Representação mais próxima

"Voto distrital é única questão relevante
da reforma política", afirma pesquisador

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18 de maio de 2015, 9h01

Tema recorrente no debate público, a crise de representatividade entre classe política e sociedade pode ser resolvida com a adoção do voto distrital. A avaliação é de Luiz Felipe d’Avila, cientista político e presidente do Centro de Liderança Pública, em entrevista ao podcast Rio Bravo. A questão ganhou fôlego extra com a aprovação de um projeto do senador José Serra (PSDB-SP) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A intenção é adotar o voto distrital nas cidades acima de 200 mil eleitores já nas eleições de 2016.

O pesquisador aponta duas vantagens no voto distrital: redução dos custos de campanha e aproximação dos candidatos a suas comunidades. “Essa proximidade do eleitor com seu representante é algo fundamental para reconectar os representantes com os cidadãos”, disse. D’Avila também aponta os problemas do atual sistema, que permite a eleição de candidatos que não tiveram votos suficientes para isso e só conseguiram uma vaga por conta da coligação. Para ele, são esses políticos que temem a mudança. Ele ainda afirma que as questões da reeleição e do financiamento de campanha têm importância secundária diante da necessidade da adoção do voto distrital.

Leia a entrevista:

O voto distrital tem potencial de aprimorar as instituições democráticas da maneira com as conhecemos hoje? 
Luiz Felipe d’Avila — Nós precisamos analisar o voto distrital em relação ao atual sistema eleitoral. Por que nós temos que mudar o atual sistema eleitoral? O atual sistema eleitoral é muito perverso em termos de representatividade. Hoje é possível uma pessoa ter 100 mil votos e não se eleger e outra pessoa ter apenas 10 mil ou 5 mil votos e se eleger. O voto vai para o deputado e para o partido, automaticamente. Então, você acha que está votando em uma pessoa, mas, de fato, está ajudando não só a eleger essa pessoa que você escolheu como candidato como também as outras pessoas da coligação partidária. Vou dar um exemplo. O Tiririca, o famoso deputado, teve 1 milhão de votos e precisou de 300 mil votos para se eleger. Daí, um deputado que teve 10 mil votos, ou 15 mil votos, acaba se elegendo porque usa esse cheque especial, o restante dos votos dele. Outro candidato, que teve 100 mil votos, participando de uma coligação que não tem um puxador de voto como o Tiririca, pode ficar de fora porque não teve esses votos excedentes.

Nesse caso, ele não necessariamente precisa estar em uma coligação mais frágil, do ponto de vista partidário? 
Luiz Felipe d’Avila — Não. Geralmente os penalizados são os candidatos dos grandes partidos. Se você estiver no PMDB ou no PSDB, e teve 100 mil ou 90 mil votos, provavelmente você fica de fora. Agora em um partido pequeno, por causa da proporcionalidade e da coligação, esse voto do Tiririca acaba beneficiando outras pessoas. Existem coisas nessa distorção da proporcionalidade inacreditáveis. Há uma cidadezinha no interior de Santa Catarina chamada Rio dos Cedros, que uma vereadora se elegeu com zero voto. Nem ela votou nela mesma. Mas ela fazia parte de uma coligação, do PPS com o PMDB, e entrou na cota de mulheres obrigatória por por lei. A vereadora que foi eleita acabou pedindo licença por alguma razão e ela, como suplente, acabou assumindo uma cadeira com nenhum voto. É um disparate que tem que acabar. Não só essa distorção vai contra a vontade do eleitor, que não sabe disso, como também contribui para os elevadíssimos de campanha política hoje. O vereador tem que percorrer a cidade inteira atrás de voto, o candidato a federal e estadual tem que percorrer o estado inteiro atrás de voto. A magnitude do tamanho do distrito encarece demais a eleição.

De que maneira o voto distrital corrige isso?
Luiz Felipe d’Avila —
Primeiro, você vai votar em uma candidato do seu distrito (o estado ou a cidade, no caso do projeto do senador José Serra para cidades com mais de 200 mil eleitores). O exemplo prático seria a cidade de São Paulo. Ela seria dividida em 55 distritos eleitorais, que correspondem às 55 cadeiras na Câmara Municipal, e o candidato só vai poder disputar eleição em um único distrito. Portanto, só isso já faz com que o custo da campanha reduza significativamente. Segunda vantagem é que o eleitor sabe exatamente quem é o seu candidato, portanto aumenta a capacidade de cobrança e fiscalização. Essa proximidade do eleitor com seu representante é algo fundamental para reconectar os representantes com os cidadãos. Acho que uma das principais bandeiras das manifestações de rua é, justamente, as pessoas não se sentirem representadas. O voto distrital propõe a reaproximação do eleitor com seu representante.

