Omissão culposa

Ato de mandato anterior fundamenta impeachment de Dilma, diz Adilson Dallari

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8 de maio de 2015, 16h12

Ao não responsabilizar seus subordinados quando é evidente que eles praticaram delitos funcionais ou atos contrários à Constituição Federal, o presidente da República, por omissão, viola a probidade da Administração Pública e comete crime de responsabilidade. E essa transgressão enseja a abertura do processo de impeachment, que pode levar à cassação, mesmo que tenha ocorrido em mandato anterior — em caso de reeleição.

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Adilson Dallari elaborou parecer a pedido do Instiuto dos Advogados de São Paulo.

Com base nessa interpretação, o advogado e professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Adilson Abreu Dallari concluiu, em parecer encomendado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), que é possível abrir processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff pelas irregularidades ocorridas na Petrobras e em outros órgãos públicos.

O Iasp levou a Dallari quatro perguntas:

  • Há norma que impeça o presidente de ser investigado enquanto estiver no exercício do seu mandato?
  • Pode o presidente ser responsabilizado por ato praticado no exercício de suas funções?
  • Se sim, incidiria a regra geral da responsabilidade civil, que considera tanto a ação quanto a omissão?
  • Em caso de reeleição, o presidente pode responder por ato praticado no exercício da função no mandato anterior?

 

No início de sua análise, o professor deixou claro que investigar o presidente e eventualmente tirá-lo do poder após condenação por crime de responsabilidade não é golpe, pois “nada tem de estranho, aberrante ou conflitante com a soberania popular”. Pelo contrário: é uma forma legítima de controle do poder em uma democracia, alegou.

Afastada essa acusação, Dallari afirmou que o crime de responsabilidade não tem natureza penal, e sim político-adminitrativa. Dessa forma, a sua apuração segue as regras do processo administrativo, e não do processo penal. Isso faz com que seja buscada a verdade material em vez da verdade formal, diminuindo o peso de irregulares procedimentais para a decisão.

Depois de examinar a Constituição, o especialista em Direito Administrativo afirmou que não existe norma que impeça o presidente de ser investigado durante o exercício do mandato — desde que dois terços da Câmara dos Deputados determinem a abertura do processo.

Além disso, o chefe do Executivo federal pode ser responsabilizado por ato praticado no exercício de suas funções enquanto ocupa o cargo. Ou seja, como presidente. De acordo com Dallari, a ressalva de que o presidente, durante seu mandato, não pode responder por atos estranhos ao exercício de suas funções (parágrafo 4º do artigo 86 da CF), “não afasta a responsabilidade por infrações penais nem por improbidade administrativa nem a negligência ou a tolerância com relação a atos sancionáveis, praticados em momento anterior, cujo conhecimento ele, razoavelmente, não pode negar”.

E o presidente reeleito pode responder por atos praticados no exercício da função durante seu mandato anterior, entende o advogado. A seu ver, quem é reconduzido ao comando do governo federal por mais quatro anos continua no exercício das suas funções, sem qualquer barreira entre as duas gestões.

Omissão gera responsabilidade
Crimes de responsabilidade, diz Dallari, podem ser cometidos não só por ação, mas também por omissão. Segundo o autor do parecer, isso fica claro no item 3 do artigo 9º da Lei 1.079/1950, que estabelece que o presidente atenta contra a probidade administrativa ao “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”.

Dallari também apontou que a omissão é permanente. Ou seja, é irrelevante que os delitos tenham sido cometidos antes que o presidente chegasse ao cargo. Se ele não fizer nada para impedir a continuidade desses atos, ele estará se omitindo.

Fazendo a ressalva de que só cita fatos amplamente divulgados pela imprensa, o professor da PUC-SP elencou crimes de responsabilidade que poderiam ser imputados a Dilma. Entre eles, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” (item 7 do artigo 9º da Lei 1.079/1950), “infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária” (item 4 do artigo 10 da Lei 1.079/1950) e “negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional” (item 4 do artigo 10 da Lei 1.079/1950).

Este último dispositivo fala em omissão culposa ao mencionar o verbo “negligenciar”. Ele, em conjunto com a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), assegura que os atos contra o Estado não precisam ser dolosos para serem punidos, argumentou Dallari: “Não existe exigência constitucional de que a responsabilidade administrativa somente possa gerar condenação quando o agente houver atuado dolosamente. Essa exigência é do Código Penal e somente se aplica nos casos de processo por infração penal, não tendo aplicabilidade fora dele”.

