Problema invisível

Acessibilidade a deficientes do processo judicial eletrônico deve ser aprimorada

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10 de maio de 2015, 9h00

O autor, que já integrara a Comissão Permanente de Acessibilidade do Sistema Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho[i] – dela se retirando por entender que a questão futura recairia em conhecimentos tecnológicos que não detêm -, com todo respeito, não pode imaginar como acessível o sistema PJe tão só pelo uso do teclado por pessoas deficientes visuais, como noticiado a seguir:

“(…)

Durante o encontro, o servidor do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e membro da Comissão, Rafael Pereira de Carvalho, apresentou os novos avanços obtidos sobre o tema na versão 1.5.1 do PJe-JT, que atualmente está em homologação nos Tribunais Regionais do Trabalho.

A Coordenadora Nacional do PJe-JT, desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann, afirmou que a versão 1.5.1 apresenta uma importante evolução com relação a anterior, uma vez que esta 'permite, em conjunto com um software leitor de tela, que pessoas com deficiência visual possam realizar todas as ações no sistema usando o teclado'”.(grifou-se)[ii]

Explica-se:

  1. Não se pode olvidar que o software usado para o deficiente visual rodar o PJe é denominado JAWS[iii], cuja licença para uso em um computador custa cerca de R$ 3.500,00 (três mil quinhentos reais). Isso é incompatível com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada na plaga brasileira pelo Decreto nº 6.949/09 com equivalência de Norma Constitucional, ao gizar que:

“Artigo 9 – 1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:

(…)

h) Promover, desde a fase inicial, a concepção, o desenvolvimento, a produção e a disseminação de sistemas e tecnologias de informação e comunicação, a fim de que esses sistemas e tecnologias se tornem acessíveis a custo mínimo”. (Sublinhou-se)

Só a guisa de imaginação: considerando o número de Fóruns e Tribunais instalados no Brasil, com um software deste (JAWS), implementado em cada órgão, o custo para o erário público será estrondoso. Sem contar, ademais, que o advogado cego também seria inescondivelmente apenado monetariamente[iv].

Pode-se pensar: O que fazer? Materializar a versão PJe 2.0, com a criação inicial obedecendo as diretrizes internacionais de acessibilidade (Web Content Accessibility Guidelines – WCAG), desenvolvidas pelo World Wide Web Consortium – W3C, um consórcio multinacional de empresas que elaborou um conjunto de normas de desenvolvimento Web.[v]

Com isso, o sistema PJe será lido por qualquer leitor de tela, evitando-se a grande mordida do JAWS. O que significará, aí sim, plena acessibilidade, porque, como se está atualmente, mesmo com teclado sendo manejado por um cego, o custo do software já é mais que uma barreira.

  1. Deve ser registrado, por amor a verdade, que a assinatura digital do advogado, após encetada, haverá de ser verificado pelo usuário se houve o fechamento de um cadeado. Com o teclado, ao que parece, não se chega ao cadeado e, por isso mesmo, pairará incerteza se a peça processual fora ou não assinada.

Aliás, sobre esse tal cadeado, existem queixas de juízes do trabalho que, mesmo tendo assinado suas sentenças, são alertados pelos seus assessores que ela não fora publicada no sistema PJe. Fato que demonstra, a não mais poder, que o Pje da atualidade é prenhe de insegurança[vi].

Diante disso, o Conselho Federal da OAB de modo geral e, em particular, a Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação, presidida pelo Conselheiro Federal Luiz Cláudio Allemand, tem envidado todos os esforços junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que se aprove o sistema PJe 2.0. Não parando por aí, vaticina, igualmente, acerca das inúmeras alterações sobre a Lei 11.419/06[vii], onde se colhe o que mais interessa no momento:

  • PROPOSTA DE ALTERAÇÃO – Art. 1º – O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será facultado nos termos desta Lei, observada a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e o Decreto nº 8.135/2013, não podendo ser imposta a utilização do meio eletrônico ao usuário externo.

TEXTO ORIGINAL – Art. 2º – O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1o desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. § 1o O credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado.

PROPOSTA DE ALTERAÇÃO – Art. 2º – O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão facultados aos usuários externos mediante uso de certificado digital, na forma da MP nº 2.200-2. §1º Nos casos em que o usuário faça opção por acesso ao sistema através de login e senha, será obrigatório o credenciamento pessoal prévio no Poder Judiciário, sendo dispensado quando a opção de acesso ao sistema for através de certificado digital.

