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Perda de mandato por infidelidade não vale para cargos majoritários, diz STF

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27 de maio de 2015, 17h39

A perda de mandato por desfiliação partidária não se aplica aos eleitos pelo sistema majoritário, como os senadores e chefes do Executivo. A regra vale apenas para quem ocupa cargos proporcionais, como é o caso dos deputados. Foi o que decidiu nesta quarta-feira (27/5) o Plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a resolução do Tribunal Superior Eleitoral que trata da perda de mandato por desfiliação partidária.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Barroso apontou que retirar cargo majoritário violaria a soberania popular.

O Pleno seguiu à unanimidade o voto do ministro Luis Roberto Barroso, relator. Ficou fixada a seguinte tese: “O sistema majoritário tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular”.

Para Barroso, o princípio da perda de mandato por infidelidade partidária para casos de cargos proporcionais “significa o corolário da vontade popular”. Mas nos casos de cargos majoritários, a fidelidade partidária é, na verdade, uma violação à soberania do voto popular, segundo Barroso.

De acordo com o relator, como o Brasil adota o modelo do quociente eleitoral, a interpretação mais de acordo com a Constituição é que o mandato pertence ao partido, e não ao candidato — o que inclusive já foi decidido pelo Supremo em duas ações de controle de constitucionalidade.

No caso das eleições para a Câmara dos Deputados, o quociente eleitoral é o resultado da divisão do número de votos de um estado pelo número de cadeiras a que aquele estado tem direito na Câmara. Para ser eleito, um partido, ou coligação, precisa atingir o número de votos igual ao do quociente. Os votos são distribuídos entre os mais votados da coligação, e por isso candidatos que recebem muitos votos, como o deputado federal Tiririca, levam com eles outros três ou quatro que não atingiram a quantidade mínima de votos.

Entretanto, no caso de cargos majoritários, é eleito quem tem mais votos. É o caso das eleições para chefes do Executivo e para o Senado. “Um exemplo simples ajuda a entender”, votou Barroso: “Imaginem um senador que foi eleito com mais de um milhão de votos. Ele decide mudar de partido e perde o cargo. O mandato passa para o suplente, que não recebeu nenhum voto e, muitas vezes, nem é conhecido de seu eleitor”.

Para Barroso, a situação “não faz sentido”, do ponto de vista da soberania do voto popular. O voto do ministro foi bastante elogiado pelos colegas dele. O ministro Marco Aurélio, acostumado a ser o voto vencido e por criticar a unanimidade, fez questão de pedir a palavra: “Adianto que vou acompanhar o voto do relator, ao qual elogio, e aproveito para sinalizar que, como o entendimento já tem maioria, a presidente já pode mudar de partido”.

O ministro Teori Zavascki lembrou que, se a fidelidade partidária não é um princípio constitucional, é no mínimo “uma recomendação da Constituição”.

Caso Marta
O ministro Dias Toffoli, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, lembrou da importância do pronunciamento do Supremo na ação julgada nesta quarta. Ele lembrou que, na terça-feira (26/5), o PT protocolou um pedido para que o mandato da senadora Marta Suplicy seja transferido para o segundo suplente.

Nelson Jr./SCO/STF
Toffoli criticou tentativa do PT de passar cargo de Marta ao segundo suplente.

“Veja a ginástica que propõe o Partido dos Trabalhadores”,  comentou Toffoli. O pedido é que, como o primeiro suplente, de outro partido, foi nomeado ministro das Cidades, o cargo deveria ser transferido para o segundo suplente, que é do PT. “E o que acontece se o primeiro suplente deixa o Ministério?”, perguntou Toffoli ao dizer que “outra não poderia ser a solução, independentemente dos argumentos jurídicos do denso voto do ministro Barroso”.

Marta Suplicy é o que se chama de leading case para o PT. Ligada à ala lulista do partido e uma das puxadoras do movimento “volta Lula”, ela, enquanto senadora, se desfiliou do partido. E o PT queria, portanto, que ela “devolvesse” o mandato, já que foi eleita como filiada ao partido do governo.

Pelo que decidiu o Supremo nesta quarta, Marta não terá de devolver o mandato. Como lembrou o ministro Marco Aurélio, “este julgamento é uma avant première do caso caso que está submetido ao TSE envolvendo o PT e a hoje senadora Marta Suplicy, que a esta altura deve estar de alma lavada”.

Trânsfuga
O ministro Celso de Mello foi às razões históricas. Ele lembrou de Bernardo Pereira de Vasconcellos, que foi deputado da Câmara Legislativa do Império e é um dos autores do Código Penal do Império, de 1830.

Quando parlamentar, Vasconcellos era do Partido Liberal, considerado de oposição à Monarquia. Em 1837, se licenciou da Câmara para se tornar ministro do Império e foi um dos fundadores do Partido Conservador. Era a agremiação que defendia a chamada Monarquia Constitucional, com os poderes do imperador definidos pela Constituição.

Como fosse criticado pelos companheiros liberais, fez um discurso histórico, já em 1837. “Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre agora risco pela desorganização e pela anarquia.”

O ministro Celso de Mello ressaltou que Bernardo de Vasconcellos não pode ser considerado um “trânsfuga”, como acontecem com os que mudam de partido por questões circunstanciais.

ADI 5.081

Clique aqui para ler o voto do ministro Luis Roberto Barroso.

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