Mas nesse caso também não seria possível estabelecer puxadores de voto dentro desses distritos?
Luiz Felipe d’Avila —
Não, porque só vence o candidato que teve o maior número de votos. O restante dos votos não vai ajudar a eleger outros. O voto distrital adota a regra majoritária que é a mesma pela qual nós elegemos os governadores, senadores, prefeitos e presidente da República. Vamos ter uma eleição direta para deputado ou vereador.

Em relação aos custos de campanha, os valores investidos pelos partidos nesses candidatos dos distritos também não seriam igualmente altos para tentar arrebanhar mais comunidades ou localidades em favor da sua própria agremiação?
Luiz Felipe d’Avila —
O efeito é justamente o contrário. Na última eleição em São Paulo, nós tivemos quase 2 mil candidatos para 70 vagas. Agora, se nós dividirmos o estado de São Paulo em 70 distritos (quantidade de cadeiras para o estado na Câmara dos Deputados), vamos ter um candidato por partido. Isso vai reduzir significativamente o número de candidatos. E por que tem essa profusão de candidatos no sistema proporcional? Porque como cada voto vale para o partido, há incentivo para as pessoas se candidatarem. Quanto maior o número de candidatos o partido tiver, maior o número de votos que o partido terá. Portanto, maior a conta do cheque especial para ajudar a eleger outras pessoas na coligação.

Primeira etapa seria em relação aos distritos nas cidades com mais de 200 mil eleitores. Como a gente chegaria a essa lista de candidatos?
Luiz Felipe d’Avila —
Os partidos terão de escolher essa lista por distrito. É interessante porque o partido vai ter que escolher alguém que seja bom de voto naquela região, porque se não tiver é melhor nem lançar candidato naquele distrito porque vai gastar dinheiro e vai perder tempo. Vai ser o inverso de hoje, em que o diretório do partido escolhe os candidatos. Uma pessoa que traz dinheiro e tem prestígio acaba entrando na lista. Agora, se não tiver voto localmente, provavelmente o partido vai escolher um outro candidato que tenha certa popularidade naquele distrito. A escolha dos candidatos será uma coisa muito mais criteriosa e muito mais embasada no prestígio e reputação dos candidatos nos determinados distritos.

E essa reputação e prestígio tem a ver muito mais com o conhecimento de causa que esses eventuais candidatos tiverem das suas respectivas regiões ou distritos? 
Luiz Felipe d’Avila — Exatamente. Uma crítica que se faz ao voto distrital às vezes é que isso vai municipalizar os grandes debates. As pessoas só vão querer discutir as coisas dos seus distritos. Isso não é verdade. Primeiro que isso não ocorre em nenhum país do mundo onde há voto distrital. Não existe uma municipalização no debate nacional no parlamento inglês ou no congresso americano. A segunda coisa é  que acontece o contrário. O candidato vai ter de tratar dos temas locais. E é por isso que a representação existe, como também dos temas nacionais. Por exemplo: se você é o candidato do meu distrito, é lógico que vou querer que você entenda as questões peculiares do meu distrito (coleta de lixo, falta d’água), mas também como você vai se posicionar na discussão do plano diretor da cidade, que afeta minha vida. É óbvio que meu candidato a vereador precisa pensar nas coisas do bairro, mas eu vou estar olhando para ele como um representante dos interesses da cidade também. Essa avaliação mais criteriosa fica muito mais fácil quando eu sei exatamente quem é o meu representante.

Esse tipo de relacionamento que vai se estabelecer não pode também ser visto como algo próximo de uma espécie de clientelismo político? Porque, afinal de contas, os eleitores vão ter uma conexão mais direta e vão demandar mais desses seus candidatos. 
Luiz Felipe d’Avila — Primeiro a gente tem que entender que o distrito é grande. Em São Paulo, por exemplo, os distritos a vereador seriam mais ou menos de 160 mil eleitores. Não é um distrito pequeno. Não é o bairro. E hoje, a política mais clientelista é a do voto proporcional. Veja só o que os deputados fazem hoje. Como a eleição é cara e ele tem que percorrer o estado inteiro, como ele usa o clientelismo dele? Distribuindo as emendas parlamentares para vários prefeitos, que é a forma dele retribuir ou conquistar o apoio e a fidelidade para sua candidatura. Hoje, a Câmara é altamente municipalista, porque todas as emendas quase aprovadas são exatamente para projetos de pequeno porte, local, com interesse unicamente eleitoreiro para manter essa rede de apoio dos prefeitos. No momento que eu sei exatamente qual é o meu distrito, não adianta eu ter R$ 8 milhões de reais de emenda. Todas as emendas são para aumentar gasto público, porque ele tem que manter essa clientela gigantesca de prefeitos ao seu redor. Se você for a Brasília, você verá que prefeitos de pequenas cidades passam a maior parte do tempo caçando emenda nos gabinetes dos deputados para obter recurso. A municipalização da discussão no plano federal ocorre justamente por voto proporcional.

