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Ministro Salomão homenageia Márcio Thomaz Bastos no Palácio do Jaburu

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16 de junho de 2015, 13h09

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O ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão (foto) afirmou nessa segunda-feira (15/6) que o advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, morto em novembro de 2014, deixou um legado “enorme” para o Brasil e para seu tempo.

Em homenagem ao criminalista que aconteceu no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República, Michel Temer, em Brasília, Salomão lembrou com saudosismo dos jantares que oferecia ao amigo, com arroz de pato e vinho, e conversas em que “falávamos de tudo, literatura, arte, atualidades, muito pouco de Direito”.

“O coração pulsa mais forte e uma enorme ideia de vazio tomou conta de minha alma, quando realizei que em nosso jantar já não estaria mais presente o jurista arguto, o advogado experiente e sagaz, ícone da advocacia brasileira, e o Ministro da Justiça que mudou a face do Judiciário de nosso País”, disse o ministro do STJ.

No seu discurso, ele recordou a trajetória profissional de Thomaz Bastos, desde seu ingresso no departamento jurídico da Cesp, passando pela consagração como advogado criminalista e chegando à sua gestão no Ministério da Justiça, onde promoveu a reforma do Judiciário e a revitalização da Polícia Federal.

Leia abaixo a íntegra do discurso do ministro Luis Felipe Salomão:

“Hoje Jörgen, Niels, Ludvig e eu nos apresentamos diante de um tribunal militar. Fomos condenados à morte. Sei que você é uma mulher forte e conseguirá suportar tudo isso, mas quero que compreenda. Eu sou apenas uma coisa insignificante e como pessoa logo serei esquecido; mas a ideia, a vida, a inspiração de que estou imbuído continuarão a viver. Você as verá em todo lugar — nas árvores na primavera, nas pessoas que encontrar, num sorriso carinhoso.”(Kim Bruun foi um marinheiro dinamarquês capturado, condenado e executado pelos nazistas pouco antes do final da guerra e deixou esta carta para sua mãe, em abril de 1945).

Lembrei-me da última vez em que estivemos na minha casa. Foi perto do mês de junho de 2014. Quase sempre  era praticamente um ritual –, quando havia tempo de sobra, ou diante de um compromisso que o prendia à noite na Capital, combinávamos um “arroz de pato” regado a vinho, jantar compartilhado com inúmeros amigos que hoje estão aqui. Todos em volta de Márcio, falávamos de tudo, literatura, arte, atualidades, muito pouco de direito.

Daí porque, alguns meses após seu passamento, iríamos fazer uma homenagem lembrando do Ministro Márcio em um jantar, em minha casa, com o vinho e o “arroz de pato” – como ele certamente gostaria que fosse.

Ficou pequeno demais o local, e, quando fui convidar o Presidente Temer – muitas vezes presente em nossas confraternizações –, Sua Excelência fez questão de um encontro ampliado, no Jaburu, mas mantendo a mesma atmosfera da homenagem que desejavam os amigos, da lembrança dos momentos bons e inesquecíveis, agora com a saudade inesgotável.

Honraram-me sobremaneira, portanto, o eminente Presidente, Michel Temer, e também a família do saudoso e pranteado homenageado, Ministro Márcio Thomaz Bastos, com o convite para, em nome de seus amigos fraternos e admiradores, expressar o sentimento de gratidão, carinho e despedida.

O coração pulsa mais forte e uma enorme ideia de vazio tomou conta de minha alma, quando realizei que em nosso jantar já não estaria mais presente o jurista arguto, o advogado experiente e sagaz, ícone da advocacia brasileira, e o Ministro da Justiça que mudou a face do Judiciário de nosso País.

Cumpro, no entanto, o rito de passagem, buscando fugir ao lugar comum, escapar do lamento em razão da ausência sentida desde sempre.

Como lembra o inesquecível Vieira, “o bem ou é presente, ou passado,
ou futuro: se é presente, causa gosto; se é passado, causa saudade; se é
futuro, causa desejo.”

A revolta comunista explodiu no Brasil, sob o Governo de Vargas, corria o ano de 1935 quando nasceu Márcio Thomaz Bastos, em Cruzeiro-SP, um dos cinco filhos de José Diogo Bastos e Salima Thomaz Bastos.

