Opinião

É preciso estar atento para as falsas confissões na delação premiada

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3 de novembro de 2015, 15h17

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta terça-feira (3/11) com o título Mentiras racionais]

Já defendi várias vezes neste espaço o instituto da delação premiada e dos acordos de leniência. Eles colocam a matemática (teoria dos jogos) a serviço do combate ao crime. Saudar essa inovação, porém, não implica deixar de reconhecer que ela pode produzir efeitos colaterais indesejados, contra os quais precisamos estar atentos. Um dos mais perniciosos são as falsas confissões.

Em princípio, elas não fazem muito sentido. A menos que uma pessoa seja torturada na delegacia (o que é em tese vedado pela lei), por que ela assumiria a culpa por um delito que não cometeu? O problema é que, em determinadas situações, fazê-lo é uma escolha racional — por mais que isso contrarie nossas intuições sobre o que é a justiça. O exemplo americano aqui deve servir de alerta.

Embora os filmes de julgamento possam dar a impressão de que tudo ali termina diante de uma corte, só uma minoria dos casos vai efetivamente ao júri ou ao juiz. É que, assim que o suspeito é preso, policiais e promotores lhe apresentam a seguinte alternativa: admita sua culpa e lhe daremos uma sentença reduzida ou mantenha sua inocência e enfrente o júri. Como mostra Adam Benforado, entre 90% e 95%, preferem não arriscar a sorte e fecham o acordo. Isso significa que os policiais nem precisam se dar ao trabalho de recolher provas e os promotores não precisam montar um caso.

E por que vale a pena? Em primeiro lugar, porque a Justiça está longe de ser um sistema que sempre leva à verdade dos fatos e, em segundo, porque a diferença entre a pena proposta num acordo de leniência e a sentença máxima a que o réu está sujeito num julgamento pode ser abissal. Roubar um carro com pessoas dentro, por exemplo, pode ficar por dois anos se você aceita a culpa, contra 25 a perpétua num julgamento.

No sistema brasileiro, tais extremos nem seriam possíveis, mas não custa ficar de olho. 

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