Observatório Constitucional

Oposição fora da Mesa
é oposição fora do Senado

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7 de março de 2015, 8h00

Spacca
Nesse início de ano, a situação política tem dominado o noticiário nacional. As recentes eleições dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e os atos de gestão que têm sido praticados pelos eleitos evidenciam aspectos interessantes do sistema político brasileiro.

Após a escolha dos presidentes das casas pelos membros do Congresso Nacional, foi realizada a não menos importante eleição da composição da Mesa Diretora do Senado Federal, cujo âmbito de competência envolve questões administravas e legislativas da Casa. A formação da composição da Mesa gerou intensos debates entre oposição e base governista no Senado Federal, os quais não foram objeto de grande atenção dos juristas em geral.

De fato, no processo de eleição para os cargos da Mesa, a ausência de acordo entre as lideranças partidárias para a composição do órgão gerou a formação de chapa subscrita por líderes do PMDB, PT, PTB, PC do B, PR, PRB, PSC, PDT e PP, a qual concorreu a todas as posições na Mesa, independentemente dos imperativos atinentes à regra da proporcionalidade[1].

Embora a norma regimental determine que a ocupação das posições na Mesa deve observar o tamanho das bancadas, a chapa capitaneada pela base parlamentar de apoio ao governo lançou candidatos avulsos para todos os cargos, independentemente da destinação inicial da vaga. Assim, ainda que pelo tamanho das bancadas a quarta posição fosse, em tese, do PSDB, a chapa governista também lançou candidato avulso a esse cargo.

Com isso, a oposição foi excluída da Mesa Diretora do Senado Federal, mesmo após a apresentação de questão de ordem pelo senador Ronaldo Caiado (DEM-GO)[2], refutada sob o fundamento de que a proporcionalidade na composição da Mesa deve ser atendida dentro das possibilidades políticas de acordo entre as lideranças[3].

Esse evento, a par das questões políticas de fundo, suscita reflexões acerca do papel da oposição no sistema político brasileiro e, principalmente, sobre qual o desenho institucional que, em face do regime de presidencialismo de coalizão praticado no Brasil, potencializa as possibilidades de aprofundamento da democracia[4].

Os poderes da Mesa do Senado Federal, malgrado recorrentemente ignorados pela comunidade jurídica brasileira, são significativos e exercem influência importante no processo político. De fato, compete a esse órgão não só o gerenciamento de questões administrativas da Casa, mas também a participação no procedimento de elaboração das Leis.

O próprio Regimento Interno do Senado Federal (RISF) enumera diversas hipóteses nas quais as atribuições da Mesa exercem relevante influência sobre o resultado político efetivo. No que diz respeito à perda de mandato de Senadores, por exemplo, além de ser detentora de poderes para deflagrar os trâmites pertinentes[5], compete à própria Mesa declarar a perda de mandato quando houver decretação da Justiça Eleitoral ou ausências reiteradas do parlamentar[6].

Da mesma forma, nos processos disciplinares que tramitam perante o Conselho de Ética do Senado Federal, a Mesa Diretora é coparticipe ativa de todas as fases de expedientes que podem culminar até mesmo na cassação de mandato de parlamentares[7]. Além disso, cabe à Mesa apreciar recurso interposto contra decisão do Presidente do Senado Federal concernente à necessidade de tramitação conjunta de proposições análogas[8], o que influi decisivamente nos contornos do projeto e em sua relevância, pois o grau de precedência da matéria define se a proposição tramitará de forma apensa a outra ou não.

Por outro lado, compete à Mesa dispensar as fases da sessão correspondentes ao Período do Expediente ou à Ordem do Dia, alterando, assim, a própria ordem dos trabalhos do Senado Federal[9]. Igualmente, a Mesa pode propor a tramitação em regime de urgência de determinada matéria[10], o que “dispensa, durante toda a tramitação da matéria, interstícios, prazos e formalidades regimentais, salvo pareceres, quórum para deliberação e distribuição de cópias da proposição principal”[11].

