Livros eletrônicos

Tributar o conhecimento é fechar as portas para o desenvolvimento

Autor

  • Alexandre Pontieri

    é advogado com atuação nos Tribunais Superiores (STF STJ TST e TSE) no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) consultor da área tributária com foco principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pós-graduado em Direito Tributário pelo Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU (CPPG) em São Paulo e pós- graduado em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMP-SP).

8 de maio de 2015, 9h47

Foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico 72 (divulgado no dia 16 de abril) decisão monocrática do excelentíssimo ministro Celso de Mello, do egrégio Supremo Tribunal Federal, em Embargos de Divergência no Recurso Extraordinário 202.149-RS, opostos contra acórdão que havia sido assim ementado:

“CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Extrai-se da Constituição Federal, em interpretação teleológica e integrativa, a maior concretude possível.

IMUNIDADE – ‘LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E O PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO’ – ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA ‘D’, DA CARTA DA REPÚBLICA – INTELIGÊNCIA. A imunidade tributária relativa a livros, jornais e periódicos é ampla, total, apanhando produto, maquinário e insumos. A referência, no preceito, a papel é exemplificativa e não exaustiva” (com grifos no original). 

A questão levada ao STF dizia respeito à possibilidade da extensão da imunidade tributária do art. 150, inciso VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal de 1988, sobre as chapas de impressão e peças sobressalentes que determinado grupo editorial havia importado da Alemanha.

O ministro Celso de Mello recebeu os embargos de divergência, “para conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário interposto pela União Federal, ora embargante, em ordem a denegar o mandado de segurança impetrado pela empresa contribuinte ora embargada”, fundamentando sua decisão em dois precedentes do STF sobre o tema:

“(…) I – A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘d’, da Constituição Federal não abrange os serviços de composição gráfica. Precedentes.
II – O Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido de que a imunidade em discussão deve ser interpretada restritivamente.
III – Agravo regimental improvido”
(RE 631.864-AgR/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI) (grifos no original).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOSISS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, INC. VI, ALÍNEA D, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXTENSÃO AOS SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RE 435.978-AgR/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA) (grifos no original).

E o eminente ministro explicitou em sua decisão que “embora mantendo respeitosa divergência quanto a essa orientação, devo ajustar-me, no entanto, em atenção ao princípio da colegialidade, ao entendimento prevalecente nesta Suprema Corte a propósito do litígio em exame, procedendo, em consequência, na linha dessa diretriz jurisprudencial, ao julgamento da presente causa” (com grifos no original).

Porém, o que mais nos chamou a atenção de forma positiva na decisão proferida por Celso de Mello foi sua manifestação sobre a possibilidade de interpretação extensiva da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘d’, da Constituição Federal. Vejamos trecho da decisão dos Embargos de Divergência no Recurso Extraordinário 202.149-RS:

“(…) Embora vencido no julgamento do RE 203.859/SP, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal consagrou entendimento restritivo a propósito da matéria em causa, tenho sustentado – com fundamento em autorizada lição doutrinária (HUGO DE BRITO MACHADO, “Curso de Direito Tributário”, p. 248, item n. 3.12, 20ª ed., 2002, Malheiros; ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 681, item n. 4.4.3, 17ª ed., 2002, Malheiros; REGINA HELENA COSTA, “Imunidades Tributárias”, p. 192, item n. 2.4.5, 2001, Malheiros, v.g.) – a possibilidade de interpretação extensiva do postulado da imunidade tributária, na hipótese prevista no art. 150, VI, “d”, da Carta Política, considerando, para esse efeito, a própria teleologia da cláusula que impõe, ao Estado, essa específica limitação constitucional ao poder de tributar.
Não desconheço que o postulado da imunidade consagrado pela Constituição da República, em favor dos livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, art. 150, VI, “d”), reveste-se de significativa importância de ordem político-jurídica, destinada a preservar e a assegurar o próprio exercício das liberdades de manifestação do pensamento e de informação jornalística, valores em função dos quais essa prerrogativa de índole constitucional foi conferida, instituída e assegurada.
O instituto da imunidade tributária não constitui um fim em si mesmo. Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado, na medida em que esse postulado fundamental, ao inibir, constitucionalmente, o Poder Público no exercício de sua competência impositiva, impedindo-lhe a prática de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas.
Considero, por isso mesmo, que o postulado da imunidade qualifica-se como instrumento de proteção constitucional vocacionado a preservar direitos fundamentais – como a liberdade de informar e o direito do cidadão de ser informado -, em ordem a evitar uma situação de perigosa submissão tributária das empresas jornalísticas (reais destinatárias dessa especial prerrogativa de ordem jurídica), ao poder impositivo do Estado (com grifos no original).

