Observatório Constitucional

Omissão impõe necessidade de prazo
para indicar ministro do Supremo

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28 de março de 2015, 8h01

Em 29 de maio de 2014, o Ministro Joaquim Barbosa anunciou a intenção de se aposentar. A cadeira que ele ocupava está vaga desde 31 de julho de 2014, o que faz com que o Tribunal funcione há oito meses sem um de seus membros.

A presidente da República, conhecida pela demora nas indicações de membros de tribunais e agências reguladoras, já supera em muito sua média de 150 dias para escolha de novos membros da Corte: 204 dias para nomear o ministro Luís Roberto Barroso, 62 dias para o ministro Teori Zavascki, 132 dias para a ministra Rosa Weber e 195 dias para o ministro Luiz Fux.

A demora na indicação faz com que sua conduta destoe da de seus antecessores no cargo. O presidente Lula indicou oito membros para o Supremo, sendo que a nomeação que mais demorou foi a da ministra Cármen Lúcia, 57 dias, e a mais rápida foi a do ministro Menezes Direito, seis dias entre o decreto de aposentadoria e o decreto de nomeação. Fernando Henrique Cardoso indicou apenas três Ministros para o STF, tendo levado 61 dias para nomear o ministro Nelson Jobim, 23 dias para indicar Ellen Gracie e 33 dias para publicar o decreto de nomeação do ministro Gilmar Mendes. O presidente Itamar Franco nomeou apenas um ministro, Maurício Corrêa, em apenas dois dias. Fernando Collor de Mello indicou quatro  ministros, tendo levado, no máximo, 74 dias para nomear o Ministro Carlos Velloso, em substituição ao ministro Francisco Rezek. O mais demorado em suas nomeações, José Sarney indicou três ministros para o Supremo, tendo levado um mínimo de 46 dias para nomear o ministro Paulo Brossard e o máximo de 108 dias para o ministro Celso de Mello.

As dificuldades enfrentadas por um tribunal que funciona há tanto tempo com um integrante a menos reacendem o debate em torno da necessidade de criação de um prazo máximo para indicação de ministros para o Supremo Tribunal Federal. Atualmente, a Constituição não estabelece qualquer prazo para a escolha pelo Presidente da República.

O artigo 101 da Constituição Federal determina a composição do Supremo Tribunal Federal em 11 membros, nomeados pelo presidente da República após a aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal. O chefe do Poder Executivo apenas precisa escolher um dentre os cidadãos brasileiros com: “mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Em um país com tantos cursos de Direito, advogados, professores universitários e magistrados, por que se tornou tão difícil escolher um jurista a altura do cargo?

A não indicação do novo ministro para o Supremo Tribunal Federal, passado tanto tempo da aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa, suscita questões importantes: embora não haja limitação temporal para a nomeação, quanto tempo seria razoável esperar que a Suprema Corte funcione adequadamente sem um de seus membros? Poderia o Chefe do Executivo simplesmente não indicar os Ministros para o Supremo durante seu mandato? E se novos ministros se aposentarem, poderá a Corte funcionar adequadamente com apenas nove ou oito ministros? Quais interesses, e de quem, estão por trás da escolha?

A ausência de um de seus ministros já afeta o funcionamento do Supremo Tribunal Federal. A 2ª Turma, composta por cinco ministros, funcionou por oito meses com apenas quatro: ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Teori Zavascki. A probabilidade de inviabilizar seu funcionamento, especialmente em razão do caso “lava jato”, de relatoria do ministro Teori, fez com que os membros apelassem aos colegas, com base no Regimento Interno da Corte, para que algum Ministro se dispusesse a trocar de Turma. O ministro Teori, inclusive, chegou a declarar: “Não seria conveniente que, já passado tanto tempo da indicação, a questão de participar ou não desta Segunda Turma tivesse como elemento, seja na indicação pela Presidente, seja na aprovação pelo Senado, esse problema adicional, de ter que examinar sobre o aspecto de sua participação [no caso]”.[1]

Atendeu ao chamado o ministro Dias Toffoli. No entanto, o problema agora se coloca à 1ª Turma do Tribunal. O ministro Celso de Mello, decano da Corte, declarou que a omissão da Presidente da República é “irrazoável e abusiva”.

