Além do NCPC

Estrutura do sistema judicial necessita de revisão e ampliação

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5 de março de 2015, 6h31

Os 100 milhões de processos judiciais em andamento no Brasil é uma vitória da democracia. Fenômeno indicativo de acessibilidade política e participação social é, ao mesmo tempo, sintoma de problemas estruturais antigos, agravados nos últimos anos por avalanches de novas demandas decorrentes da modernidade e um enorme desafio a ser vencido.

O enfrentamento dessa massa de processos, sem exaurir o conjunto de providências necessárias, passa por  três urgências fundamentais: (1) refinar um bom método de trabalho — bons códigos de processos,  (2) aperfeiçoar a estrutura  formada pelos órgãos judiciais onde o método vai ser utilizado e (3) convencer os operadores do direito e jurisdicionados a mudarem comportamentos, colaborando com a melhoria e funcionalidade do sistema judicial.

O Congresso Nacional aprovou recentemente o novo Código de Processo Civil, extensa lei que regulará o andamento de prováveis 35 milhões de processos civis (excluídos criminais, trabalhistas, eleitorais e militares), um novo e aprimorado método de trabalho para boa parte do espetacular estoque. Apesar de algumas desconformidades pontuais, o novo CPC é um avanço. Reformas no Código de Processo Penal e CLT também estão em andamento.

O novo CPC, por mais que se reconheça o esforço legislativo, é apenas um importante método de trabalho para os advogados, servidores, juízes e tribunais da área cível. Como todo método de trabalho, o CPC (também o CPP e a CLT) está inserido em uma estrutura de justiças, instâncias, tribunais regionais, tribunais superiores e Supremo Tribunal Federal. Por mais que ative o andamento dos processos, não é solução final para o congestionamento e demora. 

Além do novo CPC (e reformas no CPP e CLT), é evidente a necessidade de revisão e ampliação da estrutura do sistema judicial nacional, de longe a urgência maior. A modernidade exige muito mais respostas e em menor tempo. Atrasos e indefinições nas instâncias superiores (tribunais superiores e Supremo) propagam-se exponencialmente nas inferiores e agravam a conflituosidade natural das relações sociais.

Em 1988, o Judiciário tinha por volta de 800 mil processos, atualmente 100 milhões. A acumulação decorre em muito da excessiva amplitude da Constituição (347 longos artigos), da competência exclusiva do Supremo para julgar definitivamente todas as questões reguladas na Constituição e do exagero de até quatro instâncias de julgamento (local, regional, superior e Supremo), recheadas com dezenas de recursos processuais.

Ministros do Supremo têm reclamado da invencível carga de trabalho. Estudiosos confirmam a desproporcional quantidade de processos encaminhados ao Supremo (composto por 11 ministros) e criticam a consequente demora na formação de precedentes jurisprudenciais definitivos. O sistema judicial está muito dependente do Supremo. A corte maior arrasta-se mantendo a vencida tríplice função: constitucional, recursal e instrutória, em muitos casos.

O Superior Tribunal de Justiça, terceira instância (especial) da justiça comum, continua com 33 ministros desde 1988. Apesar de ser corte nacional, não tem jurisdição completa, não define questões constitucionais, ficando dependendo do Supremo. O número de ministros é insuficiente para atender um país que cresceu, urbanizou-se e enfrenta uma explosão de processos. A comparação com outros países com estrutura judicial parecida confirma. A Corte Nacional de Cassação da Itália tem mais de 200 juízes, a da França, mais de 120, por exemplo.

A fórmula das quatro instâncias de julgamentos (local, regional ou estadual, superior e Supremo) aparenta ser mais democrática. Entretanto, a experiência demonstra que é exagerada para a esmagadora maioria das questões jurídicas, resultando acumulação de processos e demora. Não bastasse, é injusta com os mais pobres, pois permite aos que podem custear bons advogados procrastinar julgamentos quase indefinidamente.

A situação pede uma boa ampliação no número de componentes do STJ, com respectiva outorga de competência constitucional definitiva para questões jurídicas correntes, permitindo o fechamento de muito mais jurisprudência na terceira instância e em menor prazo. É urgente que o Judiciário lidere um aprimoramento na divisão de competências entre o Supremo e Tribunais Superiores, repartilhe poder e reduza instâncias de julgamento, para o bem do Brasil.

Por fim, mas não menos importante, é necessário mudança de atitude dos agentes, usuários e operadores do sistema judicial, buscando alinhamento espontâneo aos precedentes judiciais, implementando soluções extrajudiciais, mediação e conciliação, afastando encastelamentos fundados em quantidade de processos administrados, mistificações linguísticas e demora do julgamento.

Cabe ao Poder Público, maior contribuinte do espantoso estoque de processos, através de seus inúmeros entes federais, estaduais e municipais, dar o exemplo máximo de comportamento cooperativo de desjudicialização, induzindo grandes corporações privadas ao mesmo caminho, permitindo que o Judiciário atenda melhor ao cidadão comum, o mais carente de justiça. Tem muito a ser feito além do novo CPC.

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