Livre concorrência

Reserva para publicidade nacional
em TV paga viola Constituição, diz Fux

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25 de junho de 2015, 22h06

O julgamento das cinco ações diretas de inconstitucionalidade que questionam dispositivos da Lei 12.485/2011, marco regulatório das TVs por assinatura no Brasil, começou nesta quinta-feira (25/6), no Supremo Tribunal Federal. A norma obrigou as empresas a exibirem um mínimo de conteúdo nacional na programação, estabeleceu restrições para a concentração de propriedade e definiu a competência da Agência Nacional de Cinema (Ancine) para fiscalizá-lo.

Relator das cinco ações sobre o tema, o ministro Luiz Fux votou pela parcial procedência de apenas uma delas (ADI 4.679) para declarar a inconstitucionalidade somente do artigo 25 da lei. O dispositivo estabelece reserva de mercado em favor de agências de publicidade nacionais para veiculação de propaganda comercial nas TVs por assinatura. 

Segundo o relator, o princípio constitucional da igualdade (artigo 5º da Constituição Federal) exige que o tratamento diferenciado entre os indivíduos seja acompanhado de causa jurídica suficiente para amparar a discriminação. “Se analisarmos o mercado de publicidade do Brasil e o estrangeiro, não vamos encontrar nenhuma base de hipossuficiência das agências brasileiras. Não há um fundamento para essa discriminação”, concluiu. Após seu voto, o julgamento foi suspenso. 

No caso das outras ADIs (4.747, 4.756 e 4.923), o ministro manifestou-se pela improcedência, reconhecendo a constitucionalidade do restante da norma. As ações, julgadas em conjunto foram ajuizadas pelo partido Democratas, pela Associação NeoTV, pela Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA) e pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura em UHF (ABTVU).

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Ministro Fux concordou com cota para conteúdo nacional e fiscalização da Ancine

Propriedade cruzada
Entre os diversos tópicos em discussão nas ADIs está o artigo 5º da lei, que restringe a propriedade cruzada, separando as atividades de produção de conteúdo e de transmissão do produto ao consumidor final.

Segundo o ministro relator, as diretrizes constitucionais voltadas a coibir o abuso do poder econômico e a evitar concentração excessiva dos mercados (artigos 170, parágrafo 4º, e 220, parágrafo 5º) permitem combater a ineficiência econômica e a injustiça comutativa existentes em regime de monopólio e oligopólio. No setor audiovisual, para o relator, essas normas se prestam a promover também a diversificação do conteúdo produzido, impedindo que o mercado se feche.

“A restrição à propriedade cruzada e a vedação à verticalização da cadeia de valor audiovisual pretendem, de forma imediata, concretizar os comando constitucionais”, afirmou. A medida, a seu ver, realiza de forma mediata o direito fundamental à liberdade de expressão e de informação, com destaque ao papel do Estado no combate à concentração do poder comunicativo, não havendo, portanto, ofensa à Constituição Federal.

Papel da Ancine
No que diz respeito à atribuição de poderes normativos à Agência Nacional do Cinema (previstos no artigo 9º, parágrafo único, e artigos 21 e 22), o ministro afirmou que o princípio da legalidade chancela essa função ao Poder Executivo, “desde que pautada por princípios inteligíveis capazes de permitir o controle legislativo judicial sobre os atos da administração”.

No caso em análise, os dispositivos questionados, segundo  relator, preveem parâmetros adequados para a conduta de todas as autoridades do Estado envolvidas na disciplina do setor audiovisual, impedindo que qualquer delas se transforme em órgão titular de um pretenso poder regulatório absoluto.

Conteúdo nacional e limite de propaganda
Em relação à reserva para conteúdo nacional, o ministro afirmou que a norma está em consonância com o artigo 221 da Constituição Federal e com o artigo 6º da Convenção Internacional Sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. “Os artigos, ao fixarem cotas de conteúdo nacional, promovem a cultura brasileira e estimulam a produção independente”, assinalou.