Diante da conduta reiterada da presidente Dilma de demorar em suas nomeações, a sociedade civil se mobilizou e tomou a iniciativa de pedir ao Poder Judiciário que fixe um prazo-limite para as escolhas presidenciais. A Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho e a Associação Nacional dos Juízes Federais ajuizaram Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 311/DF). Com base no artigo 94, parágrafo único, da Constituição, requereram, por analogia, a fixação do prazo em 20 dias. Argumentam que, assim como previsto pelo artigo 5o, parágrafo 1º, da Emenda Constitucional 45/2004 para o Conselho Nacional de Justiça quando de sua criação, ultrapassado o prazo, caberia ao próprio tribunal afetado efetuar a escolha. O relator negou seguimento monocraticamente à ADPF, por manifestamente inadmissível, mas há recurso pendente de julgamento.

Em 2013, o Movimento de Defesa da Advocacia chegou a elaborar proposta de emenda à Constituição para limitar em 45 dias o prazo para o Executivo indicar os Ministros do STF. O projeto foi encaminhado ao Congresso, e constou como justificativa “evitar que, em caso de aposentadoria de Ministro ou qualquer outra medida que leve à vacância do cargo, esta não perdure por tempo indeterminado”.[2]

A iniciativa parece, agora, encontrar eco no Poder Legislativo. Tramitam no Congresso Nacional projetos de emenda à Constituição que visam estabelecer um prazo máximo para as nomeações de Ministros do Supremo Tribunal Federal.

A PEC 17/2015, proposta pelo Senador Blairo Maggi, confere ao Senado a função de indicar novos membros de tribunais quando o Chefe do Executivo não o fizer no prazo de 90 dias. A proposta engloba as indicações para o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, o Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais Regionais do Trabalho.[3]

Agora, é o PMDB quem prepara a apresentação de novas propostas de emenda à Constituição para limitar o tempo de escolha do Presidente da República. O partido do vice-presidente quer fixar prazos para as indicações dos ocupantes de cargos no Poder Judiciário, no Ministério Público e nas agências reguladoras. O desrespeito ao prazo implicará transferência dessa prerrogativa ao Congresso Nacional.

O vice-presidente Michel Temer (PMDB), informado sobre a intenção de seus correligionários, ponderou que a PEC poderia violar o princípio da separação dos Poderes, cláusula pétrea, ao estabelecer a interferência de um Poder em outro. Por outro lado, defensores da nova regra sustentam justamente que a fixação de um prazo visa impedir que o Executivo interfira indevidamente no adequado funcionamento do Poder Judiciário.[4]

Fato é que tal norma não seria inédita, uma vez que já existe no direito comparado. A Lei Fundamental de Bonn estabelece um prazo de três meses antes do término do mandato do juiz do tribunal constitucional para a escolha do novo membro (artigo 5.2). Em caso de saída prematura do juiz, o prazo de escolha diminui para 1 mês (artigo 5.3). Ainda prevê que, ao término do mandato, o juiz deverá continuar exercendo suas funções enquanto outro não for escolhido (artigo 4.4).

Embora outros ordenamentos constitucionais não fixem prazo de escolha, os diferentes modelos de composição de Tribunais Constitucionais, quer pelo estabelecimento de mandatos de seus membros, quer pela diversificação de órgãos competentes para a indicação, acabam por determinar que o procedimento de escolha flua com maior tranquilidade.

A verdade é que, como já dizia Favoreu (2004), o processo de indicação dos membros de uma Corte ou Tribunal Constitucional é fator importante de sua legitimidade.[5]

Não é por outra razão que tramitam no Congresso Nacional mais de 10 propostas de emenda à Constituição com o objetivo de alterar, em maior ou menor medida, o modelo de investidura dos Ministros do Supremo. No Senado, tramitam as PECs 17/2015, 30/2008, 03/2013 e 44/2012. Na Câmara, foram protocoladas as PECs 17/2001, 566/2002, 484/2005, 342/2009, 434/2009, 441/2009 e 17/2011.

Com tantas propostas para modificação do modelo atual, o certo é que a conduta da Presidente Dilma tem favorecido o surgimento de um consenso quanto à necessidade de mudança, medida salutar para o aprimoramento das instituições e das relações entre os Poderes.

Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).


[1] http://lppinho.jusbrasil.com.br/noticias/172712534/stf-pode-tirar-de-dilma-escolha-de-ministro-que-vai-julgar-lava-jato.
[2] http://www.mda.org.br/noticias-texto-da-pec-elaborada-pelo-mda-visando-fixar-prazo-para-o-poder-executivo-promover-as-indicacoes-de-ministro-do-stf,2135.htm
[3] http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=119884.
[4] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1608810-pmdb-quer-prazo-para-dilma-indicar-ministro-do-supremo.shtml
[5] FAVOREU, Louis. As cortes constitucionais. Landy, 2004.

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