Pois bem. Torçamos para que fundamentos desse jaez sejam levados ao Plenário do STF quando do julgamento do Recurso Extraordinário 330.817-RJ, que está sob o rito da repercussão geral — porque se trata de matéria repetida em inúmeros processos, onde será julgada a interpretação da norma constitucional do artigo 150, inciso VI, alínea “d”, sobre a extensão, ou não, da imunidade tributária aos livros eletrônicos.

Por óbvio que a palavra final será dada pelo STF, mas não há que se deixar de lembrar que diversos tribunais brasileiros já se posicionaram sobre o tema das imunidades tributárias das novas mídias eletrônicas. As discussões que anteriormente envolviam os livros, jornais e periódicos impressos em papel, passaram a contar também com os CD-Roms e novas formas de mídias eletrônicas, porque, como dispõe o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Entendemos, pois, que a questão da imunidade tributária aos livros eletrônicos deve ser analisada de forma mais ampla e entendida em seu sentido finalístico, garantindo a manifestação do pensamento, da cultura e da educação.

Pensar em se restringir essa imunidade ao formato papel é fechar os olhos diante dos inegáveis avanços que a tecnologia proporciona, tributando-se ainda mais a liberdade ao conhecimento, à cultura e à manifestação do pensamento do país.

Acreditamos na mesma esteira de pensamento adotada por grande parte dos tribunais pátrios, que a imunidade aos livros eletrônicos deve ser compreendida em seu sentido finalístico, garantindo a manifestação do pensamento, da cultura e a expansão da educação.

Acreditamos ainda, sinceramente, que a divulgação da informação, da cultura e do conhecimento deve ser levada a todos os brasileiros, principalmente pela dimensão continental de nosso país, e, muito mais ainda, pela falta de acesso que muitas comunidades ainda têm para buscar o conhecimento.

Acompanhemos, pois, os debates de tão importante questão para na esfera constitucional-tributária, pois é inegável a presença da tecnologia em nossos Tribunais (veja-se, por exemplo, a questão do processo eletrônico já adotado por grande parte dos tribunais brasileiros, principalmente os Superiores – STF, STJ, TST, CNJ etc.).

E, além da extensão e ampliação da manifestação do pensamento, da cultura e da educação, muitos outros fatores também tendem a sofrer grandes e benéficos impactos com a análise aprofundada do tema pelo Supremo Tribunal Federal, como é o caso de questões envolvendo o meio ambiente com a consequente economia de papel, dentre alguns dos diversos aspectos positivos.

Oxalá os avanços que a tecnologia proporciona possam, pelo menos em um futuro próximo, chegar a todas as escolas, casas, empresas e, inclusive, às mais diversas comunidades brasileiras, principalmente nas mais carentes, funcionando como um dos diversos mecanismos de diminuição da atual desigualdade social predominante.

Que todos, sem distinção alguma, possam ter acesso ao conhecimento, à cultura, à educação e, com isso, fortalecer o livre pensamento de ideias para o crescimento de uma verdadeira nação de pessoas pensantes e com bases sólidas para questionar e trabalhar com o propósito do crescimento do país.

Obviamente que não é tão simples assim, mas o acesso à educação e à cultura em um país de dimensões continentais como o Brasil não pode ficar relegado a um segundo plano de comunidades distantes por razões territoriais. Como dizia o psicanalista Sigmund Freud, “só o conhecimento traz o poder!”.

O Brasil almeja grandes conquistas na esfera internacional, como uma vaga no assento permanente do Conselho de Segurança da ONU. Porém, de que adiantará galgar passos tão largos se não tivermos em nossa base cidadãos com formação sólida e conscientes de seu papel no cenário democrático?

Sigamos os exemplos da Coréia do Sul, do Japão e dos países que foram devastados durante a 2ª Guerra Mundial (França, Inglaterra, Alemanha etc.), e que hoje são verdadeiras potências mundiais, graças ao trabalho árduo e, principalmente, à educação de seu povo.

Reflitamos, pois, sobre essas questões e confiemos no bom senso e equilíbrio dos nobres ministros de nossa Suprema Corte ao julgar caso de grande relevância. A tecnologia caminha a passos largos e deve servir para o crescimento de toda a sociedade brasileira incondicionalmente!

Façamos o debate. Acompanhemos a decisão do Supremo Tribunal Federal. Lutemos pelo conhecimento pleno a todos os cidadãos!

Autores

  • é advogado e pós-graduado em Direito Tributário pelo Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo. Também tem pós- graduação em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo.

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