Passado a Limpo

O caso da contagem do prazo para
vigência das leis

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

5 de novembro de 2015, 12h42

Spacca
Há uma intervenção muito simples da antiga Consultoria-Geral da República a propósito de contagem de prazos de vigência de leis publicadas no Diário Oficial. Especialmente, chama-se atenção o modo como o parecerista tratou do princípio relativo à impossibilidade de se alegar ignorância da lei. Segue o parecer:

“Gabinete do Consultor-Geral da República – Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1926.

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda – Com o Aviso nº 107, de 14 do corrente, transmitiu-me Vossa Excelência, para dar parecer, o processo originado ela representação da Diretoria da Despesa Pública sobre a data em que deve ter início o abono de vencimentos de que trata o Decreto nº 5.025, de 1 do corrente, publicado no Diário Oficial do dia 6.

Motiva a representação a circunstância de fixar o art. 2º da Introdução do Código Civil para a obrigatoriedade das leis, diversos prazos, a contar da sua publicação, neste Distrito e nos Estados, prazos que variam de 3 a 100 dias e parecia injusto que os funcionários públicos fossem beneficiar do abono de modo desigual, conforme a sede de seu emprego.

Ouvidos diversos funcionários do Tesouro, inclusive o Senhor Dr. Consultor-Geral da Fazenda, foram todos acordes em resolver a injustiça, opinando que se devia mandar observar a lei desde a data de sua sanção, a 1 do corrente.

Não me é possível aderir a esse modo de ver, que viria: a) pôr de lado o princípio fundamental do direito público por força do qual a publicação é elemento essencial para a existência legal das leis, princípio expressamente contido no citado artigo da Introdução do Código Civil; b) deixar de dar execução á mesma disposição legal na parte que fixa o prazo para que a lei se torne obrigatória.

Não me parece, todavia, Senhor Ministro que o caso possa dar lugar às dúvidas apresentadas.

A razão de ser da necessidade da publicação oficial e autêntica das leis e da fixação de um prazo para início de sua obrigatoriedade  corresponde ao princípio de que a ninguém é lícito alegar a ignorância da lei (Introdução do Código civil, art. 5º). E, assim, as leis são publicadas para ciência daqueles a quem incumbe subordinar-se a suas prescrições.

Ora, no caso presente a lei apenas obriga ao Estado e, pois, no dia em que essa lei entrar em vigor no Distrito Federal, onde foi publicada no Diário Oficial, está o Estado, que tem seu domicílio neste Distrito (Código Civil, art. 35, I), na obrigação legal de fazer o pagamento nela determinado, e não somente em relação aos funcionários que residam nesta Capital, mas a todo o funcionalismo a que a lei se refere.

Em face destas considerações, e obedecendo a terminantes princípios de lei, é meu parecer que a Lei n 5.025, de 1 do corrente, publicada no Diário Oficial do dia 6, entrou em vigor 3 dias depois de sua publicação e dessa data diante está o Estado obrigado a pagar o abono pela mesma lei estatuído.

Com este parecer, que submeto ao critério superior de Vossa Excelência, devolvo os papéis e tenho a honra de reiterar a Vossa Excelência à segurança de minha elevada estima e subido apreço.

                                                                     Rodrigo Octávio”

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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