Valiosas lições

Trinta anos sem o professor Heleno Cláudio Fragoso

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18 de maio de 2015, 6h00

Nesta segunda-feira (18/5) faz 30 anos que o jurista e professor Heleno Cláudio Fragoso deixou órfão os amantes do direito penal, principalmente os amantes de um direito penal garantista, assentado na intervenção mínima, comprometido com os direitos humanos e os princípios fundamentais que norteiam o Estado democrático de direito.

Heleno Cláudio Fragoso foi professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito Cândido Mendes, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e livre-docente na Faculdade de Direito da UFRJ.

Advogado criminalista, conselheiro da seccional da OAB, do antigo Estado da Guanabara, além de conselheiro federal, Heleno Fragoso, igualmente, se destacou na defesa de vários presos políticos no período da ditadura militar e do regime de exceção. Com coragem, denodo, firmeza e, invejável, cultura jurídica. Perante os tribunais militares, o advogado Heleno não poupava duras críticas às leis que serviam de sustentação do regime de exceção e ditatorial.

Em sua obra “Advocacia da Liberdade”, Heleno Fragoso além de apresentar sua visão critica do período que se iniciou com o golpe militar de 1964, nos brinda, também, com a narrativa de defesas feitas por ele em diferentes períodos dos anos de chumbo.

Nesta obra ímpar, Fragoso com exatidão afirma que “entre todos os ramos do direito, é o direito penal um dos mais rapidamente afetados pelos movimentos revolucionários. Esse fenômeno universal expressa-se, por um lado, através da pretensão punitiva da revolução, relativamente aos antigos detentores do poder, e , por outro, através da formulação de um conjunto de normas penais, invariavelmente de grande severidade, para a tutela de bens e interesses de particular relevância para a nova ordem política que se estabelece, ente as quais adquirem especial significação as normas penais tendentes a garantir e a preservar a própria revolução, incriminando-se toda atividade direta ou indiretamente contra-revolucionária”.

Como nos informa Nilo Batista, um dos seus maiores e principais discípulos, em artigo publicado no extinto Jornal do Brasil (06/09/1987), em “Memória de Heleno”, Heleno Fragoso, advogado das liberdades públicas, “da tribuna de defesa iluminava, como um relâmpago, a causa e o tribunal”, tratava-se de professor que permanentemente contestava os dogmas além de comprometimento perene com a defesa dos direitos humanos.

Em entrevista simulada com Heleno Fragoso (depois de sua morte), no citado e precioso artigo, Nilo Batista, com toda genialidade, nos traz verdadeiras palavras que Heleno proferiu sobre “violência, tráfico de drogas, favelados, miséria e justiça”.

Revelando suas posições críticas e sua constante preocupação social, no indigitado artigo, “indagado” pelo jurista e professor titular de Direito Penal Nilo Batista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Cândido Mendes, a propósito de suas colocações sobre o direito penal e os pobres, Heleno Fragoso afirma: “O direito penal é, realmente, direito dos pobres, não porque os tutele e proteja, mas porque sobre eles, exclusivamente, faz recair sua força e o seu dramático rigor. A experiência demonstra que as classes sociais mais favorecidas são praticamente imunes à repressão penal, livrando-se com facilidade, em todos os níveis, inclusive pela corrupção. Os habitantes dos bairros pobres é que estão na mira do aparato policial-judiciário repressivo e que, quando colidos, são virtualmente massacrados pelo sistema”.  (Advocacia da liberdade: a defesa nos processos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984).

Entre as inestimáveis obras de Heleno Fragoso destaca-se: Advocacia da Liberdade; Direito Penal e Direitos Humanos; Terrorismo e Criminalidade Política; Lei de Segurança Nacional: uma experiência antidemocrática, além das suas preciosas Lições de Direito Penal atualizadas, depois de sua morte em maio de 1985, pelo seu filho e, também, professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Cândido Mendes, Fernando Fragoso.

Na primeira edição da Parte Geral de suas Lições de Direito Penal de 1976, editada pela Forense, Heleno Fragoso já alertava para a necessidade de uma política criminal orientada para a descriminalização e a desjudicialização, no sentido de “contrair ao máximo o sistema punitivo do Estado, dele retirando todas as condutas anti-sociais que podem ser repremidas e controladas sem o emprego de sanções criminais”. (Lições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense).

Em discurso proferido no Instituto dos Advogados do Brasil, em homenagem a Heleno pelo 25º aniversário de sua morte, Nilo Batista, com seu privilegiado conhecimento, afirma que “talvez o ano da virada, na vida intelectual de Heleno, tenha sido 1976. Como já vimos, neste ano vem a lume a 1ª edição da Parte Geral das Lições de Direito Penal, que foi o primeiro manual brasileiro completo a adotar, na teoria do delito, a estrutura típica complexa proposta por Welzel, com as demais consequências. Pois é também de 1976 seu relatório ao IX Congresso Internacional de Defesa Social, realizado em Caracas – o outro relator era simplesmente Alessandro Baratta! – intitulado Aspectos Jurídicos da Marginalidade Social. Nesse texto, a radicalidade da crítica liberal empurra Heleno para a crítica social, e ele não titubeia. Ele nunca recuaria desse novo horizonte. Tanto mais Heleno conheceu a realidade histórica dos sistemas penais e sua chocante seletividade estrutural, tanto mais as teorias legitimantes da pena não o satisfaziam”.

Critico da pena privativa de liberdade e da sua filosofia correcional, Fragoso referia-se a prisão como instituição total (conceito elaborado por Erwin Goffman) que “necessariamente deforma a personalidade, ajustando-se à subcultura prisional (prisonização). A reunião coercitiva de pessoas do mesmo sexo num ambiente fechado, autoritário, opressivo e violento, corrompe e avilta (…). A prisão proclamava Heleno Fragoso, “constitui realidade violenta, expressão de um sistema de justiça desigual e opressivo, que funciona como realimentador. Serve apenas para reforçar valores negativos, proporcionando proteção ilusória. Quanto mais graves são as penas e as medidas impostas aos delinquentes, maior é a probabilidade de reincidência”. Com toda sua autoridade o Professor Heleno Fragoso adverte que “o sistema será, portanto, mais eficiente, se evitar, tanto quanto possível, mandar os condenados para a prisão, nos crimes pouco graves, e se, nos crimes graves, evitar o encarceramento demasiadamente prolongado”. (Lições de direito penal…)

Em tempos sombrios, de “populismo penal”; da influência midiática nos processos seletivos de criminalização e, de igual modo, nos processos penais; da prisão provisória se transformando em antecipação da pena; da prisão preventiva sendo decretada para obtenção de delação; do encarceramento em massa e da “massa”; da criminalização de movimentos sociais; de justiçamentos; da eminência da aprovação de um desastrado, escabroso e repressor Projeto de Código Penal; de propostas indecorosas como a redução da imputabilidade penal, entre outras medidas draconianas, que somente revelam à fúria punitiva estatal, nos mostra, mais do que nunca, a falta que faz o professor Heleno Fragoso, por tudo que ele representou e continua representando através de suas eternas obras.

Não tive a honra de conhecer pessoalmente o professor Heleno Cláudio Fragoso, nem a de ser seu aluno nas prestigiosas Faculdades em que lecionou, mas tive a satisfação de, em tempos da proliferação de manuais de direito penal com exclusiva finalidade comercial, de estudar e aprender com Heleno Fragoso em suas valiosas e eternas Lições de Direito Penal.

Obrigado professor!

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