Desavença na rede

Órgão Especial do TJ-RS vai julgar crítica de promotor a juiz feita no Facebook

Autor

29 de maio de 2015, 16h13

Peça acusatória que descreve fato típico, ilícito e culpável, com base em informações devidamente documentadas, não pode ser rejeitada no início da ação. Com este entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aceitou queixa-crime interposta pelo juiz Mauro Caum Gonçalves contra o promotor de Justiça Eugênio Paes Amorim, ambos atuantes na área criminal da Comarca de Porto Alegre. O agente do Ministério Público criticou o juiz pela soltura de um acusado de tráfico em sua página do Facebook.

O desembargador Newton Brasil de Leão, relator,  rejeitou a queixa-crime, por entender que o exercício funcional de membro do Ministério Público pressupõe o gozo de prerrogativas asseguradas pela Lei Federal 8.625/1993, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Dentre tais prerrogativas, insere-se aquela prevista no inciso V do artigo 41, que diz: ‘‘gozar de inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional’’.

No entanto, prevaleceu o voto divergente do desembargador Sylvio Baptista Neto. Ele entendeu que o recebimento de denúncia ou queixas prescinde de fundamentação, bastando que a peça contenha referências mais ou menos genéricas de lastro probatório. ‘‘Portanto, faço um exame mais superficial, menos detalhado que aquele que se faria, se estivéssemos julgando o caso em uma decisão final’’, complementou no acórdão, do qual foi o redator.

Para Baptista, a imunidade dos membros do Ministério Público está ligada aos atos funcionais. Qualquer ação fora dos limites, a seu ver, pode gerar ação de responsabilidade. No caso, o comentário foi feito numa rede social. Ou seja, num ambiente totalmente desvinculado das fontes de informações tradicionais, como revistas e jornais, que pautam suas publicações sob regras.

‘‘Não creio, volto a insistir, que o Código Penal e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, ao editarem os artigos mencionados supra, estavam, também, dando imunidade aos Promotores de Justiça e aos Procuradores de Justiça nas suas opiniões em redes sociais que pudessem macular a honra de outras pessoas’’, provocou no seu voto. O acórdão foi lavrado na sessão de 11 de maio.

O caso
O caso teve início em setembro de 2014, quando o juiz Mauro Caum Gonçalves, responsável pela 2ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre, proferiu sentença absolutória para colocar em liberdade um homem acusado de traficar drogas. Pego numa blitz da Polícia Rodoviária Federal, o réu acabou liberado porque os policiais apontaram que a droga estaria na posse de terceiro.

Em face deste desfecho, no dia seguinte, o promotor de Justiça Eugênio Paes Amorim, que atua junto ao 1º Tribunal do Júri de Porto Alegre, comentou o caso em sua página do Facebook. ‘‘O Juiz Mauro Caum Gonçalves – sempre ele – soltou o Júnior, o número 1 dos Balas-na-Cara, preso pela PRF com 20 quilos de cocaína. Júnior é reincidente. Cumpria pena de 9 anos por tráfico e responde a processos de homicídio. O que será que os amigos imaginam deve ser motivado tão estranha e generosa decisão?’’

Sentindo-se difamado e injuriado, Gonçalves ajuizou queixa-crime contra Amorim, dando-o como incurso nas sanções dos artigos 139 e 140, combinado com o artigo 141, inciso II — todos do Código Penal. O autor destacou que o promotor não tem qualquer vínculo como processo criticado ou com a sua jurisdição. Provavelmente, segundo apontou na inicial, o promotor guarde ‘‘alguma desavença pessoal ou profissional contra o libertado (que responde processo criminal junto à sua área de atuação, também sem prisão preventiva)’’.

A queixa-crime foi parar no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul porque este é o foro adequado para julgar ou admitir processos contra autoridades estaduais. Em geral, o Órgão Especial julga infrações penais comuns — inclusive as dolosas contra a vida e os crimes de responsabilidade — contra deputados, juízes, os membros do Ministério Público, o procurador-geral e os secretários de Estado, dentre outras de caráter penal e administrativo.

Clique aqui para ler o acórdão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!