Manifesto Antiformalista

Juiz redige decisão em linguagem coloquial para combater "juridiquês"

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25 de maio de 2015, 17h11

O juiz convocado da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) João Batista de Matos Danda resolveu usar um caso em que era relator para mostrar como uma decisão redigida em linguagem mais simples pode aproximar o Judiciário da população.

No processo, o pedreiro Lucas Alberto Rodrigues de Oliveira pedia vínculo de emprego e indenização por danos morais após sofrer acidente em uma obra particular, de propriedade de Itamar Carboni. Ele não conseguiu a declaração de vínculo, mas a indenização e uma pensão mensal, sim.

Para contar o ocorrido de forma mais compreensível, Danda disse que “três meses depois de iniciada a obra, o pedreiro caiu da sacada, um pouco por falta de sorte, outro pouco por falta de cuidado, porque ele não tinha e não usava equipamento de proteção. Ele, Itamar, ficou com pena e acabou pagando até o serviço que o operário ainda não tinha terminado”.

O juiz explicou o processo de revisão da sentença que negara o pedido do pedreiro da seguinte forma: “Para julgar de novo, vou ler as declarações de todos mais uma vez e olhar os documentos. Pode ser que me convença do contrário. Mas pode ser que não”.

Ao fundamentar seu entendimento de que não havia vínculo empregatício na situação, Danda declarou que “está claro que Itamar é dono de um comércio e fez a sua casa, no andar de cima, sem contratar construtora, empreitando vários serviços conforme precisava e o dinheiro permitia. Lucas trabalhou lá, por alguns meses, mas acertavam preço pelos serviços, com pagamentos por semana. Não  prometeram  assinar a carteira e, pela forma como foi feito o trabalho, nem deveria. Em resumo, se Lucas não foi empregado de seu Itamar, não tem que receber os direitos do empregado”.  

Mas a ausência de registro formal não impede que o trabalhador receba indenização por danos morais. Essa reparação, segundo o juiz, “serve para amenizar um pouco o sofrimento de Lucas, mas também serve para Itamar lembrar que tem obrigação de cuidar da segurança daqueles que trabalham na sua casa, mesmo quando não são empregados”.

Só que ele ressaltou que, para o contratante da obra, o valor a ser pago “não pode ser tão pesado que vire um inferno para seu Itamar pagar; nem muito pouco, porque aí ele paga sem problemas e não se importa se amanhã ou depois outro acidente acontece em sua casa”.

Por outro lado, Danda também esclareceu que o pedreiro “não pode pretender ficar rico com a tragédia; mas também o dinheiro tem que fazer alguma diferença na sua vida”. Pesando essas duas visões, ele fixou a indenização em R$ 7 mil.

Já quanto ao dano patrimonial, o juiz destacou que “esta indenização compensa pela capacidade de trabalho que Lucas perdeu e é certo que ficou com limitações de movimentos para exercer o seu ofício ou outros do tipo”.

Além disso, ele detalhou a forma de calcular essas limitações físicas: “Tem uma tabela que ajuda o perito médico a fixar, em números, o tamanho desse prejuízo. Aqui, ele disse que a coluna de Lucas, na altura do peito (tórax) está bem comprometida; e que na altura da cintura, a coluna também tem lesão, mas não é tão grave. Somando tudo, o perito chegou à conclusão que o trabalhador teve uma redução das funções de 31,25%”.

Em uma conta rápida, o juiz demonstrou que, como o valor mensal que Lucas recebia pelas obras era de R$ 1,8 mil, uma pensão de 31,25% sobre este valor corresponderia a R$ 562,50. Contudo, como entendeu que a culpa do contratante e do pedreiro eram iguais pelo acidente, Danda afirmou que esse valor deveria ser reduzido pela metade. Dessa maneira, decidiu por condenar o dono da obra a pagar uma pensão mensal e vitalícia ao trabalhador de R$ 281,25 por mês.

Combate ao “juridiquês”
O texto, construído de forma coloquial e com termos jurídicos expostos em linguagem mais corriqueira, foi elaborado, segundo o relator, com o objetivo de despertar a atenção para o chamado "juridiquês", ou seja, jargões utilizados no meio jurídico e que nem sempre são bem compreendidos pela população em geral.

"Foi apenas uma forma de refletir sobre a possibilidade de simplificarmos alguns termos técnicos. Na verdade, escrever assim, de forma tão simples, é até mais difícil", observou. "Mas é possível simplificarmos um pouco a linguagem, talvez não no nível deste acórdão, e acho que deveríamos seguir por esta direção", avaliou.

De acordo com Danda, o uso coloquial, neste caso, foi excessivo justamente para realçar a possibilidade de simplificação de "brocardos" muitas vezes só compreendidos por advogados, juízes e demais operadores do Direito. "Não precisamos chegar a este ponto. Mas substituir expressões em latim ou escrevermos termos técnicos de forma mais clara é possível", destacou o juiz convocado. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-4.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.

Processo 0000869-29.2013.5.04.0241

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