Existem modelos que são pensados de maneira alternativa, como voto distrital misto, que não está previsto no projeto de lei do senador José Serra, mas também vem sendo discutido. Essa medida pode ser encarada como alternativa? 
Luiz Felipe d’Avila — O projeto do senador Serra tem uma enorme virtude. Primeiro vamos testar o voto distrital em um grupo de cidades com mais de 200 mil eleitores. Nós temos 30% do eleitorado brasileiro nessas grandes cidades. É uma boa amostragem para testar o voto distrital. Se funcionar, vamos expandi-lo nacionalmente. Vamos testar o modelo puro, porque se testarmos já o modelo híbrido não sabemos se ele corrigirá ou não as distorções do atual sistema. Se começar a funcionar em 2016, em 2017 já vamos ter uma radiografia muito precisa do que aconteceu nessas cidades: como ficou a composição da Câmara, realmente houve um expurgo muito grande de partidos, se a discussão tornou-se muito municipalista ou muito localizada. E aí, acho que a gente tem que pensar como ir corrigindo isso.

E o vice-presidente Michel Temer defende outro modelo ainda, que seria o distritão. O que vem a ser esse modelo defendido por ele?
Luiz Felipe d’Avila —
É bom a gente fazer essa diferença do puro, do misto e do distritão. No distrital puro, o estado ou a cidade é dividida em distritos pequenos que elegem apenas o candidato que recebeu o maior número de votos. No sistema misto há dois votos, no candidato do seu distrito e um na legenda partidária. No voto majoritário distritão, como é o caso da proposta do PMDB, os 70 candidatos que obtiveram o maior número de votos no estado inteiro são eleitos. O problema desse sistema é que ele acaba beneficiando grandes partidos, candidatos mais populistas e candidatos que tem muito dinheiro. Eu vejo o distritão como o pior dos modelos atuais. Eu acho que o melhor modelo é o distrital puro, o segundo melhor modelo é o voto distrital misto. Mesmo no misto nós vamos ter que discutir qual o percentual do parlamento que será eleito pela lista. Por exemplo: há partidos que querem limitar o voto em lista a 30% dos votos. Há outros que querem defender os 50% e o PT até aceita o voto distrital misto se for 70% o voto da legenda. Como no parlamento há muitos candidatos que não conseguem se eleger sem o cheque especial, a resistência vem dessa turma.

Em termos de debate sobre reforma política há que coloque também na discussão o tópico do financiamento de campanha. A discussão sobre o voto distrital é mais importante do que o debate sobre o financiamento de campanha ou caminham juntos? 
Luiz Felipe d’Avila — A discussão sobre o voto distrital é a mais importante e de fato a única discussão relevante que tem na reforma política. Porque qualquer outro assunto, como reeleição e financiamento de campanha não têm nenhuma correlação. Isso é o que eu chamo de conversa fiada para esvaziar a reforma política ou para transformá-la em uma grande cacho de uvas com uma porção de coisas irrelevantes para não se discutir o que importa, que é justamente a adoção do voto distrital. "Ah, vamos discutir o financiamento público de campanha." Eu dou um exemplo. A França tem financiamento público de campanha, isso diminuiu a influência do dinheiro privado em campanha política? Aliás, recentemente, nós tivemos um enorme escândalo na França que foi a dono da L’Oréal financiando o candidato à presidência da república, que era o Sarkozy, e foi um escândalo. O dinheiro vai sempre influenciar a eleição. Em qualquer democracia no mundo, ele vai sempre descobrir um jeito. Nos Estados Unidos, empresas privadas não podem doar dinheiro diretamente para os partidos. O que ele fizeram? Criaram os PACs, o famoso Political Action Committee, que não é nada mais do que nós criamos: uma ONG a favor do candidato. Essa ONG arrecada dinheiro das empresas e ela pode doar dinheiro para o partido. Essa história de limitar é uma desculpa do PT para varrer debaixo do tapete todo esse enorme escândalo do Petrolão. E mais: o escândalo do Petrolão mostra exatamente que não só existe o financiamento privado, mas o público. Portanto, financiamento público de campanha não vai diminuir a questão da corrupção, como mostra que não há nenhuma correlação em nenhum outro país do mundo. A mesma coisa com a reeleição. Há países que tem reeleição e há países que não tem reeleição. Isso piora ou aumenta a governabilidade, cria democracias mais instáveis ou estáveis? Não existe nenhuma correlação. É uma discussão periférica. Na reforma política, o que importa é saber se vamos adotar o voto distrital ou se vamos continuar com esse sistema proporcional de coligação, que é um verdadeiro desastre para a representatividade democrática no Brasil.

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