Outra função importante desempenhada pela Mesa Diretora do Senado Federal é a elaboração da “redação final das proposições de iniciativa do Senado e das emendas e projetos da Câmara dos Deputados aprovados pelo Plenário, escoimando-os dos vícios de linguagem, das impropriedades de expressão, defeitos de técnica legislativa, cláusulas de justificação e palavras desnecessárias”[12].

Consequentemente, a Mesa Diretora desempenha papel central no processo político, interferindo na mais variada gama de temas, desde a ordem dos trabalhos do Senado Federal até os trâmites de perda de mandato parlamentar. Nesse sentido, a influência da Mesa direciona os rumos de toda a atividade parlamentar, com legitimidade significativa, muitas vezes equiparada pelo Regimento Interno à maioria dos senadores[13].

Portanto, mais do que interpretar no que consistem a proporcionalidade na composição da Mesa e as tecnicidades de normas regimentais, é necessário que se compreenda que os partidos de oposição estão fora do principal órgão decisório do Senado Federal. Os reflexos disso para o exercício da democracia no Brasil merecem análise cuidadosa.

Isso porque a oposição fora da Mesa Diretora equivale, em última instância, à oposição alijada de processos decisórios fundamentais do Senado Federal, seja em virtude da impossibilidade de participar das decisões coletivas da Mesa, seja em razão da incapacidade de influenciar, ainda que indiretamente, nos procedimentos que lá tramitam.

Esse problema se agrava quando se considera que o sistema político brasileiro se desenvolve nos moldes de presidencialismo comumente denominado de coalizão, no qual o Poder Executivo fortalecido atua como “Poder Legislativo de fato”, ou, quando menos, como elemento condicionador da atuação parlamentar. Como é sabido, o reforço nas competências do Presidente da República pela Constituição de 1988 desencadeou sistema político no qual o Congresso Nacional inevitavelmente se submete aos influxos de alinhamentos partidários advindos do proeminente Poder Executivo. A lição de Fernando Limongi é bastante clara a esse propósito:

A estrutura institucional adotada pelo texto constitucional de 1988 é diversa da que consta do texto de 1946. O presidente teve seu poder institucional reforçado. Para todos os efeitos, a Constituição confere ao presidente o monopólio sobre iniciativa legislativa. A alteração do status quo legal, nas áreas fundamentais, depende da iniciativa do Executivo. Entende-se assim que possa organizar seu apoio com base em coalizões montadas com critérios estritamente partidários. Para influenciar a política pública é preciso esta alinhado com o presidente. Assim, restam aos parlamentares, basicamente, duas alternativas: fazer parte da coalizão presidencial na legislatura em curso, ou cerrar fileiras com a oposição esperando chegar à Presidência no próximo termo.[14]

Sob esse ângulo, o fortalecimento do Poder Executivo franqueia o seu avanço sobre o Poder Legislativo, o qual, institucionalmente enfraquecido e fragmentado em inúmeros partidos políticos, muitos deles sem a correspondente representatividade política, permanece refém de iniciativas da Presidência da República e se vê obrigado a aderir à coalizão dominante ou aguardar eventual oportunidade de ocupar a chefia do Poder Executivo.

Nesse cenário fático, não é difícil vislumbrar que movimentos de oposição ao governo dentro do Parlamento acabam asfixiados pela atuação do Poder Executivo, cuja centralidade reprime o surgimento de vias alternativas capazes de contrabalançar seu poder normativo. Com isso, a recente exclusão da participação da oposição na Mesa Diretora do Senado Federal assume contornos perigosos, pois tira desses parlamentares as últimas ferramentas para a construção de projetos independentes dentro do Poder Legislativo, condenando a oposição à inanição enquanto aguarda as próximas eleições presidenciais.

Assim, o afastamento da oposição da Mesa Diretora não significa mera questão interna corporis ou de interpretação regimental. Pelo contrário, ampliar os mecanismos de integração da oposição aos debates parlamentares constitui condição inafastável para revigorar o Poder Legislativo e aprofundar as possibilidades democráticas do País.

