Passado a Limpo

Em 1921, Brasil discutia imposto de consumo sobre lança-perfume

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

21 de maio de 2015, 8h44

Spacca
Arnaldo Godoy [Spacca]Em julho de 1921 o Consultor-Geral da República opinou a propósito da incidência de imposto de consumo sobre os lança-perfumes. Isto é, discutia-se se a base de cálculo era o peso bruto ou o peso líquido. Como se observa, problemas relativos à nocividade do produto não foram tratados, o que confirma a historicidade da experiência jurídica. A nocividade do produto, o que hoje parece o tema central da discussão, não fora levada em conta. Convive-se, assim, com herança cultural maldita, pela qual nossa tradição normativa não conseguiu cortar, na origem, e na raiz, o dramático problema dos entorpecentes, que tanto nos aflige e em face do qual devemos nos comportar com vigilância absoluta. Segue o parecer:

Gabinete do Consultor-Geral da República — Rio de Janeiro, 19 de julho de 1921.

Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda —

Com o Ofício nº 128, de 11 de julho corrente, transmitiu-me Vossa Excelência, para dar parecer, o processo decorrente dos requerimentos da Empresa Comércio e Indústria, relativos ao pagamento do imposto de consumo sobre lança-perfumes.

É o caso que, sem que qualquer disposição legislativa o autorizasse, o Decreto nº 14.648, de 26 de janeiro do corrente ano, dando novo regulamento ao imposto de consumo, alterou a incidência desse imposto sobre lança-perfumes para mandar que o pagasse sobre o peso bruto e não sobre o peso líquido, como sempre se cobrou, desde que essa mercadoria foi sujeita ao imposto pela Lei nº 2.919, de 31 de dezembro de 1914.

É certo que os diversos regulamentos dados para cobrança desse imposto não especificavam como a taxação devia ser feita; o fato, porém, é que sempre, uniformemente, se cobrou sobre o peso líquido da mercadoria taxada; e assim parece que devia ser desde que o imposto foi criado, não sobre bisnaga, mas sobre o líquido que a bisnaga contém, à razão de $0,50 por 30 gramas ou fração quando, sobre a mesma rubrica, as demais perfumarias taxadas pagam por unidade (Lei nº 2.919, de 1914, art. 1º nº 15).

E ocorrendo que na hipótese o peso bruto, incluindo o peso do invólucro de vidro, é muito pesado e algumas vezes mais pesado que o próprio líquido, a consequência é que o novo regulamento aumentou consideravelmente o imposto.

E, desde que, como se disse a princípio, não houve disposição legislativa autorizando a modificação dos regulamentos anteriores, parece-me evidente que a modificação introduzida pelo novo regulamento no modo de taxar o lança-perfume não deve subsistir.

É este, Senhor Ministro, meu parecer.

Devolvo os papéis e tenho a honra de reiterar a Vossa Excelência meus protestos de elevada estima e distinta consideração.

Rodrigo Octavio

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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