Funcionamento do Estado

Novos indicadores ajudam TCE-SP a aumentar eficiência administrativa

Autor

  • Amilton Augusto

    é advogado da Kufa Sociedade de Advogados especialista em Direito Público e em Direito Processual Civil. Membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).

28 de março de 2015, 7h30

A análise das contas públicas pelos Tribunais de Contas é motivo de muitas preocupações e críticas, em razão de acharem ser culpa do Tribunal uma análise inflexível, o que, na verdade, deve-se ao fato do respeito à legalidade exacerbada, enraizada em nosso ordenamento. Mas, isso pode ter um fim, pois vem surgindo uma nova forma de avaliação da gestão municipal. É sobre isso que trataremos nesse texto, sobre uma nova perspectiva que surge como novo modelo de avaliação dos gestores.

O controle externo, além de princípio fundamental da Administração Pública Federal[1][2], é instituto necessário para “assegurar o atendimento de princípios insculpidos na Constituição, como o da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade, economicidade, finalidade, sem o qual não poderíamos ter efetivo domínio da atuação da Administração Pública, de modo a fiscalizar e corrigir os seus atos, bem como aplicar as penalidades cabíveis aos maus gestores de bens e dinheiros públicos.”[3]

O que nos interessa no presente estudo é o controle externo das contas do Executivo municipal, denominado de controle legislativo, que se fundamenta no princípio da estrita legalidade, considerada diretriz básica da conduta dos agentes públicos, e realizado pela Câmara Municipal, auxiliada pelo Tribunal de Contas, o qual emite parecer técnico prévio sobre as contas anuais, podendo ser rejeitado pelo voto de 2/3 dos seus membros.[4]

Essa espécie de controle foi elaborada sob a influência do modelo burocrático[5], o que faz com que a fiscalização dos Tribunais de Contas tenha por base procedimento normativo próprio através do qual a documentação exigida é fornecida pelos entes fiscalizados através de seus sistemas de controle interno, além de levantamentos feitos pelas inspeções e auditorias, casos em que as informações são apuradas diretamente pelos seus próprios setores técnicos do órgão.[6]

Inobstante a importância do modelo burocrático, vários fatores levaram ao seu desprestígio, sendo decisiva a sua autorreferenciação, uma vez que perdeu o foco de sua missão principal, servir à sociedade, voltando-se para si mesmo na tentativa de garantir o poder estatal, ou seja, deixou-se a efetividade no controle dos abusos, diante da incapacidade de voltar-se para o serviço aos cidadãos.[7]

Em contraposição a esse sistema tradicional, a Emenda Constitucional 19/1998, fundada no Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estatal, trouxe o modelo de administração gerencial, denominado de ‘Administração Pública de Resultados’ que, além de visar ao aumento da efetividade dos serviços públicos, procura delinear as políticas públicas e equacionar as finanças da máquina administrativa. Assim, o foco sai da racionalidade-legal para a gerencial, centrando-se nos fins a serem atingidos[8].

Com esse novo modelo, a busca pela efetividade passa a ser o fundamento da administração gerencial, que deve estar voltada para o cidadão, deixando o controle da Administração de ser formal para um controle de resultados, separando o que é excessivo e desnecessário do que traz transparência e garante impessoalidade. Porém, esse controle poderá vir para acrescer e não para substituir os controles procedimentais, ou seja, na prática, só será completo se, além da legalidade, embora flexibilizada, for verificado também o desempenho da Administração.[9]

E para cumprir os objetivos trazidos por esse novo modelo gerencial, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCESP, inicia, através da divisão AUDESP, processo de apuração do Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEGM, que visa avaliar a qualidade da gestão pública dos municípios paulistas, modelo que entendemos capaz de suprir as dificuldades dos demais Tribunais de Contas do País[10] na implantação da avaliação de desempenho da gestão pública, trazida pela EC 19/98.

A apuração do IEGM paulista será realizada, inicialmente, com a avaliação de sete especialidades: Educação, Saúde, Planejamento, Gestão Fiscal, Meio Ambiente, Proteção das Cidades e Governança da Tecnologia da Informação, cujos resultados comporão índice de eficiência que servirão tanto para os munícipes quanto para os gestores, como valioso instrumento de aferição de resultados, servindo, ainda, para o aperfeiçoamento da atividade fiscalizatória ao indicar os setores que mereçam maior atenção.[11]

Segundo o TCE-SP, o índice representa um trabalho inédito no âmbito dos Tribunais de Contas[12], o que, com a devida vênia, ousamos discordar, tendo em vista que tal procedimento deriva do Plano Diretor da Reforma Estatal, inaugurado pelo Governo Federal em 1995 e materializado em diversas normas, adotando-se um sistema de avaliação de resultados que busca a efetividade da Administração.[13]

