Coleta de provas

Fux nega recurso do PGR contra decisão que anulou a operação Satiagraha

Autor

27 de junho de 2015, 15h20

A chamada "operação Satiagraha" deu mais um largo passo em direção à cova. O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, negou seguimento ao recurso interposto pela Procuradoria-Geral da República contra a decisão que anulou toda a investigação por ilegalidade na coleta de provas. A decisão foi proferida no dia 24 de junho e ainda não foi publicada. Para o ministro, "o recurso “manifestamente incognoscível”.

O pedido da Procuradoria Geral da República foi feito em um Recurso Extraordinário, cuja subida ao Supremo foi autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, Fux considerou o recurso “manifestamente incognoscível” — ou seja, questões preliminares impedem o conhecimento do pedido.

O Recurso Extraordinário foi apresentado ao Supremo em 2012. Nele, a Subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo afirma que Superior Tribunal de Justiça, ao anular a "satiagraha", “violou fortemente” a ordem jurídica, social e econômica do país “ao declarar a ilicitude das provas produzidas ao longo da operação "satiagraha", sem sequer especificá-las e dimensionar o que seria, de fato, tal operação, anulando, também desde o início, a ação penal em que o banqueiro Daniel Dantas foi condenado por corrupção ativa".

Ainda em 2011, a defesa alertou para a perda de prazo para recorrer. Na época, a Procuradoria-Geral afirmou que não fora notificada da decisão do Superior Tribunal de Justiça, e por isso o prazo não poderia começar a ser contado. Entretanto, o que aconteceu foi que o último a dar parecer no caso, o subprocurador Eduardo Dantas Nobre, aposentou-se, e o processo não foi redistribuído a tempo. Outra questão discutida na decisão do Ministro Fux é que o recurso trata de matéria infraconstitucional e, portanto, não pode ser recebido pelo Supremo.

Como se sabe, a "satiagraha" foi anulada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em junho de 2011. Por três votos a dois, o colegiado seguiu o entendimento do ministro Adilson Macabu, desembargador convocado, segundo o qual a Polícia Federal violou princípios constitucionais durante a coleta de provas, entendendo que a convocação de agentes da Agência Brasileira de Inteligência, no caso foi feita de forma clandestina e extrapolou as funções do órgão. A Agência Brasileira de Inteligência existe para assessorar a Presidência da República e, na "satiagraha", foi convocada informalmente pelo Delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz para ajudar a fazer escutas telefônicas e diligências.

O Superior Tribunal de Justiça também considerou nula a ação montada pela Polícia Federal, sob comando do Delegado Protógenes, com autorização do juiz Fausto Martin de Sanctis, para provar uma suposta tentativa de suborno de um Delegado da Polícia Federal pelo investigado. A gravação da ação, em vídeo, foi feita por uma equipe da Rede Globo por encomenda do delegado Protógenes. Além disso, constatou-se que a fita, usada como prova, foi editada.

O delegado Protógenes também teria combinado com a TV Globo as datas em que prisões seriam feitas, para que elas pudessem ser filmadas. Por conta da manobra, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal condenou o delegado à perda do cargo de Delegado da Polícia Federal e a prisão por quebra de sigilo profissional (Recurso Extraordinário 680.967). 

Pois bem.

Antes desta última decisão, aplicando o Direito, especialmente "a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos", como afirma Geraldo Prado[1], a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por ausência de mandado judicial específico, já havia declarado a ilegalidade da apreensão, pela Polícia Federal, de computadores e o espelhamento de discos rígidos (HDs) do Banco Opportunity S/A, durante diligências das operações satiagraha e chacal.

A decisão foi tomada na análise do Habeas Corpus nº. 106.566, impetrado na Corte pela defesa do empresário Daniel Dantas. Os Ministros entenderam que as provas colhidas a partir dos HDs devem ser desconsideradas e determinaram, ainda, a imediata devolução do material apreendido à instituição financeira. A decisão unânime foi tomada no dia 16 de dezembro de 2014.

