Obrigação do cliente

Reembolso de despesas não deve ser contabilizado como receita do escritório

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28 de março de 2015, 8h30

De acordo com um recente Acórdão do CARF, uma renomada Banca Jurídica sofreu autuação de valores vultosos, em decorrência da não inclusão dos valores cobrados a título de “reembolso de despesas” no faturamento, resultando numa omissão da receita tributável para fins do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

A este tema cabe um tratamento especial, uma vez que o reembolso de despesas é muito comum no dia a dia dos escritórios de advocacia.

Para o fisco, os reembolsos de despesas fazem parte da operação das bancas jurídicas e, portanto, as receitas oriundas destes devem ser tributadas. Todavia, tal afirmação não encontra respaldo no conceito de Receita constante na Lei de nº 12.973/14, isto porque o reembolso de despesa é meramente uma antecipação de numerário ao cliente, em que posteriormente será repassado ao escritório de advocacia o mesmo valor adiantado, não se tornando assim parte integrante do seu negócio.

Neste sentido, a fim de melhor elucidar os fatos, importante analisar algumas definições de receita em nosso ordenamento jurídico e contábil.

O conceito de receita, já utilizado no nosso ordenamento jurídico, é elemento fundamental para o diferenciarmos dos chamados reembolsos de despesas. Sob a ótica do direito privado, Bernardo Ribeiro de Moraes manifestou-se sobre o conceito de receita:

"O conceito de receita acha-se relacionado ao patrimônio da pessoa. Quem aufere receita, recebe um valor que vem alterar o seu patrimônio a sua riqueza. Receita, do latim "recepta" é o vocábulo que designa recebimento, valores recebidos. Receita é o vocábulo que designa o conjunto ou a soma de valores que ingressam no patrimônio de determinada pessoa. Podemos definir receita como toda entrada de valores que, integrando-se ao patrimônio da pessoa (física ou jurídica, pública ou privada), sem quaisquer reservas ou condições, venha acrescer o seu vulto como elemento novo e positivo." (g.n)

Esta definição, inclusive, é corroborada pela Norma Internacional de Contabilidade NIC-18, que conceitua receita como sendo o ingresso bruto de dinheiro, contas a receber ou outros valores que surgem no curso das atividades normais de uma empresa pela venda de mercadorias, prestação de serviços e pelo uso por terceiros de recursos das empresas geradores de juros, royalties e dividendos.

Ainda, no mesmo sentido, podemos citar a lição de Eduardo Bottallo:

"(…) os contribuintes (…) têm o direito de não considerar, como receitas próprias, valores que apenas transitam por seus livros fiscais, sem representar, entretanto, acréscimo patrimonial. Tal é o caso, v. g., dos montantes a ele repassados para satisfação de despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, ou para pagamento, aos efetivos prestadores, por serviços por eles apenas intermediados".

Além disso, em acréscimo aos parágrafos anteriores, podemos mencionar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o guardião da CFB/88, por meio da decisão unânime do RE n.º 117.887-6/SP, em que “renda e provento de qualquer natureza” significa sempre “acréscimo patrimonial” como forma de melhor enfatizar o viés de acréscimo patrimonial do conceito de renda. O Min. Carlos Velloso ao relatar o referido recurso extraordinário dispôs: “não me parece possível a afirmativa no sentido de que possa existir renda ou provento sem que haja acréscimo patrimonial”.

Na mesma seara, o conceito contábil de receita, nos moldes da NPC 14/2001 do IBRACON, é a entrada bruta de benefícios econômicos durante o processo operacional da empresa que ocasiona em aumento do patrimônio líquido, excetuando-se o capital social.

Com as definições expostas acima fica claro que, para fins de IRPJ e CSLL, não existe base de cálculo para incidência dos tributos em questão, pois como discorrido anteriormente, é o mesmo valor adiantado aos clientes que retorna aos cofres das bancas jurídicas, não ensejando assim em acréscimo patrimonial.

Da mesma forma, tendo em vista que nos referimos à antecipação de numerários aos clientes e não de novas receitas, tais ingressos de recursos não compõem à base de cálculo do PIS e da COFINS, pois, por se tratar de mera antecipação, a mesma não pode ser considerada como receita da operação dos escritórios de advocacia.