Mas o advogado esclareceu que a omissão culposa é diferente da teoria do domínio do fato, que se popularizou por ter sido usada por ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Para ele, nesse caso, o presidente não teria seu mandato cassado apenas por causa de sua condição hierárquica, e sim pela negligência no exercício de suas funções.

O parecerista também diferenciou a omissão culposa da má gestão: “A omissão culposa no (des)cumprimento do dever não se confunde, também, com a simples má gestão. Um mau administrador, desprovido de talento para a gestão pública, deve ser punido pelo eleitorado; não se pode cassar o mandato do presidente da República apenas por ser incompetente, política e tecnicamente. Isso, sim, seria um golpe. Mas, ao contrário, a cassação do mandato do presidente, que cometeu crime de responsabilidade (por ação ou omissão, dolosa ou culposa), não atenta contra a democracia, pois é um instrumento do governo democrático, previsto na Constituição”.

Culpa de Dilma
Embora diga que não é o objetivo do parecer examinar casos concretos, Dallari elencou alguns casos pelos quais Dilma poderia responder por omissão culposa. Entre eles, os “desvios generalizados da Petrobras e as exorbitâncias de suas refinarias”; as “obras intermináveis da transposição do Rio São Francisco”; a “proveniência dos elevados recursos utilizados pelo MST”; e “os ilícitos cometidos contra o sistema de planejamento orçamentário”.

Na visão do professor, o fato de a presidente alegar ignorância dessas situações é um “absurdo evidente”, e ele diz que “somente por má-fé alguém minimamente letrado pode falar em golpe ou ‘terceiro turno’”.

Por esses motivos, Dallari garantiu ser possível a abertura de processo de impeachment para apurar se a petista cometeu crime de responsabilidade. Mas o advogado lembrou que o procedimento deve seguir as normas do devido processo legal e garantir a Dilma ampla defesa, cabendo recurso ao Judiciário caso uma eventual decisão que casse seu mandato viole as formalidades estabelecidas pelo ordenamento jurídico.

Doutrina sobre impeachment
O presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, disse que o estudo de Dallari tirou uma grande dúvida da comunidade jurídica ao afirmar ser possível responsabilizar a presidente por ato cometido até o fim de 2014, quando se encerrou seu primeiro mandato.

Ele contou que o instituto está esperando pareceres respondendo o mesmo tema dos ministros aposentados do STF Carlos Ayres Britto e Carlos Velloso, e do professor de Direito Penal da USP Renato de Mello Jorge Silveira. Com todos na mão, o conselho do Iasp decidirá o que fazer. Algumas opções são encaminhar as conclusões dos juristas ao Congresso, ao Supremo e a partidos políticos.

O advogado assegurou que a iniciativa de pedir os pareceres sobre o cabimento do impeachment de Dilma "não tem carimbo político". A intenção do Iasp é criar uma doutrina sobre um assunto que não tem muitas obras de referências, disse José Horácio.

Discurso apimentado
Em evento do Iasp nesta sexta-feira (8/5), quando foi apresentado o parecer de Dallari, o jurista Modesto Carvalhosa fez duras críticas ao governo federal. Segundo ele, já são vários 'atos de prevaricação" do governo que deveriam ser punidos, sendo o caso da Petrobras investigado pela "operação lava jato" o mais preocupante. Ao declarar que a estatal seria vítima do esquema, diz ele, o governo exime-se de punir e sanar o problema dentro da petroleira.

“A mera confissão em balanço de sua participação central no esquema da 'lava jato' já purgou-se, estando absolvida de qualquer punição prevista na Lei Anticorrupção Essa declaração das autoridades federais constitui típica prevaricação, além de configurar para a presidente e seus ministros de Estado crime de responsabilidade”, afirmou.

Para Carvalhosa, cabe ao Ministério Público Federal, conforme prescreve o artigo 20 da Lei Anticorrupção, substituir as autoridades administrativas e promover o processo punitivo contra a Petrobras "para, assim, livra-la dessa condição de ré confessa que não encontra a condenação devida que possibilitaria a sua reinserção no mundo dos negócios, tanto aqui como na comunidade internacional".

Clique aqui para ler a íntegra do parecer.

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