Uma prova robusta de que esse procedimento não é novidade é a de que as primeiras experiências com esse tipo de auditoria (Auditorias de Natureza Operacional – ANOP) foram realizadas pelo TCU entre 1990 e 1996. Além disso, o Tribunal de Contas do Estado da Bahia – TCE-BA já realiza esse tipo de procedimento desde 1987, na análise dos contratos de empréstimos externos financiados pelo BIRD, seguindo o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco – TCE-PE a mesma diretriz, ingressando em 2004, através de convênio deste com o Reino Unido, iniciado em 2001, com o objetivo de cumprir as metas de Planejamento Estratégico para implantação e desenvolvimento da ANOP em seu âmbito.[14]

Fato é que, embora a Reforma Administrativa tenha sido implementada nos anos 90, o procedimento de avaliação ficou a cargo dos órgãos de controle, merecendo, portanto, aplausos o TCE-SP por chegar a uma avaliação eficaz, uma vez que imensas ainda são as dificuldades em se implantar uma cultura gerencial de administração por resultados em nosso País.[15]

Dessa forma, o TCE-SP através do IEGM coletará informações para análise das contas dos gestores paulistas, que tentará apurar, além do cumprimento das metas constitucionais e legais, a verdadeira efetividade do gasto público, proporcionando a sociedade, como um todo, um banco de dados suficiente à elaboração de estratégias futuras, possibilitando a fiscalização e acompanhamento da avaliação da efetividade dos municípios paulistas.[16]

As sete dimensões que compõem o IEGM-TCE-SP[17], cujo peso será apurado pelo uso de métrica de ponderação que melhor reflita o grau de relevância, baseada no volume de despesas realizadas entre 2011 e 2013, por função de governo (“Ensino”, “Saúde”, etc.[18]), serão pautados nos seguintes objetivos e metodologia, respectivamente:

i-EDUC (Índice Municipal da Educação): Apresentará a lista com o posicionamento dos municípios com indicadores que estabeleçam a métrica das ações sobre a gestão da Educação Pública na sua esfera de responsabilidade, fornecendo a cada município uma série de quesitos específicos relativos à educação infantil, creches, pré-escolas e Ensino Fundamental.

i-SAÚDE (Índice Municipal da Saúde): Buscará o posicionamento dos municípios a partir de indicadores que estabeleçam uma métrica das ações sobre a gestão da Saúde Municipal, fornecendo a cada município uma série de quesitos específicos de gestão municipal da Saúde voltados à Atenção Básica.

i-PLANEJAMENTO (Índice Municipal do Planejamento): Ordenará os municípios quanto ao que foi planejado e realizado em matéria de programas e ações, possibilitando entender, de maneira ampla, como se deu esse processo, apontando para os possíveis resultados.  Para tanto, haverá a análise dos percentuais gerados em relação à execução, comparando essa com o que foi estabelecido no planejamento da entidade.

i-FISCAL (Índice Municipal da Gestão Fiscal): Permitirá ordenar os municípios quanto à política fiscal estabelecida e executada, habilitando o usuário a entender, de maneira ampla, o comportamento das decisões tomadas pelos gestores no que diz respeito à parte fiscal, analisando-se a execução orçamentária, a manutenção dos limites legais estabelecidos e a transparência da administração municipal.

i-AMB (Índice Municipal do Meio Ambiente): Apresentará o posicionamento dos municípios paulistas com indicadores que estabeleçam uma métrica das ações sobre o meio ambiente que impactam a qualidade dos serviços e a vida das pessoas, tais como resíduos sólidos, educação ambiental, etc., fornecendo a cada Município uma série de quesitos específicos sobre Meio Ambiente.

i-CIDADE (Índice Municipal de Cidades Protegidas): Fornecerá o posicionamento dos municípios com indicadores que estabeleçam o grau de envolvimento no planejamento municipal para proteção dos cidadãos frente a possíveis eventos de sinistros e desastres, tendo por metodologia fornecer a cada município uma série de quesitos específicos sobre a gestão quanto à preparação e reação em situações de emergência.

i-GOV TI (Índice Municipal de Governança de Tecnologia da Informação): Tem por objetivo apresentar a relação com o posicionamento dos municípios jurisdicionados com indicadores que estabeleçam uma métrica que mensure o conhecimento e o uso dos recursos de Tecnologia da Informação em favor dos munícipes, cuja metodologia será a de fornecer a cada Município uma série de quesitos específicos de TI, com pesos atribuídos a cada um derivando de cálculos matemáticos realizados por meio de algoritmos e rotinas computacionais.

Assim, ao final da apuração de cada dimensão, o Tribunal de Contas elaborará um cálculo matemático para se chegar ao “ranking” da efetividade da gestão pública dos municípios paulistas[19].  No entanto, como o ano de 2015 é o da implantação deste procedimento, o TCE-SP não apresentará um ranking público, por se tratar de participação voluntária, neste primeiro ano, apresentando à sociedade e aos municípios fiscalizados apenas os resultados em 05 faixas[20], cuja representação se dará por notas, sendo cada faixa caracterizada da seguinte forma: A = Altamente Efetiva; B+ = Muito Efetiva; B = Efetiva; C+ = Em fase de adequação; C = Baixo nível de adequação; preservando assim os valores numéricos auferidos.