Essa análise não ignora o fato de que o Presidente do Senado apresenta poderes desproporcionais no esquema de competências daquela Casa. Contudo, essa peculiaridade institucional brasileira não anula os efeitos gravosos que decorrem da exclusão da oposição da Mesa do Senado, que subsiste como o verdadeiro palco decisório do Poder Legislativo.

Dessa forma, é forçoso concluir que a oposição fora da Mesa do Senado Federal representa mais um fator de submissão do Congresso Nacional aos desígnios do Poder Executivo, fortalecido pelo desenho institucional criado pela Constituição de 1988.

Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).


[1] RISF – Art. 60. A eleição dos membros da Mesa será feita em escrutínio secreto, exigida maioria de votos, presente a maioria da composição do Senado e assegurada, tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias ou dos blocos parlamentares com atuação no Senado.
[2] A forma de composição da Mesa Diretora do Senado Federal para o biênio atual também é objeto de mandado de segurança impetrado pelo Senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) perante o Supremo Tribunal Federal, autuado sob o n.º 33.474 e distribuído à relatoria do Min. Luiz Fux.
[3] Ata da Reunião Preparatória do Senado Federal realizada em 4.2.2015.
[4] O conceito de democracia utilizado no artigo é minimalista, no sentido de que “democracias são regimes políticos nos quais os principais postos de governo são ocupados como resultado da disputa eleitoral aberta e regular” (LIMONGI, Fernando; PRZEWORSKI, Adam. Democracia e Desenvolvimento na América do Sul, 1946-1988. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 24, p. 31-48, 1994).
[5] RISF – Art. 32, §2º: Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional (Const., art. 55, § 2º).
[6] RISF – Art. 32, §3º: Nos casos dos incisos III a V, a perda do mandato será declarada pela Mesa, de ofício ou mediante provocação de qualquer Senador, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (Const., art. 55, § 3º).
[7] A título de exemplo, o art. 14 do Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal faculta apenas à Mesa e a partido político com representação no Congresso Nacional a representação contra Senador por fato sujeito à pena de perda de mandato. Senão vejamos: Art. 14. A representação contra Senador por fato sujeito à pena de perda do mandato ou à pena de perda temporária do exercício do mandato, aplicáveis pelo Plenário do Senado, na qual, se for o caso, sob pena de preclusão, deverá constar o rol de testemunhas, em número máximo de 5 (cinco), os documentos que a instruem e a especificação das demais provas que se pretende produzir, será oferecida diretamente ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar pela Mesa ou por partido político com representação no Congresso Nacional.
[8] RISF – Art. 48: […] § 1º Após a leitura da proposição, o Presidente verificará a existência de matéria análoga ou conexa em tramitação na Casa, hipótese em que determinará a tramitação conjunta dessas matérias. […] § 3º Da decisão do Presidente, prevista no § 1º, caberá recurso para a Mesa, no prazo de cinco dias úteis, contado da sua publicação.
[9] RISF – Art. 174. Em casos excepcionais, assim considerados pela Mesa, e nos sessenta dias que precederem as eleições gerais, poderão ser dispensadas, ouvidas as lideranças partidárias, as fases da sessão correspondentes ao Período do Expediente ou à Ordem do Dia.
[10] RISF – Art. 338. A urgência pode ser proposta: I – no caso do art. 336, I, pela Mesa, pela maioria dos membros do Senado ou líderes que representem esse número; […]
[11] RISF – Art. 337.
[12] RISF – Art. 98, inciso V.
[13] RISF – Art. 338. A urgência pode ser proposta: I – no caso do art. 336, I, pela Mesa, pela maioria dos membros do Senado ou líderes que representem esse número; […]
[14] LIMONGI, Fernando. Presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. In: Novos Estudos CEBRAP n. 76, novembro de 2006, p. 41.

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