Substituição forçada

CDC deve proteger consumidor da obsolescência programada, diz ministro

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25 de junho de 2015, 6h58

O Código de Defesa do Consumidor deve ser alterado para estabelecer que a responsabilidade do fornecedor de bens duráveis segue o critério da vida útil do produto, não o da garantia contratual. Com isso, seria possível combater a obsolescência programada, que também seria declarada abusiva pela norma. A prática consiste em projetar algum produto de forma que, após certo tempo, ele pare de funcionar ou tenha sua capacidade reduzida, forçando o seu dono a comprar um novo.

Sandra Fado
Salomão aponta que e preciso conscientizar cidadão sobre consumo.
Sandra Fado

Essa é a proposta do ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, que será entregue à comissão de reforma do CDC do Congresso Nacional. No I Seminário Brasileiro de Direito do Consumidor Contemporâneo, ocorrido nesta semana na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, Salomão também defendeu que o código obrigue os fornecedores a indicarem nos produtos a vida útil deles e preveja punição para os que praticarem a obsolescência programada, mas sem limitar a evolução tecnológica.

“Vivemos em uma sociedade pós-moderna, de massa, de consumo de massa, onde tudo é induzido a ter vida curta, onde há necessidade de se trocar frequentemente os produtos. É necessário estabelecer um meio-termo: não barrar a evolução tecnológica, a evolução do design, a evolução das coisas como naturalmente ocorre em um regime capitalista, e, ao mesmo tempo, assegurar ao consumidor seus devidos direitos”, analisou o ministro. Para isso, ele sugeriu que normas determinem a vida útil média de diversos bens de consumo.

Além disso, Salomão destacou a necessidade de se educar os consumidores, para que eles se deem conta das estratégias das empresas: “O que é desejável é que eles comprem com razoabilidade. O consumidor tem que comprar sabendo o que está comprando, com informação, com qualificação, de tal modo que isso não implique engessar a economia. Encontrar o ponto de equilíbrio é o xis da questão”. O ministro ainda apontou os benefícios ao meio ambiente de um consumo responsável.

Poucos precedentes
Apesar da importância do assunto, há pouquíssimos precedentes judiciais sobre obsolescência programada. A razão disso é a dificuldade de comprovar a prática, avalia Salomão: “É uma questão muito delicada de identificar no caso concreto. A obsolescência programada depende de prova pericial e de uma série de requisitos para sua caracterização. Também não há muita literatura sobre o assunto”.

Uma das únicas decisões sobre o tema foi do STJ, de relatoria do próprio Salomão (REsp 984.106). No caso, uma fabricante de tratores cobrava o comprador de um veículo desse tipo por reparos do bem, uma vez que a garantia já tinha expirado. Porém, ele contestou a cobrança, afirmando que o defeito da máquina não decorria de desgaste natural ou mau uso, mas que era um defeito de projeto proposital, tratando-se de vício oculto.

Em sua decisão, o ministro entendeu que, em caso de vício oculto relativo ao projeto do item, o prazo para reclamar reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo que a garantia já tenha terminado.

Salomão ainda afirmou na decisão que “a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (artigo 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum”.

Com isso, ele votou pelo desprovimento do recurso da fabricante de tratores, e foi seguido pelos seus colegas da 4ª Turma do STJ.

Leia abaixo as propostas de Salomão para reformar o CDC:

– Inclusão de dispositivo que preveja expressamente a abusividade da obsolescência programada;

– Inclusão de dispositivo que preveja expressamente que a responsabilidade do fornecedor de bens duráveis deve observar o critério da vida útil do produto, e não o da garantia contratual;

– Inclusão de dispositivo referente à obrigação de os fornecedores indicarem nos próprios produtos a vida útil ou o número de utilizações previstas;

– Como medida socioambiental, a partir da ideia de um consumo ecologicamente equilibrado, inclusão de dispositivo que impunha aos fornecedores de produtos maléficos ao meio ambiente a obrigação de coleta de equipamentos obsoletos;

– Regulamentação legal ou infralegal acerca da aplicação de multas administrativas a empresas que comprovadamente praticarem a obsolescência programada em suas diversas formas;

– Certificação por órgão oficial (Inmetro, Secretaria de Direito Econômico/Ministério da Justiça e órgãos ambientais) de empresas comprometidas em combater a obsolescência programada (uma espécie de certificado anti-obsolescência, como o que ocorre com a ISO);

– Regulamentação pela Secretaria de Direito Econômico/Ministério da Justiça e/ou Inmetro (artigo 7º do CDC) sobre a vida útil esperada de produtos em setores industriais estratégicos, como o de eletroeletrônicos e de peças automotivas, com a obrigação de garantia durante esse prazo;

– Contratos públicos: critério de preferência na contratação, pela Administração Pública, de empresas que tenham certificação anti-obsolescência. Alteração da lei de licitações e contratos administrativos;

– Fomentar a existência de disciplinas escolares relacionadas à educação para um consumo sustentável e equilibrado;

– Informação clara ao consumidor acerca dos impactos da atualização de programas ou troca de componentes no que concerne ao desempenho do produto (por exemplo, informar que a atualização da nova versão de softwares pode deixar os aparelhos celulares antigos mais lentos).    

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.

 REsp 984.106

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