Neste sentido, no que se refere o PIS e a COFINS temos uma decisão proferida pelo CARF de 19-318/01, que ilustra bem esta temática:

“EMENTA: FATO GERADOR. REEMBOLSO DE DESPESAS. EXCLUSÃO. A amplitude da base de cálculo da Cofins, dada pela Lei nº 9.718/98, não alcança os valores escriturados a título de reembolso de despesas, porquanto estes não representam ingresso de receita nova.”

Por analogia, este entendimento referente ao reembolso de despesas já é pacificado pela Secretária da Receita Federal por meio da Solução de Consulta de consulta Nº 38/2011 conforme abaixo:

“EMENTA: RATEIO DE DESPESAS COMUNS DE GRUPO ECONÔMICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA RECEITA. DESPESAS COM TERCEIROS. REDUÇÃO DA DESPESA. As despesas comuns resultantes de atividades desenvolvidas por empresa controladora em favor de outras empresas do mesmo grupo econômico podem ser rateadas em relação estas empresas, devendo os valores recebidos pela empresa controladora serem por ela considerados receita para fim de incidência da Contribuição para o PIS/PASEP. Também as despesas comuns, contratadas junto a terceiros por empresa controladora para empresas de um grupo econômico, podem ser rateadas. Neste caso, o valor rateado não compõe a base de cálculo da Contribuição para o PIS/PASEP da empresa controladora. Em ambos os casos, requer-se previsão contratual que estabeleça os coeficientes de rateio dentro de critérios razoáveis que correspondam à efetiva imputação da despesa.“

Vale salientar que após a impugnação por parte do recorrente, o CARF solicitou uma diligência por parte da Delegacia da Receita Federal para comprovar ou não a existência de tais reembolsos, ou seja, o CARF considerou a possibilidade da manutenção dos reembolsos de despesas desde que comprovados pelo contribuinte conforme abaixo:

“… Assim, pelos exemplos acima detalhados, percebe-se a necessidade plena de comprovação de que os valores indicados na contabilidade são efetivamente reembolso de despesas e não mera remuneração, com mais valia e, portanto, ganho tributável embutido. Essa análise, contudo, depende de comprovação documental e análise pontual, incompatível nessa instancia processual. Desta forma, no que se refere especificamente ao reconhecimento dos ingressos como mero reembolso, entendo pela necessidade de retorno à Delegacia da Receita Federal, em diligência, para verificação documental dos valores indicados, para sua manutenção ou eventual glosa.”

Por todo o exposto, podemos destacar, primeiramente, a necessidade de um controle rígido dos referidos reembolsos pelos escritórios de advocacia e pela sua contabilidade, pois os mesmos serão alvos de fiscalização. Caso o fisco não consiga verificar a veracidade de tais documentos, os mesmos serão glosados.

E por se tratar de reembolso de despesas, importante mencionar que os numerários não devem transitar pelas contas de resultado (Receitas X Despesas) da contabilidade societária, pois se estamos falando a todo o momento que o reembolso de despesas não é receita da operação das bancas jurídicas, estes deverão transitar somente em contas do Ativo, caso contrário estaremos reconhecendo uma receita e se eximindo de tributá-la.

Importante enfatizar que a obrigação de pagar os reembolsos de despesas é do cliente e não dos escritórios de advocacia. Podemos citar como exemplo clássico o reembolso de custas judiciais pagas pelos escritórios de advocacia e ressarcidas pelo contratante, pois como o autor da ação judicial é o contratante, é este último que terá a obrigação de quitá-las.

Por fim, o reembolso de despesas corresponde a custos ou despesas de terceiros, neste caso especificamente, dos clientes das bancas jurídicas. Logo, tais reembolsos devem estar amparados em cláusulas contratuais e, de preferência, todos os comprovantes de despesas emitidos em nome do contratante do serviço, pois desta forma, os mesmos não poderão ser contabilizados nas rubricas contábeis dos escritórios de advocacia e ficara fácil demonstrar que não se trata de receita dos escritórios.

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