PROPOSTA DE INCLUSÃO COM NOVA NUMERAÇÃO DE ARTIGOS E PARÁGRAFOS Art. 11. No caso do § 1o do artigo anterior, se o Sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, ou comprovadamente inacessível ao usuário externo, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema. § 1º Considera-se indisponibilidade do sistema de processo eletrônico a falta de oferta ao público externo, diretamente ou por meio de webservice, de qualquer dos seguintes serviços: I – consulta aos autos digitais; II – transmissão eletrônica de atos processuais. III – lentidão do sistema que dificulte sua utilização. § 2º A indisponibilidade definida no parágrafo anterior será aferida por sistema de auditoria fornecido pelo Ministério da Justiça ou por órgão a quem este atribuir tal responsabilidade, disponível na internet, em tempo real em endereço externo ao órgão monitorado, ficando vedada a indicação do órgão que desenvolveu o sistema. § 3º Os sistemas de auditoria verificarão a disponibilidade externa dos serviços referidos no §1º, em intervalos de tempo não superiores a 5 (cinco) minutos. § 4º Toda indisponibilidade do sistema de processo eletrônico, seja ela total ou parcial, será registrada em relatório de interrupções de funcionamento acessível ao público no próprio sistema e no sítio dos Tribunais, e no site do respectivo serviço de auditoria, devendo ser assinado digitalmente e conter, pelo menos, as seguintes informações: I – data, hora e minuto de início da indisponibilidade, ou intermitência, ainda que parciais; II – data, hora e minuto de término da indisponibilidade ou intermitência, ainda que parciais; e III – serviços que ficaram indisponíveis. IV – dados técnicos sobre a aplicação de forma a auferir o desempenho da aplicação e do seu ambiente tecnológico. § 5º O relatório de interrupção, assinado digitalmente e com efeito de certidão, estará acessível em tempo real no site de auditoria indicado, e no site do próprio Tribunal no máximo 1 (uma) hora contada do término da indisponibilidade ou instabilidade. § 6º Os prazos que vencerem no dia da ocorrência de indisponibilidade de quaisquer dos serviços referidos no parágrafo 1º serão prorrogados para o dia útil seguinte, quando: I – a indisponibilidade for superior a 30 (trinta) minutos, ininterruptos ou não, se ocorrida entre 6h00 e 18h00 do órgão recebedor da manifestação; ou II – ocorrer indisponibilidade entre 18h00 e 23:59:59h do órgão recebedor da manifestação. III – ocorrer lentidão do sistema. § 7º As indisponibilidades ocorridas entre 0h00 e 6h00 dos dias de expediente forense no órgão de destino, e as ocorridas em feriados e finais de semana, a qualquer hora, não produzirão o efeito do caput. § 8º Os prazos fixados em hora ou minuto serão prorrogados até às 23:59:59h do dia útil seguinte ao término da indisponibilidade, quando: I – ocorrer indisponibilidade superior a 30 (trinta) minutos, ininterruptos ou não, nas últimas 24 horas do prazo; ou II – ocorrer indisponibilidade nos 30 minutos anteriores ao seu término. §9º A prorrogação de que trata este artigo será feita automaticamente pelo sistema de processo eletrônico. §10° A indisponibilidade previamente programada produzirá as consequências previstas neste artigo e será ostensivamente comunicada ao público externo com, pelo menos,  cinco dias de antecedência. §11° A indisponibilidade ocorrida durante o curso do prazo na forma prevista nos parágrafos acima ensejam a prorrogação do prazo por tantos dias úteis quantos forem aqueles igualmente úteis em que ocorrer a indisponibilidade. §12° Os Tribunais deverão zelar pelo ininterrupto fornecimento dos serviços de processo eletrônico, garantindo eficiência mínima de 95% (noventa e cinco por cento) de funcionamento. §13° Os Tribunais deverão ter redundância em toda sua infra-estrutura para que o sistema não fique indisponível por falta de energia, comunicação pela internet e segurança”.

Observa-se que a OAB tem sido incansável no quesito aprimoramento do PJe – muito ao contrário daqueles que entendem que os advogados desprezam a informatização -, colimando o processo judicial em papel até que ocorra a testabilidade ampla, a interoperabilidade, a plena acessibilidade e a indubitável estabilidade do processo eletrônico.

É de todos conhecida a indignação, justa e centrada, da advogada cega, Déborah Prates, que, festejou a XXII Conferência Nacional dos Advogados, aduzindo[viii]:

“Além disso, afirma que os advogados brasileiros com algum tipo de deficiência – como ela – encontraram na atual gestão da OAB um verdadeiro “oásis””.