Com tais indicadores, o TCE-SP se torna eficaz instrumento de realização de justiça social e de respeito às normas constitucionais vigentes, em especial aos princípios da Administração Pública que, hodiernamente, exige de todos os gestores o respeito aos princípios da economicidade e eficiência, que poderão ser mais bem auferidos, em observância ao marco teórico do pós-positivismo, através da aplicação do Índice de Efetividade da Gestão Municipal.

Trata-se, então, de procedimento que possui suas dificuldades práticas, mas que poderá com o tempo flexibilizar algumas exigências estritamente legais, em face de uma maior efetividade das normas constitucionais, ou seja, com base no princípio da efetividade autorizado estará o TCE-SP a realizar uma ação mais profunda e proativa na análise das contas públicas, buscando apurar o resultado efetivo alcançado pelas políticas públicas, não visando tão somente punir o gestor ineficiente, mas orientá-lo na busca da eficiência administrativa, podendo servir, inclusive, num futuro bem próximo, de modelo para a modernização do controle das contas públicas por todos os Tribunais de Contas do Brasil.

[1] Art. 6º. “As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: I – Planejamento; II – Coordenação; III – Descentralização; IV – Delegação de competência; V – Controle”. (BRASIL, Decreto-lei nº 200/1967).

[2] “O princípio, conquanto esteja previsto em legislação federal, deve ser observado por todas as demais entidades federativas independentemente de lei, porque a gestão de interesses alheios, como é o caso da Administração, implica naturalmente a prestação de contas de ações e resultados aos titulares dos mesmos interesses, no caso a coletividade.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2014. p. 955).

[3] KUFA, Karina. Consequências jurídicas da prestação de contas do executivo e demais ordenadores de despesa sob o enfoque da Lei da Ficha Limpa. In: BARRETO, Ricardo de Oliveira Paes; AGRA, Walber de Moura (Coord.). Prismas do direito eleitoral: 80 anos do Tribunal Eleitoral de Pernambuco. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 85.

[4] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 575.

[5] LIMA, Gustavo Massa Ferreira. O princípio constitucional da economicidade e o controle de desempenho pelos Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 51.

[6] BURGARIN, Paulo Soares. O princípio constitucional da economicidade na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 103. apud LIMA, Gustavo Massa Ferreira. Op. cit. p. 50.

[7] CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 120. Apud Ibidem. p. 53-54.

[8] Ibidem. p. 56-57.

[9]  ______. p. 59-61.

[10] Já se tem notícias da aplicação deste procedimento nos Tribunais de Contas de Pernambuco e da Bahia.

[11] RODRIGUES, Edgard Camargo. Índice de efetividade da gestão municipal. TCESP,2014. Disponível em <https://www4.tce.sp.gov.br/sites/default/files/manual-iegm-tcesp_0.pdf>.

[12] Disponível em <http://www4.tce.sp.gov.br/6524-campinas-sediara-debates-sobre-adocao-do-indice-de-efetividade-do-tce>. Acesso em 18/02/2015.

[13] LIMA, Gustavo Massa Ferreira. Op cit. p. 19.

[14] Ibidem. p. 92-93.

[15] ______. p. 20.

[16] O tribunal de contas do estado de São Paulo. Nova perspectiva de avaliação das contas públicas. Disponível em <http://www.ibrap.org.br/Home/CourseDetail/325. Acesso em 18/02/2015>.

[17] TCESP. Manual do Índice de Efetividade da Gestão Municipal do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – 2014. Disponível em: <https://www4.tce.sp.gov.br/sites/default/files/manual-iegm-tcesp_0.pdf>. Acesso em 18 fev. 2015.

[18] BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Portaria nº 42/1999. Apud. Ibidem. p. 11. Acesso em 19 fev. 2015.

[19] TCE. Op. cit. p. 57.

[20] “Com o objetivo de permitir maior controle da efetividade do município, ajustado pelos modelos matemáticos aplicados, e considerando a necessidade de implemento de controles constitucionais e legais no IEGM/TCESP, ficam observadas as seguintes regras para aplicação das faixas de resultado: (i) IEGM/TCESP: NOTA A – FAIXA ALTAMENTE EFETIVA – o município deve possuir pelo menos 05 (cinco) notas A; (ii) DIMINUIÇÃO DE 01 (UM) GRAU NA NOTA GERAL DO IEGM/TCESP: quando não ocorrer o atingimento da aplicação de 25% na Educação; (iii) ÍNDICE COMPONENTE – REALOCAÇÃO PARA FAIXA DE RESULTADO DE NOTA C – BAIXO NÍVEL DE ADEQUAÇÃO: quando não observar o contido do artigo 29-A da Constituição Federal.” In ______. p. 61.

Autores

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    é advogado da Kufa Sociedade de Advogados, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho e em Direito Público pelo Instituto Superior do Ministério Público do Rio de Janeiro.

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