Decisão americana

Lei que autoriza inspeção de registros de hotéis sem mandado é anulada

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24 de junho de 2015, 10h06

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, na segunda-feira (22/6) que a lei municipal de Los Angeles, que autoriza a inspeção de registros de hotéis pela polícia, sem mandado judicial, é inconstitucional.

A decisão, por cinco votos a quatro, gerou conflitos entre os ministros da corte. Os quatro ministros liberais, com o apoio do ministro conservador Anthony Kennedy, alegaram que a lei viola a Quarta Emenda da Constituição americana, que proíbe buscas e apreensões sem mandado judicial. Os demais ministros conservadores argumentaram, entre outras coisas, que a decisão vai atrapalhar as investigações policiais.

A Quarta Emenda da Constituição americana, que exige a obtenção de mandado judicial com base em “causa provável”, antes de qualquer busca e apreensão, é uma pedra no sapato da polícia e demais órgãos de segurança dos EUA, que tentam, seguidamente, abrir exceções à regra — se bem que algumas existem.

Nos últimos anos, os tribunais e a Suprema Corte já determinaram que os policiais e demais agentes de segurança devem obter um mandado judicial para obrigar uma pessoa a fazer exame de sangue (no caso de direção embriagada), exame de DNA, inspeção em automóveis parados por outras razões (como velocidade acima do limite), inspeção de telefones celulares confiscados no ato da prisão, colocar GPS em carro de traficantes e outros suspeitos de crime, colocar cachorros para farejar drogas em torno de residências e espionagem por drones.

Porém, a emenda existe para evitar excessos e abuso de poder. De acordo com a decisão no caso dos hotéis e motéis, escrita pela ministra Sonia Sotomayor, a lei municipal “cria um risco intolerável de que as buscas sem mandado judicial excedam os limites impostos pela Constituição e pela legislação pertinente”. E que a lei “pode ser usada como um pretexto para molestar operadoras de hotéis e seus hóspedes”.

De acordo com a decisão, a lei de Los Angeles obriga os hotéis, motéis e qualquer estabelecimento de hospedagem a registrar e manter as informações sobre todos os hóspedes por 90 dias, tornando-as disponíveis, imediatamente, a qualquer policial do Departamento de Polícia da cidade para inspeção, sempre que requerido.

Entre as informações exigíveis estão: nome e endereço do hóspede, número de pessoas hospedadas, a marca, o modelo e o número da placa do carro estacionado em propriedade do hotel, a data e o horário da chegada ao hotel, a data e horário de saída (programada ou consumada), o número do quarto, o valor da diária e o método de pagamento.

Hóspedes sem reservas, que pagam por seus quartos em dinheiro, e qualquer hóspede que aluga um quarto por menos de 12 horas, precisa apresentar uma identificação com foto no ato do check-in e os hotéis são obrigados a registrar o número e a data de expiração dos documentos.

No caso de hóspede que faz o check-in em um quiosque eletrônico, os registros do hotel também devem conter os dados de seu cartão de crédito. Os registros podem ser mantidos em papel ou em algum meio eletrônico, desde que sejam imediatamente disponibilizados ao policial, “on demand”, na área da recepção ou em um escritório adjacente.

Se o dono do hotel não disponibilizar as informações, porque não as registrou ou porque se recusa a entregá-las, cometerá uma contravenção penal, com pena de até seis meses de prisão e multa de US$ 1 mil.

A decisão esclarece, porém, que o dono do hotel pode concordar em fornecer as informações aos policiais ou outros agentes de segurança e, nesse caso, não haverá necessidade de mandado judicial.

No voto dissidente, o ministro Antonin Scalia escreveu que estabelecer obstáculos à capacidade da polícia de checar os registros dos hóspedes irá minar o propósito da lei, que é o de impedir que criminosos usem os hotéis e motéis para fins ilícitos, por forçá-los a se identificar no check-in.

“A lei perderá sua força se a polícia perder o elemento “surpresa” em suas investigações, tanto para prender criminosos, como para se certificar de que os operadores do hotel estão cumprindo a lei”.

Para o ministro, bem como para a polícia dos EUA, a exigência de obtenção de mandado judicial, precedendo suas operações, favorece os criminosos. “Operadores de motel, que conspiram com traficantes e alcoviteiros, podem exigir uma revisão judicial de pré-compliance, apenas como um pretexto para ganhar tempo e fazer registros fraudulentos de seus hóspedes”, escreveu Scalia.

O tema é controverso dentro do Judiciário americano. Nesse caso específico, um juiz de primeiro grau decidiu a favor da lei de Los Angeles, com o argumento de que os donos de hotéis “não têm expectativas de privacidade, no que se refere a seus registros”. Um painel de três juízes do tribunal de recursos local manteve a decisão. Porém, o plenário pleno do tribunal anulou a decisão, com o que a Suprema Corte concordou.

Altamente invasiva
Nos argumentos orais na Suprema Corte, em março, o advogado de Los Angeles, E. Joshua Rosenkranz da banca Orrick, Herrington & Sutcliffe, argumentou que a inspeção dos registros de hotéis é uma prática aceita há muito tempo, porque visa prevenir o crime em um setor estreitamente regulado. Para ele, “esse é um esquema de inspeção menos invasiva que existe”.

Por sua vez, o advogado dos hotéis e motéis, Thomas Goldstein da banca Goldstein & Russell, alegou que a lei é altamente invasiva e destitui os hotéis do “senso de tranquilidade” que é garantido pela Quarta Emenda. “Se a lei for mantida, o governo poderá, a seguir, exigir que todas as empresas mantenham registros de todos os seus clientes e de todas as transações.

“Assim, investigadores poderão aparecer em uma empresa, a qualquer tempo, e exigir a entrega imediata de todas as informações, sem se preocupar com mandados judiciais. Nesse ponto, a Quarta Emenda estará reduzida à nulidade”, afirmou.

De acordo com o The Nationa Law Journal, muitas petições “amicus curiae” foram protocoladas na Suprema Corte. Uma delas foi apresentada pela Google, que se mostrou preocupada com as amplas buscas administrativas a que seus clientes estão sujeitos. A Google explicou que peticionou contra a lei para “defender seus usuários e proteger os direitos à privacidade, no que se refere às informações que coleta, e a preservar sua capacidade de se opor a buscas em seus registros sem mandado judicial”.

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