Graças a Deus, o CNJ está vazado de novos ares, com a batuta do Min. Ricardo Lewandowski – timbrado pela sensibilidade com a causa das pessoas com deficiência -, onde acredita-se que o sistema PJe será de todo refatorado, nos termos do “Web Content Accessibility Guidelines – WCAG”, desenvolvidas pelo World Wide Web Consortium – W3C, um consórcio multinacional de empresas, de modo a se ter efetiva acessibilidade. Mas, até lá, não se pode impedir o uso dos autos físicos, como anela a inconstitucional resolução 185/13/CNJ[ix], que dispõe:

“Art. 4º Os atos processuais terão registro, visualização, tramitação e controle exclusivamente em meio eletrônico e serão assinados digitalmente, contendo elementos que permitam identificar o usuário responsável pela sua prática”. (grifou-se)

Em tempos não muito recuados, o CNJ agia medievalmente quando o assunto era PJe e pessoas com deficiência, como se lê[x]:

“ (…) como há a possibilidade de capacitar idosos, mas não de melhorar a visão dos deficientes, devemos atender os demais”. (enfatizou-se)

Portanto, perdoado o palavreado chulo – e sem eiva de discriminação -, fusca é fusca, Ferrari é Ferrari[xi]. Isto é, se não houver o refatoramento do sistema PJe do CNJ, o máximo que se terá é um fusca conversível, mas não um processo eletrônico acessível.

Perora-se que haja profunda reflexão sobre o assunto aqui lançado, para que os deficientes visuais não se vejam engolidos e tragados pela feroz mandíbula JAWS e tendo de adivinhar a situação do cadeado que aponta que o ato processual teria sido ou não assinado. Cego não vê, mas deve ser tratado com dignidade e respeito, assim como todas as demais pessoas.


[i] c.f ATO CSJT.GP.SG N. 153, publicado em 15 de maio de 2014 de lavra da Presidência do Tribunal Superior do Trabalho;

[ii] In:  http://iurilantyer.jusbrasil.com.br/noticias/182406977/usuarios-com-deficiencia-visual-poderao-utilizar-o-pje-jt-por-meio-do-teclado?utm_campaign=newsletter-daily_20150422_1067&utm_medium=email&utm_source=newsletter;

[iii] Em inglês significa mandíbula, e no mundo da informática, consiste no mais conhecido software para acessibilidade de pessoas com deficiência visual do mundo (endereço eletrônico: http://www.licenciamentodesoftware.com.br/blog/freedom-scientific/jaws-para-windows-software-para-acessibilidade-de-deficientes-visuais/);

[iv] Existem softwares gratuitos ( nacionalmente, o do SERPRO e, mundialmente, o NVDA, dentre outros);

[v] O Processo Judicial Eletrônico – Pje E O Princípio Do Amplo Acesso Ao Poder

Judiciário,  Emerson Odilon Sandim, publicado na coletânea Processo Judicial Eletrônico, Coor. Marcus Vinicius Furtado Coêlho Luiz Cláudio Allemand, editada pelo Conselho Federal do Ordem dos Advogados do Brasil, ano 2014, p. 267 (pode ser visualizado neste endereço eletrônico http://www.oab.org.br/biblioteca-digital/publicacoes#'0000000466');

[vi] Se o leitor desejar maiores comentários, dirija-se a matéria O Processo Judicial Eletrônico – Pje E O Princípio Do Amplo Acesso Ao Poder Judiciário, ob.cit;

[vii] A íntegra da proposta legislativa pode ser visualizada neste endereço http://s.conjur.com.br/dl/proposta-alteracoes-lei-processo.pdf;

[viii] “Advogada cega exalta XXII Conferência: “maratona humanitária” – publicado no endereço eletrônico http://www.oab.org.br/noticia/27738/advogada-cega-exalta-xxii-conferencia-maratona-humanitaria?utm_source=3052&utm_medium=email&utm_campaign=OAB_Informa;

[ix] Sobre este aspecto reitero a matéria de minha lavra: O Processo Judicial Eletrônico – Pje E O Princípio Do Amplo Acesso Ao Poder Judiciário, ob.cit;

[x] C.f ATA da 40ª, datada de 12/09/2013, local: Videoconferência / Sala de Reuniões da Presidência – CNJ;

[xi] É interessante notar que até o Office 2013 coloca o vocábulo fusca em minúsculo e Ferrari em maiúsculo.

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