Seu pai era médico, formado na Federal do Rio, companheiro de Ademar de Barros, tendo seguido carreira política em São Paulo (Prefeito, Deputado por vários mandatos, Secretário de Estado, à época Ministro do Tribunal de Contas).

Márcio, ainda na Faculdade do Largo de São Francisco, elegeu-se Vereador em Cruzeiro, com atuação destacada, revelando, já ali, sua faceta de homem público.

Na oratória não escondia admiração por Carlos Lacerda, que considerava o tribuno mais talentoso do País.

Conheceu Maria Leonor, sua mulher e companheira da vida inteira, desde a adolescência, com quem manteve união por quase cinquenta anos.

Seu início profissional foi junto ao departamento jurídico da CESP, tendo sido lotado na Procuradoria da Assistência Jurídica, onde realizou cerca de 600 júris em defesa dos menos assistidos.

Paulatinamente foi se desligando do vínculo empregatício, iniciando sua banca de advocacia, na qual trabalhou a vida toda.

Realizou júris lendários, como de Lindomar Castilho, Chico Mendes e muitos mais por todo o Brasil, agregando a seu perfil o talento do grande orador.

Paralelamente iniciou participação perante a Ordem dos Advogados paulista, passando por vários cargos até ser eleito Presidente em 1983.

Naquele momento, Márcio já era voz respeitada pela sociedade civil, tendo discursado no comício das “Diretas Já”.

Nesta toada, projetou-se no cenário institucional da advocacia brasileira, eleito Presidente do Conselho Federal da OAB em 1987, com forte atuação junto à Constituinte de 1988.

A preocupação com a justiça social permeou sua vida e sua marcante trajetória profissional.

Aproximou-se do Presidente Lula desde quando este último surgiu como liderança sindical, estabelecendo relação de amizade e respeito que permaneceu por toda sua história.

Assim, não resistiu ao convite para assumir o Ministério da Justiça após a eleição de 2002, embora não fosse sua opção pessoal.

Nessa função, conseguiu empreender inúmeros projetos, como a Reforma do Poder Judiciário e a criação do CNJ e da ENFAM, criando a Secretaria da Reforma, revitalizando a Polícia Federal e iniciando a grande transformação do sistema penitenciário, além de instituir o Departamento de Recuperação de Ativos, dentre outras marcantes iniciativas.

Após o término da missão, retomou a advocacia, exercendo-a com entusiasmo juvenil até seu passamento.

Seu legado é enorme, para o País e para o seu tempo!

Um perfil de Márcio foi escrito há pouco tempo pelo Jornalista Luiz Maklouf Carvalho, na Revista Piauí, e relembrou minha ligação com ele desde quando fui Promotor de Justiça em Cruzeiro-SP, sua cidade natal, numa ocasião em que ele atuou na defesa de um médico. A matéria jornalística revelou os bastidores de algumas indicações para os Tribunais Superiores e, no meu caso, narrou uma passagem interessante. Disse o jornalista:

Voltou à Faria Lima, para agradecer, e lhe deu de presente uma gravata azul-clara da Elle et Lui (no valor de 85 reais, das mais baratas da coleção de Thomaz Bastos). "Fiz o que achei melhor para o País e para o Tribunal", respondeu o criminalista ao desembargador. Salomão depois homenageou o ex-ministro com um jantar. "O vinho tem que ser bom", brincou Thomaz Bastos ao ser convidado. O escolhido foi o argentino Catena Zapata. Tomaram algumas garrafas, comeram um arroz de pato, e o advogado, um divertido contador de histórias, foi o centro das atenções. Usava a gravata azul-clara.

No pórtico principal do velho prédio do Tribunal de Justiça do Rio, onde fui juiz e que conta com mais de 250 anos de história, há três estátuas representando simbolicamente a Lei, Justiça e Equidade, de autoria de um juiz-artista, Deocleciano Martins de Oliveira Filho.

A estátua da Justiça é representada de maneira singular. É um Cristo togado, segurando com uma das mãos o cetro do poder outorgado pelo povo a quem serve, e, com a outra mão, o dedo indicador aponta para a própria consciência.

Atingir a nossa consciência foi a mais valiosa conquista de Márcio Thomaz Bastos".

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