Justça Tributária

O Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte existe, só falta o respeito

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

25 de maio de 2015, 14h08

Spacca
Estamos celebrando nesta segunda-feira (25/5) o Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte, instituído pela Lei 12.325 de 15 de setembro de 2010.

No seu artigo 1º, a lei afirma que se trata de uma data de conscientização cívica a ser celebrada anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte.

No artigo seguinte, fica estabelecido que os órgãos púbicos responsáveis pela fiscalização e pela arrecadação de tributos e contribuições promoverão, em todas as cidades onde possuírem sede, campanhas de conscientização e esclarecimento sobre os direitos e os deveres dos contribuintes. No parágrafo único,  que os servidores de tais órgãos participarão ativamente das atividades de celebração do Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte.

Os cidadãos devem acreditar que as leis do país são feitas para o bem da sociedade. Destinam-se a dar cumprimento as normas constitucionais que, de forma bem resumida, vemos no preâmbulo da Carta Magna:

…para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,  o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias…

Assim, qualquer lei tem a necessidade de gerar os instrumentos legais que a tornem viável. No caso citado, o instrumento óbvio é a criação de um Código de Defesa do Contribuinte. Nesse sentido está na Câmara o Projeto de Lei 2557/2011, desarquivado neste ano e que na Comissão de Finanças e Tributação tem como relator o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), designado no dia 13 deste mês.

A criação dessa data em nada alterou o tratamento que se dá ao contribuinte brasileiro. Fala-se em respeito, mas as poucas mudanças havidas se limitaram a fatos sem importância, como a colocação de mais cadeiras nos locais onde as pessoas esperam atendimento.

A maior demonstração de falta de respeito é a não correção da tabela de retenção do imposto de renda na fonte, com o que se viabiliza que trabalhadores de renda pouco expressiva sofram injusta tributação e quando possuem restituição são obrigados a esperar o retorno do que lhe foi retirado sem a rapidez com que o tributo é arrecadado.

Ainda no campo das pessoas físicas deve ser registrada a falta de respeito na fixação dos valores admitidos como abatimentos relativos a dependentes e educação. Tais valores não são suficientes para a cobertura correta dos custos de tais dispêndios. Não há dependente que consiga sobreviver com o valor da dedução admitida, como também não existe escola que se possa encontrar com o preço de mensalidade permitido pelo fisco. Isso não é Justiça Tributária e representa evidente falta de respeito para com o contribuinte.

Com relação às pessoas jurídicas a falta de respeito faz parte da rotina nas relações entre fisco e contribuinte. Isso se verifica mesmo nas pequenas coisas. Por exemplo: quando o fiscal do ISS vai fiscalizar uma empresa e entrega notificação para obrigar o sujeito passivo a levar livros e documentos para a repartição e assim transforma aquele que paga impostos em empregado do servidor mantido com o imposto arrecadado.

Outro exemplo de falta de respeito é a mudança constante de obrigações acessórias, inclusive troca de programas de computadores, a gerar custos desnecessários para o contribuinte. Se o fisco é o interessado, deveria ele arcar com o ônus.

Falta de respeito, também, é criar múltiplos controles, que obrigam  o cidadão/contribuinte a infindáveis peregrinações perante diversos órgãos, agências, secretarias, institutos, estatais,  cartórios etc , tudo para pagar taxas, custas, emolumentos, tarifas e encargos, a alimentar essa máquina diabólica que a todos nos escraviza.

Recentemente um cidadão foi ao Registro Civil obter certidão de inteiro teor de sua certidão de nascimento. Depois de apresentar seu RG, comprovante de endereço e pagar as taxas todas, foi obrigado a preencher e assinar um requerimento. Feito isso tudo, foi encaminhado ao pavimento inferior, para reconhecer sua firma, na presença do cartorário! Talvez este estivesse preocupado com a possibilidade do cidadão falsificar sua própria assinatura! Ou foi movido apenas pelo tilintar das moedas a mais que caíram na sua gaveta! Essa coisa ridícula não ocorreu no interior de uma pobre cidade de um longínquo estado, mas em São Paulo, numa florida avenida de um bairro apelidado de nobre!

Quando a lei fala que os servidores de tais órgãos participarão ativamente das atividades de celebração do Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte, ficamos com várias dúvidas. Primeira: que atividades são essas? Seremos hoje recebidos com flores nas repartições e convidados a um cafezinho ou quem sabe um chá com torradas? Aquele fiscal que é um excelente músico nas horas vagas levará seu instrumento para nos brindar com seu talento?

Por outro lado, acreditamos que a lei, ao falar em campanhas de conscientização e esclarecimento sobre os direitos e os deveres dos contribuintes pode fazer com que os servidores públicos possam dar um enfoque especial nos nossos direitos, já que são muito eficientes na exigência de nossos deveres. Nessa direção, seria recomendável que todos seguissem as normas do Decreto 1.171, que instituiu o Código de Ética do Servidor Público Federal.  Um dos seus itens diz quase tudo:

IX – A cortesia, a boa vontade, o cuidado e o tempo dedicados ao serviço público caracterizam o esforço pela disciplina. Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral. Da mesma forma, causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por descuido ou má vontade, não constitui apenas uma ofensa ao equipamento e às instalações ou ao Estado, mas a todos os homens de boa vontade que dedicaram sua inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los.

As relações entre fisco e contribuinte devem ser harmoniosas e conduzidas por normas éticas que ambas as partes respeitem. A instituição do Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte deve servir para que isso se aperfeiçoe e devemos insistir para que o Congresso faça seu trabalho, aprovando o Código de Defesa do Contribuinte. Talvez chegue o dia em que possamos celebrar a data.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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