Mudança de entendimento

Várias razões para a possibilidade de HC contra ato de ministro

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6 de maio de 2015, 6h34

[1]Não faz muito tempo foi noticiado que o ministro Dias Toffoli negou seguimento ao habeas corpus 127.483, impetrado pela defesa de Erton Medeiros Fonseca no âmbito da chamada operação "lava jato", por ofensa à súmula 606 daquele tribunal.

Para nós, importa menos o caso (que poderia ser qualquer outro), e mais a questão envolvida: afinal, é possível que se tenha um ministro do Supremo Tribunal Federal como autoridade coatora em sede de habeas corpus?

Para começar, frisamos que a possibilidade de se impetrar habeas corpus contra ato de Ministro do Supremo deve ser calcada em decisão monocrática (e não de Turma). Trata-se de interpretação lógica da própria súmula 606 do STF (aprovada no ano de 1984): “não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso.

Ora! Se não cabe contra ato de Turma, ou do próprio Plenário, onde está dito que não cabe quando em oposição à decisão monocrática? Trata-se de desdobramento do próprio princípio da colegialidade, que deve reger as decisões dos tribunais.

Esta parece ser a interpretação de grande parte dos ministros atuais, tanto que deferida a ordem, à unanimidade, do HC 85.099-5 (habeas corpus impetrado contra ato de ministro Relator). Naquela assentada estavam presentes, dentre os que ainda atuam, os Ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

Ausente na decisão supra, é conhecida a visão do ministro Celso de Mello: “É certo que a Súmula 606/STF definiu hipótese de incognoscibilidade de ação de habeas corpus, ao estabelecer que não cabe habeas corpus contra decisões de Turmas ou Plenário do Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência desta Corte, no entanto, procedeu a uma distinção (necessária) entre as decisões colegiadas do Supremo Tribunal (hipótese em que não caberá habeas corpus para o Pleno) e decisões monocárpicas do Relatores deste Tribunal (hipótese em que se revelará admissível o remédio constitucional em questão).[2]

Também o ministro Dias Toffoli entende pelo cabimento do remédio heróico nesta situação, como ressalvado na decisão no habeas corpus 127.483 (operação "lava jato").

Já o Regimento Interno daquele Tribunal, interpretado de maneira conforme, assim o permite e disciplina em seu artigo 6º, inciso I, alínea "a": "Também compete ao Plenário: I processar e julgar originariamente: a) o habeas corpus, quando for coator ou paciente o Presidente da República, a mara, o Senado, o próprio Tribunal ou qualquer de seus Ministros, o Conselho Nacional da Magistratura, o Procurador-Geral da República, ou quando a coação provier do Tribunal Superior Eleitoral, ou, nos casos do art. 129, § 2o, da Constiuição, do Superior Tribunal Militar, bem assim quando se relacionar com extradição requisitada por Estado estrangeiro.

Cuida-se, aliás, de dispositivo em consonância com a Constituição Federal, ao passo que seu artigo 102, inciso I, alínea “i”: "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância.”

Como se vê, já existe, hoje, uma maioria formada para a “mudança"[3] de entendimento, de forma a se possibilitar a impetração contra decisão monocrática de ministro do Supremo Tribunal Federal.

E não são só os ministros que estão preparados e à espera de um caso para que ocorra a evolução jurisprudencial. Reparei, quando da minha última impetração naquela Corte, a possibilidade abaixo, mostrando que também o departamento tecnológico de peticionamento eletrônico assim está preparado:

HC contra ato de Ministro do STF

 

Resta, apenas, que se deixe de repetir ementas de julgados de um entendimento ultrapassado, onde, nas discussões de turmas e plenário, a visão da maioria parece ser outra.


[2] HC 91.352-1/SP. Nas discussões, aliás, em que pese o não conhecimento do habeas corpus, tal se deu por etenderem, os Ministro, que a decisão atacada havia sido proferida pelo Colegiado, e não de maneira monocrática.

[3] Não se diz que seria exatamente uma mudança de entendimento, mas, pior ou melhor, uma adequação de jurisprudência, vez que, aparentemente, tem ocorrido uma repetição retórica de ementas sem o devido cuidado, de forma a impossibilitar o manejo do mandamus.

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