Limite Penal

Intempestividade das razões recursais precisa ser levada a sério

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

12 de junho de 2015, 8h00

Spacca
Interposto o recurso abre-se o prazo para apresentações das razões. Essa sistemática de “dois momentos” é uma peculiaridade do processo penal para os recursos de apelação, recurso em sentido estrito e agravo da execução. A demora na apresentação das razões, para além do prazo previsto em lei, considera-se como mera irregularidade e, por via de consequência, não impede o conhecimento pelos Tribunais. Quando a demora é da defesa, determina-se a intimação do acusado para constituir novo defensor e, ausente, Defensoria. No caso do Ministério Público, contudo, a despeito do disposto nos artigos 801 e 802, do Código de Processo Penal, em regra, conhecem-se das razões, sob o argumento de que não constitui nulidade, mas mera irregularidade.

A questão está mal posta, dado que não se trata de discussão sobre a nulidade do ato, mas a perfeita interposição do recurso. Precisamos, então, na linha do que já defendemos sobre a duração razoável do processo, tanto no Direito Processual Penal (Aury Lopes Jr) como no A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal (Alexandre Morais da Rosa), que o julgamento sem demoras não pode ficar ao alvedrio da parte, dado que se constitui como garantia do processo.

Por isso vale sublinhar a existência de julgado diferenciado que leva a sério a duração razoável do processo. A desembargadora federal Liliane Roriz, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito 0000768-87.2010.4.02.5106, assim ementou a questão:

PROCESSO PENAL. DEMORA INJUSTIFICADA E EXCESSIVA NO OFERECIMENTO DAS RAZÕES RECURSAIS PELO MPF. INTEMPESTIVIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO.

1. É certo que venho acompanhando o entendimento dos Tribunais Superiores, no sentido de que a apresentação a destempo de razões recursais configura mera irregularidade. In casu, porém, a demora de quase dois anos para que o órgão Ministerial oferecesse suas razões ao presente recurso fere qualquer limite de razoabilidade, além do princípio constitucional da duração razoável do processo, deixando de consistir-se em mera irregularidade e passando a hipótese de intempestividade.

2. O lapso injustificado de 2 anos se deveu exclusivamente a fatores da acusação, a que nada contribuiu a ré, sendo que o MPF, em momento algum, buscou trazer aos autos explicações para sua desídia, não podendo o Judiciário compactuar com tais comportamentos.

3. O réu não pode permanecer indefinidamente sem um mínimo de prazo para saber se responderá ou não a uma ação penal, até mesmo porque nosso sistema processual penal trabalha com prazos curtos, justamente em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

4. O próprio Juiz de piso reconheceu a intempestividade das razões de recurso, decisão esta que restou irrecorrida.

5. Recurso em sentido estrito não conhecido.

A motivação dos recursos é condição para verificação da amplitude do objeto impugnado, bem assim estabelecimento do contraditório. O fato de o Ministério Público ter apresentado o desejo de recorrer implica o ônus de apresentar as razões nos prazos respectivos, os quais, não podem ser considerados genericamente como impróprios. Muito pelo contrário, uma vez que se trata da liberdade do sujeito que aguarda a finalização de sua questão processual.

Assim é que precisamos levar a sério o devido processo legal e começar a reconhecer que os prazos para apresentação das razões recursais, complementares à manifestação do desejo recursal, constituem-se como instrumento de garantia do fair play. Não se pode pensar sequer em demora justificada, uma vez que os prazos são peremptórios e organizadores da dinâmica processual. Pensar o contrário é fazer letra morta às regras procedimentais que, no caso, não se constituem em privilégio do Ministério Público e do Juiz. Devem ser cumpridos.

Não apresentadas as razões no prazo de lei, portanto, o recurso não congrega a respectiva motivação e, por via de consequência, não deve ser conhecido por ser parcial na sua estrutura normativa. Cada vez mais precisamos levar o processo a sério.

Para os que entendem equivocadamente tratar-se de mera irregularidade, pelo menos a mesma quantidade de dias deve ser ofertada à defesa, já que o tratamento igualitário deveria prevalecer. O importante, reafirmamos, é o respeito pelas regras do jogo. E os prazos processuais assim o são. Boa semana

Autores

  • é doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

  • é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

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