Precarização anunciada

Salário dos funcionários terceirizados será obviamente menor que dos outros

Autor

  • Célio Horst Waldraff

    é mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) mestre pela Universidad Internacional de Andalucia na Espanha pós-doutorado pela Universitat degli Studi di Firenzina Itália professor de Direito Processual do Trabalho da UFPR e desembargador do Tribunal do Trabalho do Paraná.

17 de maio de 2015, 7h30

Convenhamos, o subdesenvolvimento é um problema ético.

Não é tanto uma questão política, econômica ou cultural.

Comprovam-no os sucessivos ciclos de nossa história, desde o ouro, até o café (ou mesmo o pré-sal), no nosso lado do Atlântico. Do outro lado, na Ibéria, os rios de metais e pedras preciosas que vieram da América escorreram dos esburacados bolsos da nobreza. Para o resto da população, as condições de vida não melhoraram um milímetro.

O professor Cardoso (FHC), em diversas oportunidades de sua fase não acadêmica, apelava para uma distinção de Max Weber, a respeito da ética de convicção e ética de responsabilidade. Sobrepunha a segunda à primeira.

Porém, entre aquilo que pode ser feito e o que deve ser feito, há limites comuns que podem ser observados na grande maioria dos casos. A escolha da conduta correta pode atender tanto a princípios quanto ao pragmatismo.

Assim, o oportunismo político pode explicar a súbita urgência dos debates legislativos a respeito da redução da maioridade penal e da terceirização. Nada há de ético nisso.

Alguns integrantes do espectro político que saem às ruas nas recentes manifestações, paneleam quando certos políticos aparecem na televisão, crocitam inconstitucionalidades por um impeachment antijurídico porém corretivo e pelo golpe militar urgente e saneador, apoiam essas mesmíssimas medidas.

Aliás, minto!

No caso da terceirização fazem-no não por confronto político, rejeição ou animosidade, mas por bondade.

Sim, por bondade para com os trabalhadores, seus sindicatos, consumidores, o Estado e, apenas circunstancial e acidentalmente para os empresários.

O primeiro argumento desse florilégio de vantagens operárias é a alardeada igualdade absoluta entre terceirizados e não terceirizados.

Trata-se, porém, de uma impossibilidade aritmética elementar. Todos os direitos trabalhistas e sociais em questão tem um inegável custo econômico, que pode ser traduzido financeiramente e que é desembolsado pelas empresas.

Dito de maneira mais clara: o salário dos terceirizados será, obviamente, menor que o dos não terceirizados.

Logo, essa conta não tem como fechar! A promessa de mesmos direitos com custo inferior é charlatã; uma "corrente da felicidade" que despencará no primeiro degrau.

O segundo argumento é o da segurança jurídica.

De fato, a terceirização atualmente só é garantida por uma precária súmula do Tribunal Superior do Trabalho, a 331, alterável segundo humores do trato digestivo judicial.

Uma lei resolveria tudo…

Na verdade, assim como em um sem-número de outros temas controversos, uma lei superveniente somente estimulou a insegurança jurídica, a incerteza, a imprevisibilidade lotérica das decisões judiciais.

Especialmente uma lei como esta, extraída a desafinado toque de caixa e de cuja redação não participou um único jurista com o mínimo de reconhecimento da comunidade jurídica (aliás, solene e violentamente excluída de todo esse "erudito" debate).

Vale como vaticínio a descrição de Bismarck a respeito de certas leis: tal como as salsichas, é melhor não saber do que e como foram feitas. No caso, padeceram os vira-latas e os gatos sem dono das vizinhanças.

Outro argumento é o da simplicidade, desburocratização, versatilidade e adaptabilidade do regime terceirizado, permitindo contratações mais rápidas e eficientes e maior competitividade.

A linha reta é o caminho mais próximo entre dois pontos, em milenar lição da geometria. Não a linha angular dos três polos envolvidos nessa contratação: trabalhador, empresa interposta e empresa tomadora.

Essas referidas "bondades" brotam como pingos de uma chuva, como aquela esperada por paulistas e paulistanos. Poderíamos falar da competividade internacional, para escolher entre um produto terceirizado ou um similar pirateado ou adquirido no Ali-Express.

Ou então do apoio à terceirização dado por segmentos "orgânicos" de nosso movimento sindical, de água na boca com as contribuições sindicais oriundas de trabalhadores terceirizados, que pelo projeto, passar a integrar a categoria principal da empresa.

Ainda assim, para fechar, só mais uma flor a despetalar desse colorido buquê: a qualidade do serviço terceirizado que mercê da especialização, será sempre melhor.

Já temos problemas graves na qualificação dos trabalhadores. Difícil imaginar que um atravessador de mão de obra investirá mais em melhoria dos serviços que o próprio dono do negócio. Ou que será mais sensível às reclamações de consumidores infernizados.

Por último, convém um alerta amigo a eventuais paneleiros desavisados: terceirização no emprego dos outros é refresco. Com a terceirização da atividade-fim, a alça de mira sobe para postos de médio e alto escalão…

Autores

  • Brave

    é mestre e doutor em Direito pela UFPR e juiz do Tribunal do Trabalho do Paraná. Autor do livro “O Tratamento Jurídico do Empregador Insolvente e a (Nova) Lei de Falência”, Ed. Gênesis.

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