Réu acusador

Ao apostar na delação, MP abre mão do seu papel de denunciar, critica Macabu

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2 de maio de 2015, 13h04

STJ
Para Macabu, ato de delegar ao réu a função de acusar deve ser repudiado.
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Ao apostar na delação premiada como principal elemento de instrução processual, o Ministério Público abre mão de seu papel constitucional de denunciar. A avaliação é do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aposentado Adilson Macabu, que atuou como convocado no Superior Tribunal de Justiça e agora advoga. Para ele, essa inversão de papéis “coloca em risco o regime democrático”.

A delação premiada é considerada por muitos criminalistas brasileiros uma mera importação de um instrumento do Direito Penal norte-americano. Para ela funcionar, é preciso que um dos envolvidos numa investigação policial decida, por vontade própria, colaborar com a operação. Geralmente, é exigido que o investigado entregue seus cúmplices, dê detalhes dos crimes e aponte onde os investigadores podem buscar mais provas para embasar a narrativa da denúncia.

A delação premiada tem sido o principal instrumento dos órgãos de acusação para a instrução da operação “lava jato”, que apura indícios de superfaturamento de contratos firmados entre a Petrobras e empreiteiras para favorecer executivos. A maioria das provas decorre de depoimentos feitos por dois dos investigados: Alberto Yousseff, denunciado como operador financeiro do esquema, e Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.

Na opinião de Adilson Macabu, ao optar pela delação, o Ministério Público delega para um dos investigados a função de entregar comparsas. O MP passa a ser mero espectador. “O ato de delegar ao réu a atribuição de acusar, escolhendo quem deve ser investigado, não poucas vezes, segundo critérios subjetivos e espúrios, deve ser repudiado”, disse, em entrevista à ConJur.

Macabu ficou famoso nos noticiários nacionais por ter sido relator do Habeas Corpus que derrubou toda a operação satiagraha por ilegalidade na coleta de provas. A operação era então a mais espetaculosa da Polícia Federal. Investigava denúncias de crimes financeiros supostamente cometidos por Daniel Dantas.

Macabu entendeu que as provas eram ilegais porque as escutas telefônicas que instruíram o processo foram feitas por agentes da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, convocados ilegalmente pela PF. Para ele, a operação violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal, de forma que foi derrubada por três votos a dois pela 5ª Turma do STJ.

Inversão de papéis
Para Macabu, o Brasil está presenciando uma inversão da atividade processual que deveria ser exercida pelo MP, o que tem acarretado em prisões preventivas de citados em delações com o argumento de que é necessário garantir a ordem pública. Ele explica que indícios de prática de crimes podem servir para a abertura de um processo, mas não justificam a prisão antes do devido processo legal, “sob pena de se vulnerar o princípio da não culpabilidade, especialmente quando não estiverem configuradas as situações elencadas no artigo 312 do Código de Processo Penal”.

Os acordos de delação são feitos entre investigado, investigadores e Ministério Público e devem sempre ser homologados pelo Judiciário. No caso da “lava jato”, há cláusulas que obrigam o investigado a abrir mão de recursos contra termos do acordo. Isso, segundo Macabu, “vulnera o sistema democrático, na medida em que nenhuma lei pode sobrepor-se às garantias fundamentais e aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal”.

Para ele, práticas desse tipo vulneram o preceito constitucional que assegura a igualdade de todos perante a lei e “constitui uma porta aberta para a prática de inúmeras ilegalidades, especialmente, porque, à luz do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório, a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Medidas Cautelares
O criminalista também defende a aplicação de outras medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, quando esta não for estritamente necessária, conforme manda a Lei 12.403/2011.

Na terça-feira (28/4), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus para nove presos na operação “lava jato” e determinou que eles fiquem em regime domiciliar, monitorados por tornozeleiras eletrônicas. A decisão derruba prisões preventivas decretadas pelo juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável pelos processos em Curitiba. Para o ministro Teori Zavascki, relator do caso, as determinações de Moro basearam-se apenas nos indícios de existência de crime, embora a jurisprudência do Supremo considere esse argumento insuficiente para justificar, por si só, prisões preventivas.

Em maio de 2012, quando estava como convocado na 5ª Turma do STJ, Adilson Macabu foi voto vencido no julgamento que manteve preso Carlinhos Cachoeira, mas abriu um importante precedente ao defender a aplicação de medidas cautelares em substituição à prisão preventiva. Foi o primeiro voto em corte superior que determinou a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva.

Segundo seu voto no julgamento de pedido de Habeas Corpus, a liberdade do empresário era possível porque nenhum dos crimes imputados a Cachoeira “foi cometido com violência, sendo certo que ele não ostenta qualquer condenação com trânsito em julgado e, em nenhum momento, tentou empreender fuga”. Macabu também destacou que o preso cumpria os critérios exigidos por lei, por ser réu primário, de bons antecedentes, com atividade definida e residência fixa.

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