Renegociação de dívidas

Teremos um final feliz para o futebol brasileiro?

Autor

25 de março de 2015, 8h40

Após meses de atraso e expectativa, finalmente o Governo Federal editou no dia 19 de março de 2015 a medida provisória nº 671 com o objetivo de instituir o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro e dispor sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais, sendo aplicável basicamente aos clubes, federações e confederações.

Trata-se de um assunto que estava há mais de 2 anos em discussão no Governo Federal e na Câmara Federal, sendo que o parlamento esteve prestes a votar projeto muito parecido, porém resolveu esperar uma definição do governo. Sendo assim, vários aspectos que estão na MP são fruto de debates realizados pelos deputados.

O projeto proposto segue, em algumas partes, o conceito do Regulamento de Licenças de Clubes e Fair Play Financeiro da UEFA, porém em sua versão tupiniquim, sendo em alguns itens até mais exigente que determinadas normas da confederação europeia, como é por exemplo o caso da obrigação dos clubes apresentarem resultados financeiros positivos a partir de 2021. Na UEFA, por outro lado, um prejuízo acumulado de até 5 milhões de euros em duas temporadas desportivas é entendido como aceitável.

No contexto geral, a proposta, caso implementada, tem condições de representar um avanço para a profissionalização da organização dos clubes de futebol no Brasil, eis que pela primeira vez na história do esporte brasileiro são feitas exigências legais quanto ao cumprimento de obrigações financeiras, diminuição de prejuízos e limitação de gastos dos clubes, coisas que são realidade há alguns anos nos Estados Unidos e Europa.

O parcelamento de 240 meses para pagamento das dívidas tributárias federais é um dos elementos centrais da MP, seguindo parâmetros semelhantes a outros programas desta natureza já implantados pelo Governo Federal, como o REFIS.

A chave para a virada do futebol brasileiro reside na responsabilização das gestões. Todas as dívidas que apareceram com força neste ano de 2015 são resultado única e exclusivamente de gestões que se preocuparam muito mais em ganhar títulos do que em pagar títulos. Assim, qualquer repactuação fiscal que não exija fortes contrapartidas aos clubes e deixe de responsabilizar os administradores por novas dívidas tende a fracassar.

De acordo com as novas regras, clubes não poderão gastar mais de 70% de suas receitas com a folha de pagamento de atletas. Deverão pagar salários e tributos em dia. São estabelecidas normas duras contra a gestão temerária. Obriga-se os clubes a reduzir seu prejuízo anual a zero a partir de 2021.

Em tempos de “petrolão”, cria-se uma espécie de “delação premiada” dentro dos clubes de futebol para casos de gestão temerária. Os novos gestores que não denunciarem o descumprimento dos deveres estatutários ou contratuais feitos pela gestão anterior são suscetíveis de responsabilização solidária por tais atos ilícitos. Lembre-se que os clubes de futebol têm eleição para presidente a cada dois ou três anos. Sendo assim, é fácil imaginar que, quando haja a mudança de direção com a entrada de um grupo opositor, o cumprimento desta regra seja facilitado. Por outro lado, o ponto de interrogação surge quando a mudança de direção ocorrer dentro do mesmo grupo político e este tenha que denunciar o antecessor por atos de má gestão. Não há dúvida de que se trata de norma salutar e que esquentará bastante o ambiente político clubístico.

Não menos importante é a criação de sanções desportivas aos clubes que não cumprirem com as várias obrigações previstas na MP, como a advertência, proibição de registro de novos atletas e rebaixamento. Esta é uma das grandes novidades da legislação desportiva nacional, eis que nunca existiu até então uma punição desportiva pelo não cumprimento de obrigações fiscais e trabalhistas, coisa que também existe há alguns anos na Europa.

Considerando todas as fracassadas experiências de repactuação fiscal entre clubes de futebol e a União, a atual formatação jurídica das entidades desportivas e sua forma de gestão, três são os aspectos fundamentais que podem servir de base para um novo modelo de administração do futebol brasileiro: parcelamento dos débitos fiscais, responsabilização pessoal de dirigentes por futuras dívidas e atos de más gestão e punição esportiva em caso de inadimplência fiscal e trabalhista.

Esta conjunção de oxigênio financeiro imediato à gestão dos clubes aliada diretamente à medidas fortes que punam futuras gestões temerárias e financeiramente irresponsáveis pode ser o começo de um novo momento no futebol nacional, cujas consequências positivas serão verificadas ao longo dos próximos anos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!