Integridade do Judiciário

Tribunal Superior de Missouri faz intervenção em tribunal de Ferguson

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13 de março de 2015, 11h05

Em 4 de março, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos divulgou um relatório que enlameou a reputação do Judiciário Municipal de Ferguson — a cidade onde um policial branco matou um jovem negro desarmado e foi inocentado por um "grand juri". Entre outras acusações, o relatório diz que “o objetivo primário da corte não era administrar a justiça ou proteger os direitos dos acusados, mas arrecadar dinheiro, até mesmo de formas ilícitas, para maximizar a receita” do Judiciário local.

Em 9 de março, o Tribunal Superior de Missouri nomeou o juiz federal no estado Roy Richter interventor no Judiciário Municipal de Ferguson. Ele terá a função de moralizar o Judiciário local, reformulando as políticas e os procedimentos estabelecidos pela administração anterior e assumindo todos os processos que tramitam no tribunal.

O juiz Ronald Brockmeyer, que comandava os esquemas do Judiciário Municipal, já pediu demissão. Na quarta-feira (10/3), o chefe do Departamento de Polícia de Ferguson também renunciou. Uma “limpeza” no Departamento de Polícia está prevista, segundo os jornais Washington Post e New York Times.

Aliás, o propósito inicial do Departamento de Justiça (DOJ) era investigar o Departamento de Polícia de Ferguson. Depois que o "grand juri" inocentou o policial branco Darren Wilson pela morte do jovem negro Michael Brown, que estava desarmado, e manifestações de protestos estouraram em todas as grandes cidades do país e ocuparam a mídia, o DOJ montou uma equipe de mais de 100 homens, incluindo ex-chefes de Departamentos de Polícias, para investigar denúncias de preconceito racial na Polícia de Ferguson, a fim de acalmar os ânimos.

Desde logo, os investigadores encontraram provas de preconceito racial em centenas de e-mails trocados entre policiais da cidade e entre policiais e funcionários graduados do Judiciário Municipal. A maioria deles, de piadas sobre negros. Quanto mais os investigadores aprofundavam a investigação, mais ela revelava os esquemas montados pelo tribunal da cidade para arrecadar mais dinheiro, a qualquer custo. E que a principal vítima era a população negra.

Por exemplo, a polícia e o tribunal trabalhavam juntos em um esquema de multas de trânsito duvidosas, para aumentar a receita do tribunal, que visava especialmente motoristas negros. Do total de motoristas parados pela polícia nas ruas de Ferguson no ano passado, 86% eram negros e 90% deles foram, efetivamente, multados. Do total de motoristas que foram presos, 92% eram negros. A população negra representa 67% da população da cidade. Porém, quase todos os policiais são brancos.

O relatório, de 102 páginas, também descreve ações do tribunal municipal para retardar o andamento dos processos, ao mesmo tempo em que criava novas exigências difíceis de serem cumpridas pelos réus e que, por isso, geravam mais multas e taxas. O relatório descreve vários casos. Em um deles, uma mulher negra foi multada em US$ 151 dólares por violação do código municipal de estacionamento. Três anos depois, ela já pagou US$ 550 dólares e ainda deve US$ 541 dólares ao tribunal.

Ao mesmo tempo, o juiz mandou arquivar processos de multas de trânsito contra amigos, colegas e ele mesmo. “Ele não ouve testemunhos, não examina relatórios ou antecedentes criminais dos acusados, e não deixa testemunhas pertinentes testemunhar antes de anunciar suas decisões”, afirma o relatório.

“O impacto que as preocupações com a receita exercem sobre as operações da corte mina seu papel como um corpo judicial justo e imparcial. Nossa investigação apurou provas substanciais de que os procedimentos do tribunal são constitucionalmente deficientes e visam impedir que uma pessoa consiga se defender das acusações, resultando em processos desnecessariamente prolongados e uma grande possibilidade de essa pessoa entrar em conflito com as exigências da corte”, diz o relatório.

“Ao mesmo tempo, a corte impõe penalidades rigorosas quando a pessoa não consegue cumprir as exigências, incluindo multas taxas adicionais e ordens de prisão, totalmente desnecessárias para garantir a segurança pública”, afirma o relatório.

O Departamento de Justiça descreve os procedimentos do tribunal como “abusivos e, provavelmente, ilegais”.

A nomeação do interventor no Judiciário de Ferguson, assinada pela presidente do Tribunal Superior de Missouri, ministra Mary Russel, apoiada por todos os ministros da corte, destina-se a “restaurar a integridade do sistema”. O juiz Ritcher “será capaz de implementar a reforma necessária”, ela escreveu. Para isso, ela montou uma equipe completa de servidores da Justiça Federal no estado para ajudar o interventor. 

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