Atropelo legislativo

Aprovação de doação por empresas foi inconstitucional, diz Daniel Sarmento

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10 de junho de 2015, 17h30

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Sarmento aponta que caberá ao Supremo, no MS 33.630 apontar limites jurídicos para a atuação do Legislativo.
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Ao aprovar a Proposta de Emenda à Constituição 182/2007, que permite o financiamento de campanhas políticas por empresas privadas, a Câmara dos Deputados agiu de forma inconstitucional. Isso porque tal questão só poderia voltar a votação em 2016, uma vez que logo antes da votação da PEC 182/2007, os deputados haviam rejeitado outra emenda que previa o financiamento empresarial a partidos e candidatos. Quem alerta é o advogado Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Ao comentar o Mandado de Segurança 33.630, que questiona a aprovação, da PEC pela Câmara pela Câmara, o professor afirma que cabe ao Supremo Tribunal Federal "mostrar ao sistema político que as normas constitucionais que regem o processo de emenda constitucional são comandos vinculantes, e não meros conselhos que as maiorias legislativas seguem se e quando quiserem".

O mandado, que foi distribuído à ministra Rosa Weber, foi impetrado por um grupo de parlamentares que pretende cassar a medida. Eles dizem que a aprovação da proposta feriu o devido processo legislativo. Sarmento aponta, por exemplo, que as emendas precisam ser apresentadas por no mínimo 1/3 dos deputados, o que não ocorreu nesse caso.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, o advogado aponta que a atuação do STF neste caso é relevante, “não só pela importância da questão discutida, mas também pela sua dimensão pedagógica, pois poderá sinalizar que há limites jurídicos para todas as autoridades, pois no Brasil ninguém está acima da Constituição e das leis”.

Sarmento é autor, em parceria com Cláudio Pereira de Souza Neto, da representação que gerou a ADI 4.650, proposta pelo Conselho Federal da OAB contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual é a importância da manifestação do STF sobre o MS 33.630 para o sistema político brasileiro?
Daniel Sarmento
— O STF tem de mostrar ao sistema político que as normas constitucionais que regem o processo de emenda são comandos vinculantes, e não meros conselhos, que as maiorias legislativas seguem se e quando quiserem. Se permitir agora esta fraude ao processo legislativo [a aprovação da PEC 182/2007], o Supremo abrirá as portas para que outras, sobre os temas mais variados, possam vir depois, desfigurando a Constituição. A atuação do STF neste caso é extremamente relevante, não só pela importância da questão discutida, mas também pela sua dimensão pedagógica, pois poderá sinalizar que há limites jurídicos para todas as autoridades, pois no Brasil ninguém está acima da Constituição e das leis.

ConJur — Quais regras importantes do processo legislativo foram violadas na nova PEC?
Daniel Sarmento
— A Constituição determina que, rejeitada uma emenda, só na sessão legislativa seguinte pode ser apresentada outra sobre a mesma matéria. A Câmara rejeitou em um dia uma emenda que previa o financiamento empresarial a partidos e candidatos. Por isso, não podia, no dia seguinte, aprovar outra emenda autorizando tal financiamento para partidos, pois isso já fora derrotado na véspera. Nova deliberação sobre o tema só poderia ocorrer em 2016. Além disso, as emendas precisam ser apresentadas por no mínimo 1/3 dos deputados, o que não ocorreu. Não é compatível com a Constituição recorrer a um expediente — como o da suposta emenda aglutinativa — para se desviar desta clara imposição constitucional.

ConJur — A PEC 182/2007 contraria o que está estabelecido na Constituição? Seria fundamental mesmo a suspensão da sua tramitação?
Daniel Sarmento
— O processo legislativo da PEC/187 violou claramente a Constituição. Quanto ao conteúdo da PEC, acho que o financiamento empresarial, mesmo aos partidos, sem limites prévios e sem a exclusão das entidades que mantêm intensa relação econômica com os governos — como as empreiteiras que participam de obras públicas e as empresas que têm acesso a créditos generosos dos bancos oficiais —, ofende cláusulas pétreas que salvaguardam a igualdade e o Estado Democrático de Direito. A solução adotada pela Câmara mantém a absoluta promiscuidade entre o poder econômico e o político no contexto eleitoral. E ela preserva a desigualdade do cidadão no processo político, permitindo que a pequena minoria que detém o poder econômico tenha, também na esfera eleitoral, uma força muito maior à da maioria da população.

ConJur — Não poderia ter acontecido mais diálogo nesse caso entre o Legislativo e o Judiciário?
Daniel Sarmento
— Acho legítimo que o Congresso se engaje em um diálogo institucional com o STF no que concerne à interpretação da Constituição, inclusive neste tema. O STF não detém o monopólio da interpretação constitucional — nem mesmo das suas cláusulas pétreas.  Mas, nesse diálogo, há limites que o Congresso deve respeitar, que, na minha opinião, foram claramente transgredidos. Entendo, portanto, que se justifica a suspensão da deliberação parlamentar, especialmente pela clara afronta ao processo legislativo de reforma da Constituição.

ConJur —  O STF estaria fazendo, ao se manifestar sobre o referido MS, controle preventivo de constitucionalidade?
Daniel Sarmento
— Sim, trata-se de controle preventivo, mas em modalidade reconhecida por reiterada jurisprudência do STF: o controle do devido processo legislativo e da observância de cláusulas pétreas, no processo de reforma da Constituição, devidamente deflagrado por parlamentares.

ConJur — A manifestação do STF seria uma interferência no Legislativo? Seria uma afronta à separação dos Poderes?
Daniel Sarmento
— O nosso modelo de separação de poderes contempla mecanismos de freios e contrapesos, e é papel do STF velar pela guarda da Constituição, mesmo quando isso contrarie a vontade das maiorias congressuais. Não se trata, portanto, de interferência indevida no Legislativo, mas do cumprimento, pela corte, do seu papel institucional. Nesse caso, inclusive, a atuação do Supremo nem seria contramajoritária, pois a imensa maioria da população não concorda com o financiamento empresarial das campanhas políticas, como revelam várias pesquisas de opinião.   

ConJur — Na sua opinião, o financiamento empresarial das campanhas eleitorais resulta em violação dos preceitos constitucionais?
Daniel Sarmento
— Certamente não cabe ao STF realizar a reforma política. Mas é seu papel afastar normas e procedimentos que ofendam a Constituição, mesmo quando estes tratem de matéria política. De todo modo, os votos já proferidos pelo STF nesta questão do financiamento empresarial de campanhas, no mínimo, já deram uma contribuição enorme para a democracia brasileira, por tirarem da sombra um assunto importantíssimo, inserindo-a na agenda política e nos debates travados na sociedade civil. Uma decisão do STF na matéria seria muito importante neste momento. Mas ainda mais relevante seria uma mobilização da cidadania, em favor da igualdade e da moralidade na política, que são violadas pelo sistema de financiamento de campanhas vigente, e foram ultrajadas ainda mais pela manobra espúria da Câmara dos Deputados.

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