Habilidades profissionais

Advogado-escritor dos EUA dá 10 dicas para melhorar redação jurídica

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28 de março de 2015, 7h00

Além do desempenho nas atividades cotidianas de profissional do Direito, um advogado é avaliado nos escritórios americanos — e muitas vezes admirado pelos colegas e clientes — por duas habilidades especiais: a de fazer relacionamentos e a de escrever bem.

A opinião é de uma das maiores autoridades em redação jurídica dos EUA, o advogado, escritor e editor-chefe de todas as edições atuais do Black's Law Dictionary, Bryan Garner. Essa obra é o mais conceituado dicionário jurídico dos EUA, às vezes citado pelos ministros da Suprema Corte como uma “autoridade jurídica secundária”.

Apesar dessas credenciais, as dicas de Bryan Garner, em um artigo publicado no Jornal da American Bar Association (ABA) — são bem simples. Podem não ser aplicáveis, em sua totalidade, à cultura brasileira, mas dão uma ideia dos problemas que os advogados americanos enfrentam, no dia a dia, com a redação jurídica:

1. Antes de redigir, certifique-se de que entende o problema do cliente. Faça todas as perguntas que forem necessárias, investigue, leia os documentos relevantes. E sempre anote o que for importante. Tome conhecimento de tudo o que for necessário da situação do cliente. Se a tarefa de escrever lhe foi dada por um sócio do escritório que conhece o caso, peça a ele que lhe transmita todas as informações do caso, em detalhes. A responsabilidade sobre o resultado final do caso será parcialmente sua. É quase impossível escrever uma petição, um requerimento, um bom memorando de pesquisa, de forma abstrata. Se você tem todas as informações sobre o caso e sobre a legislação e a jurisprudência pertinentes, você estará em uma posição bem melhor para redigir um bom documento com competência.

2. Não dependa apenas da Internet para fazer suas pesquisas. Combine a pesquisa no computador com a pesquisa em livros ou qualquer outra publicação especializada. Busque informações em leis, jurisprudências, arquivos, índices, resenhas, estudos, tratados, em suma, em qualquer fonte de informação que lhe dê elementos para ajudar o juiz a formar sua convicção.

3. Nunca entregue uma versão preliminar do trabalho em andamento. Um atalho comum, tomado por redatores jurídicos, especialmente sob pressão do tempo, é o de entregar um rascunho ao chefe, na esperança de obter correções, sugestões ou comentários que irão ajudar a melhorar o trabalho. Esse é um risco muito grande. Supervisores (ou chefes) estão sempre muito ocupados e, mais provavelmente, não irão ler uma “versão preliminar” — ou um rascunho. Muitas vezes, apenas passam os olhos no texto e dão andamento ao caso. Versões preliminares também não devem ser enviadas a clientes. Quando o tempo está curto, é melhor passar para o “supervisor” e para o cliente informações sobre o status do trabalho.

Minipetição e grande petição
4. Escreva um sumário de um longo documento logo na abertura do texto. Talvez essa seja a melhor recomendação do autor a advogados, promotores e juízes (em suas decisões). Muitos profissionais escrevem petições, por exemplo, como se estivessem escrevendo uma novela: deixam o desfecho, o melhor da história, para o final. Se esquecem de que muitos leitores não irão se dar ao trabalho de ler a “obra” completa, de cabo a rabo.

Segundo o autor do artigo, o sumário inicial deve conter três elementos: as principais questões jurídicas levantadas no processo, as respostas do peticionário para essas questões e as razões (ou justificativas) para essas respostas — nestas se encaixam uma breve conclusão. E tudo será devidamente resumido. A descrição dos fatos, por exemplo, deve ser brevíssima. Eles têm pouca importância nesse ponto inicial da petição, em que o leitor sequer conhece as principais questões do processo.

Há uma velha discussão no Brasil, como nos EUA, se uma petição deve ser breve, enxuta, apenas com o essencial do caso, ou se deve ser longa, com tudo que precisa estar no texto, para não haver falha por omissão.

