Julgamento compartilhado

Juízes americanos têm o hábito de consultar colegas para tomar decisões

Autor

21 de maio de 2015, 7h16

Em um recente julgamento em Manhattan (Nova York) a juíza Katherine Forrest decidiu contra a Promotoria em uma disputa com a defesa sobre a admissibilidade de um documento nos autos. Mas, depois de uma pausa no julgamento, ela voltou e anunciou que havia mudado de ideia. “Falei com três colegas”, ela explicou. A defesa protestou em vão. A voz de outros juízes têm mais peso. E eles a convenceram de que devia aceitar o tal documento.

A juíza se justificou: “Era importante que eu tomasse a decisão certa. Por isso, recorri aos conhecimentos e à experiência de meus colegas”, ela disse ao jornal The New York Times. “Quando você está pressionado pelo tempo e tem de lidar com assuntos complexos, os colegas com expertise no assunto podem dar uma grande ajuda”.

O jornal entrevistou dezenas de juízes federais em Nova York e eles confirmaram que esse é um hábito antigo entre juízes. O juiz Pierre Leval disse que, quando se tornou juiz federal há 16 anos, perguntou a um colega o que fazer em momentos de incerteza. Em resposta, o colega escreveu o número do ramal telefônico do juiz Edward Weinfeld, que era uma lenda jurídica no tribunal. “Em caso de dúvida, disque esse número. Todos nós fazemos isso”, ele explicou.

Ligar para “lendas jurídicas” em caso de dúvida é uma opção. A outra é telefonar para colegas especialistas. Por exemplo, o juiz John Keenan recebe telefonemas de colegas, pedindo ajuda em julgamentos de crimes do colarinho branco e outros casos criminais. Os juízes Lewis Kaplan e Kevin Duffy são consultados em casos de terrorismo; William Conner, em casos de patente; Charles Haight, em casos de Direito Marítimo; Kimba Wood, em lei antitruste; P. Kevin Castel, em Direito Comercial.

Fora dos autos
“Por que um juiz não deve se aproveitar da expertise de um colega?”, perguntou, para se justificar, o juiz Richard Sullivan. Uma resposta de advogados consultados pelo jornal: por que a opinião dos colegas do juiz não faz parte dos autos. Um juiz tem de decidir com base no que consta dos autos e isso não é do conhecimento de seus colegas.

“É frustrante apresentar argumentos, fatos e provas a um juiz encarregado de decidir um julgamento e saber que a decisão foi tomada com base na opinião de seus colegas”, disse ao jornal o advogado Joshua Dratel, encarregado da defesa no caso em que a juíza Katherine Forrest mudou de ideia sobre sua decisão, depois de falar com colegas. “Posso até entender o desejo do juiz de consultar seus colegas, mas esse tribunal não é um tribunal de recursos, em que um painel de juízes decide um caso”.

Em tribunais superiores, onde os juízes tipicamente decidem em grupo, a colaboração é a regra, escreveu o jornal. “No entanto, nos tribunais de primeiro grau, o juiz deve ser ver como um ator solitário, o capitão de sua sala de julgamento, cuja decisão só é discutível nos tribunais superiores. Assim, um juiz telefonar para colegas, pedindo ajuda para decidir um caso, não me parece correto”, disse o advogado.

De qualquer forma, a revelação de que esse é um hábito comum entre os juízes de primeiro grau levantou a polêmica. No entanto, essa prática de telefonar para juízes do mesmo tribunal para discutir um caso não é proibida pelas “regras de conduta judicial”, disse ao jornal um professor de ética jurídica. “O que um juiz não pode fazer é abdicar de sua responsabilidade de julgar o caso”, argumentou o juiz Charles Haight.

Dos juízes entrevistados pelo jornal, um fugiu a regra. O juiz Paul Gardephe dispensa essa estratégia por razões práticas. Ele disse que, quando assumiu o cargo, um colega lhe disse: “Se você tiver um caso com uma questão jurídica complicada e apresentá-la a três juízes diferentes, irá provavelmente obter três sugestões diferentes”. Para ele, isso sempre fez muito sentido.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!