No dia 27 de outubro de 2004, policiais federais cumpriam mandado de busca e apreensão expedido pelo Juiz da 5ª. Vara Federal Criminal de São Paulo no endereço profissional de Daniel Dantas, localizado no 28º. andar de um edifício comercial no centro do Rio de Janeiro. Ao serem informados que a sede do Banco Opportunity ficava no 3º. andar do mesmo prédio, os policiais comunicaram o ocorrido ao juiz substituto, que autorizou, por meio de ofício sem maiores detalhes, o espelhamento [cópia] do disco rígido do servidor da instituição financeira.

O julgamento do caso começou na sessão do dia 09 de dezembro de 2014, quando o relator, ministro Gilmar Mendes, considerou ilegal a diligência. Para ele, o magistrado que despachou o caso no dia da busca e apreensão não foi alertado ou não percebeu que os equipamentos em questão estavam em local diverso do constante no mandado.

“As provas obtidas pela busca e apreensão no terceiro andar do edifício da avenida Presidente Wilson, 231, no Rio de Janeiro, foram ilicitamente adquiridas, a meu ver, porque a diligência contrariou a regra constitucional de inviolabilidade de domicílio do artigo 5º, XI, da Constituição”, frisou o relator ao votar no sentido de que essas provas ilicitamente incorporadas ao processo devem ser excluídas do processo.

A ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos na ocasião e apresentou voto na sessão do dia 16 de dezembro de 2014. Ao acompanhar integralmente o relator, a Ministra entendeu que procede o inconformismo da defesa quanto ao fato de a autorização do juiz substituto ter indicado endereço diverso do constante no mandado original, sem a mesma pormenorização.

“Pelo que se tem nos autos, ao deferir o pedido de espelhamento do HD pertencente ao banco Oportunity, o magistrado ou não foi alertado ou não percebeu que a medida importaria em alteração daquele primeiro, especialmente em relação ao endereço e à necessidade do espelhamento ser feito na forma como foi”, concluiu a ministra.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello concordou com o relator. Segundo ele, mandados de busca e apreensão não podem se revestir de conteúdo genérico, nem ser omissos quanto à indicação, a mais precisa possível – a teor do artigo 243 do Código de Processo Penal – do local objeto dessa medida extraordinária.

"Medidas que contrariam os comandos constitucionais e revelam-se inaceitáveis não podem merecer a chancela do STF, sob pena de subversão dos postulados constitucionais que definem limites inultrapassáveis do poder do Estado em suas relações com os cidadãos", concluiu o decano.

Como é sabido, a expressão popular acima citada significa, mais ou menos, o seguinte: "o que inicia errado acaba errado." É isso aí! Acertou o Supremo Tribunal Federal…

Aliás, buscas e apreensões ilegais, afrontando o Código de Processo Penal, os Pactos Internacionais (o de Costa Rica – art. 8º. e o de Nova York – art. 14) e a Constituição Federal, tornaram-se lugar comum em nosso País, especialmente em operações policiais "espetaculosas" e ridiculamente apelidadas.

A propósito, diante das controvérsias surgidas quando das diligências efetuadas pela Polícia Federal em dois gabinetes da Câmara dos Deputados, autorizadas por ministro da Suprema Corte a pedido do Procurador-Geral da República, afirmou, em nota, o então presidente, Ministro Gilmar Mendes:

"Cumpre esclarecer que: a) a ordem de busca e apreensão fez-se à luz dos procedimentos de praxe, estando respaldada inteiramente pelas boas práticas do devido processo legal; b) entre as expressas cautelas ressalvadas no cumprimento da decisão, o ministro determinou, primeiramente: I) Ciência prévia, mediante ofício, do Exmo. Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, cuja presença será facultada no acompanhamento das diligências em todas as dependências da Câmara; II) Para evitar repercussões inúteis, mas danosas ao prestígio das instituições e, até, ao bom sucesso das operações, estas devem ser realizadas, de preferência, antes do horário de início do expediente e pela autoridade ou autoridades e agentes policiais descaracterizados, sem informação prévia à imprensa e com toda a discrição que comporte a realização das diligências; Tais excertos demonstram às escâncaras o respeito absoluto aos preceitos constitucionais e processuais compatíveis com o pleno Estado Democrático de Direito vigente no país, restando bem preservada a relação institucional entre os Poderes da República."