A recomendação de Garner sugere a ideia de que o advogado deve fazer uma combinação das duas coisas: escrever uma petição curta, entre meia e uma página, que contenha todas as informações necessárias, a título de sumário. A probabilidade de que essa “minipetição” será lida é de quase 100%.

E, na sequência, emendar a “grande petição”, detalhada, que vai eliminar o receio do pecado por omissão. Tanto no Brasil, quanto nos EUA, alguns advogados preferem continuar escrevendo petições extensas, com todos os elementos que acreditam ser necessários. Porém, a iniciam com um índice. Provavelmente, é uma ótima estratégia, porque o leitor (juiz, assistente judicial, cliente, supervisor), que não está a fim — ou não tem tempo — de ler tudo, vai escolher, no índice o que acha absolutamente necessário ler.

Na “grande petição”, a conclusão final poderá ser mais bem elaborada. A minipetição é a última coisa a ser escrita, porque, depois de escrever a grande petição, o cérebro se encarrega de selecionar o que é mais relevante para a “história”.

Juridiquês e verborragia
5. Faça um sumário compreensível a não advogados. Você deve escrever o sumário em uma linguagem que qualquer colega, amigo, familiar, jornalista ou qualquer leitor possa entender. No sumário, citações de leis com seus artigos e parágrafos, bem como juridiquês em profusão, podem ser dispensados. Uma técnica para apresentar a questão é fazer uma pergunta para o juiz e sugerir a resposta: “A Receita Federal pode aprovar uma dedução tributária sobre o valor destinado à entidade beneficente? Sim, porque a lei prevê que…

6. Em suas conclusões, não seja hesitante ou titubeante. Mas também não exagere na expressão de sua convicção. Uma exposição ponderada pode ser mais convincente. Em outras palavras, não tente sustentar seu esforço de convencimento em adjetivos, advérbios em excesso ou com verborragia pura. A apresentação organizada de fatos e argumentos sempre será mais eficiente.

7. Busque o tom profissional mais adequado: natural, mas não coloquial. Alguns advogados, principalmente os menos experientes, que foram encorajados a evitar o juridiquês, se tornam “despreocupadamente informais”, a ponto de desprezar os padrões normalmente aceitos para a redação jurídica formal, diz o autor. Realmente, há muitas situações, como no sumário inicial, em que o juridiquês deve dar lugar à linguagem mais simples. Mas, de uma maneira geral, as coisas funcionam melhor, em quaisquer circunstâncias, quando usadas com moderação. E todos apreciam o tom profissional.

8. Não dispense o tratamento recomendável ao se referir a pessoas. Ao excelentíssimo, o que pertence ao excelentíssimo — e assim por diante.

9. Releia o texto da redação. Então, corte todos os parágrafos e todas as sentenças ou frases desnecessárias — ou que não vão contribuir para a formação da convicção do juiz. Verborragia é uma palavra que descreve um texto ou uma fala com abundância de palavras, mas com poucas ideias. Também é chamada de logorréia. Com a mesma ceifa afiada, corte palavras desnecessárias. Por exemplo: “Há um consenso geral de opiniões dos juristas…”. Todo consenso já é geral. Todo consenso já é de opiniões. Assim: Há consenso entre juristas que…”, fica melhor.

10. Faça a revisão do texto uma ou duas vezes mais do que você acha necessário. A segunda revisão, feita por outra pessoa, sempre é mais produtiva. Mesmo publicações sérias cometem erros ridículos todos os dias: erros de concordância, erros de digitação ou de emprego errado de palavras, como “eminente” em lugar de “iminente”, entre outros.

A razão é a de que o escritor é o pior revisor. Quando você escreve, sua mente trabalha duro no modo “conteúdo” — isto é, ela se concentra nas ideias e na melhor maneira de expô-las. Então, quando o escritor vai revisar seu texto, o trabalho começa no modo “revisão”, mas após um pequeno trecho, retorna automaticamente para o modo “conteúdo”. E a revisão vai para o brejo. Idealmente, os escritórios de advocacia deveriam submeter seus textos a um revisor profissional. A quantidade de erros seria muito menor.

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