Para o relator, o artigo 24 da lei, ao estabelecer tempo máximo de publicidade comercial nas TVs por assinatura, está de acordo com o dever constitucional de proteção do consumidor (artigo 170, inciso V, da Constituição). “Enquanto a radiodifusão baseia suas receitas nas verbas provenientes da publicidade comercializada, a TV paga é suportada primordialmente por receitas oriundas de suas assinaturas”, afirmou. “Nesse contexto, se existe limitação para a primeira, com muito maior razão deve existir para a segunda”.

Estrangeiros e licitação
Quanto à restrição à participação de estrangeiros nas atividades de programação e empacotamento de conteúdo audiovisual de TV por assinatura (artigo 10, caput e parágrafo 1º), o ministro Luiz Fux salientou que a Constituição não proibiu a distinção entre brasileiro e estrangeiro.

Em relação à dispensa de licitação para distribuição do serviço, o relator também afirmou que há concordância com a Constituição. O dever constitucional de licitar, segundo o ministro, somente incide nas hipóteses em que o acesso de particulares a alguma situação jurídica de vantagem relacionada ao Poder Público não possa ser universalizada. Não cabe, a seu ver, a realização de licitação quando a contratação pública não caracterizar escolha da Administração, e todo cidadão possa ter acesso ao bem pretendido.

Disparidade
Segundo o advogado Marcelo Proença, que representou as associações, um dos principais pontos do julgamento é a participação cruzada entre empresas de TV por assinatura e as empresas de radiodifusão (quem produz versus quem veicula). Esse modelo de sociedade ocorre quando uma empresa que produz conteúdo tem uma parcela de uma companhia que veicula esse produto de entretenimento e vice-versa. Hoje, a lei proíbe que uma dessas companhias controle a outra.

O advogado também cita a regra de transição, que delimitaria migração do regime anterior de obtenção de licença para o novo. Proença explica que, independente do sistema de fornecimento de sinal (cabo, satélite, fibra ótica), todas estarão sujeitas ao mesmo regime jurídico regras. Segundo o advogado, essa questão está sendo discutida por causa do rigor excessivo de algumas regras, entre elas a vedação à recomposição financeira.

Proença afirma que a mudança resultaria em uma disparidade, pois as empresas que dispuseram de quantias para poder concorrer a uma licença concorreriam com companhias que irão atuar em outro regime, pagando um valor específico à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “Obviamente há uma desigualdade. Umas prestam serviço pagando uma grana alta. Outras não. Além disso há investimentos necessários para regimes de cotas, determinados especificidades técnicas. Essas empresas não podem de maneira alguma ser ressarcidas”.

A Advocacia-Geral da União argumentou que as restrições à concentração de propriedade previstas na lei buscam tão somente efetivar o artigo 220 da Constituição Federal, que veda a formação de monopólios e oligopólios dos meios de comunicação social.

"O próprio estabelecimento de regras claras para o setor gera um ambiente de segurança jurídica. O ambiente de segurança jurídica, por sua vez, viabiliza o aumento da concorrência. Com a concorrência, os preços tendem a diminuir. Reduzindo os preços, o número de pessoas que terão acesso ao serviço cresce", explicou a secretária-geral de Contencioso da AGU, Grace Maria Fernandes, em sustenção oral no Plenário.

De acordo com a secretária-geral, os números de expansão do mercado de TV por assinatura após a entrada em vigor da lei comprovam a contribuição que o novo marco regulatório deu para o incremento do setor. O número de assinantes do serviço, por exemplo, saltou de 9,8 milhões em 2010 para 19,6 milhões em 2014. Já o faturamento anual das empresas do ramo cresceu de R$ 12,7 bilhões para R$ 32 bilhões no mesmo período. Com informações das assessorias de imprensa do STF e da AGU.

Clique aqui para ler o voto do ministro Luiz Fux.

ADI 4.747
ADI 4.679
ADI 4.756
ADI 4.923

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