço é concorrência desleal.

O parecer de Canotilho, porém, é o primeiro a analisar as leis 16.279/2015 do município de São Paulo, 159/2015 da cidade do Rio de Janeiro e o Projeto de Lei 282/2015, vetado pelo governo do Distrito Federal. No parecer, o jurista afirma que as normas aprovadas no RJ e em SP ofendem três liberdades garantidas pela Constituição Federal: a de iniciativa, de trabalho e de concorrência.

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Para Canotilho, transporte individual de passageiros não pode ser só de taxistas.

O documento também aponta violação da Lei 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Modalidade Urbana. Isso porque a norma delega aos municípios a competência de disciplinar o transporte individual de passageiros, mas não de criar proibições. No caso da lei paulistana, Canotilho também indica uma violação extra, ao Marco Civil da Internet, que prevê a liberdade dos modelos de negócio promovidos na internet.

Sem reserva de mercado
Canotilho também faz detalhada distinção entre o transporte público e privado de passageiros. No primeiro caso, enquadram-se os taxistas, submetidos às regras de fiscalização e autorização de funcionamento pelo poder público. Não é possível, portanto, qualquer interpretação que reserve aos taxistas o monopólio do transporte privado. Para o jurista, a Uber se encaixa no modelo privado, no qual não é permitido ao legislador criar restrições — prevalece a liberdade de concorrência.

“Mesmo do ponto da vista da disciplina legal da ordem econômica, afigura-se inviável qualquer argumentação que defira o exclusivo ou o monopólio do exercício de atividade econômica privada de transporte individual de passageiros aos titulares de uma habilitação de transporte público individual”, escreveu.

O jurista ainda aponta que devem ser levadas em conta as vantagens do serviço para a mobilidade urbana, para a geração de emprego e para o consumidor, que “poderá desfrutar de um leque mais amplo de opções em termos de qualidade de transporte e preços”. Canotilho ainda chama a atenção para a necessidade de uma adaptação nos sistemas de mobilidade urbana, que hoje é mais plural. “O Direito e a política não podem parar o vento com as mãos”, conclui.

Limites à regulamentação
A advogada Ana Pellegrini, diretora jurídica da Uber no Brasil, reconhece que alguma regulamentação é necessária, no limite que estabeleça as bases de um mercado e não seja adequada apenas a uma só empresa. “É importante entender que o serviço de transporte privado individual prestado pelos motoristas parceiros da Uber também precisa ser disciplinado para dar segurança jurídica ao sistema e para tornar o ambiente ainda mais legítimo para trabalhadores e usuários”, diz.

Ela avalia que, devidamente regulado, o mercado de transporte privado de passageiros tem potencial de subsidiar o sistema público de transportes. “Em mercados mais maduros onde essa regulação é uma realidade, há a previsão de mecanismos de financiamento dos modais públicos na forma de contribuições feitas a partir de cada uma das viagens realizadas no transporte individual privado”, conta Ana.

Enquanto a questão parece longe de se resolver no Brasil, a Uber contabiliza leis locais que regulamentaram o sistema em outras cidades do mundo, como São Francisco e Nova York, Londres e Calcutá. Segundo a diretora jurídica da Uber, as Filipinas foram o primeiro país a regular o serviço de mobilidade urbana compartilhada. Na América Latina, a Cidade do México foi a primeira cidade a regulamentar serviços como o da Uber.

Por aqui, a briga está nos tribunais. A Uber conta com pelo menos seis decisões favoráveis aos seus serviços. A tese é que a Constituição garante a livre iniciativa para exercer qualquer atividade econômica e que o Estado só pode impedir uma empreitada quando há algum tipo de risco para a sociedade.

Os serviços do aplicativo também estão sob análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Na petição enviada ao órgão, os diretórios centrais da Uniceub e da UnB, de Brasília, pedem que sejam tomadas medidas contra “práticas anticoncorrenciais” de sindicatos e cooperativas de taxistas contra o aplicativo Uber.

Clique aqui para ler o parecer.

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