Aliás, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou sentença do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou S.A.C.V. por vários crimes de estelionato e falsificação de documento particular, em concurso material. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 90.376.

O relator do caso, ministro Celso de Mello, contou que as provas consideradas ilícitas pelo juiz de primeiro grau da 19ª. Vara da Comarca do Rio de Janeiro foram colhidas pela polícia quando S.A.C.V. estava sendo preso por outra condenação. Para o julgador, o juiz de primeiro grau deixou explícito que agentes policiais invadiram o quarto de hotel de S.A.C.V. contra a vontade dele, quando estavam cumprindo um mandado de prisão expedido por motivo de outro processo condenatório.

Entretanto, tal mandado de prisão não viabilizaria a busca e apreensão de objetos que se encontravam no apartamento e que serviram de prova em processo criminal. Ao prover o recurso constitucional, Celso de Mello citou princípio constitucional segundo o qual as provas obtidas por meios ilícitos devem ser repudiadas pelos tribunais por mais relevantes que sejam os fatos por elas apurados (inciso LVI do artigo 5º. da Constituição Federal), uma vez que contaminam a ação penal. Fonte: STF (03/04/2007).

Veja-se que o Superior Tribunal de Justiça não chancela a demora o excesso na medida cautelar; neste sentido:

“Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº. 21.453 – A medida de busca e apreensão atende, no presente caso, aos requisitos legais que disciplinam sua realização (art.240 e seguintes do CPP). Contudo, há que se reconhecer que a medida excede prazo de duração recomendável, pois realizada há mais de sete anos, sendo que não foi deflagrada, até o presente momento, ação penal referente aos fatos em apuração. II – O princípio da razoabilidade, vetor constitucional, embora implícito no texto magno, recomenda que situações como a presente não sejam chanceladas pelo Poder Judiciário, pois se mostram desarrazoadas e divergentes do Estado de Direito.Recurso ordinário provido.”

Ademais, “a finalidade da apreensão deve ser bem definida, ou seja, o objeto deve ser relevante ou imprescindível para a elucidação, prova ou mesmo defesa do réu." (Tribunal Regional Federal da 1ª. Região – Apelação nº. 2004.36.00.002911-8/MT (DJU 17.06.05, SEÇÃO 2, P. 37, J. 24.05.05). 

Para concluir, conta-se que por volta do ano de 1340, o sucessor da Coroa Portuguesa, D. Pedro I, filho do Rei Afonso IV, se enrabichou com a dama de companhia de sua esposa. O nome dela era Inês de Castro. Como os pais do futuro soberano lusitano não aprovaram a diversão amorosa do filho, mandaram Inês para longe da corte, confinando-a em um castelo perto da Espanha.

Para aumentar o drama, a esposa de D. Pedro I, Constança, morreu em 1345. O Príncipe, saudoso das carícias da antiga amante, desobedeceu ao Rei e mandou buscar Inês de Castro, que ficaram juntos por mais de dez anos (tiveram, inclusive, quatro filhos). Nada obstante "a união estável", o Rei mandou três de seus conselheiros matarem Inês e a prole. D. Pedro I, apesar de irado, conformou-se. E assim se passaram mais dois anos, quando o Rei Afonso IV morreu.

A partir daquele momento, o príncipe havia se tornado o Rei de Portugal. Um de seus primeiros atos foi mandar matar os assassinos de sua amada (um deles conseguiu fugir). Logo depois, desenterrou o corpo decomposto de Inês e a posicionou no trono, obrigando toda a corte lusitana a beijar a mão da Rainha. D. Pedro I, finalmente, havia feito justiça (exercício arbitrário das próprias razões?), mas isto não adiantava para trazer Inês de volta a vida.

Daí vem a expressão “agora a Inês é morta”, como referência à solução de uma situação, cujo desastre já aconteceu e, portanto, de nada mais serve, ainda que eivado de boas intenções. Serve, portanto, para que, doravante, a polícia obedeça a lei quando realize uma busca e apreensão, pois se corre o risco de, ao final, todo o trabalho realizado "virar água" ou "dar em pizza".

[1] Prova Penal e Sistema de Controles Epistêmicos, São Paulo: Marcial Pons, 2014.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!