Órgão respeitado

Ministério Público é instituição séria que atua com responsabilidade

Autor

8 de junho de 2015, 15h26

Em entrevista publicada no 4 de junho na revista eletrônica Consultor Jurídico, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo — o maior tribunal de Justiça do país —, José Renato Nalini, incorreu em equívocos que não podem passar ao largo de retificações.

Ao falar do Ministério Público, o entrevistado assim se expressou: declarou que “não são todos, mas temos promotores que jogam uma notícia no jornal e a partir da notícia ele começa a fazer uma investigação”. “Não tem prazo pra fazer, não tem responsabilidade. Acabam com reputações. Vê-se [o caso da] Escola Base e tantos outros episódios em que a mídia, aliada com Ministério Público, acabou com reputações e nada aconteceu.”

1º) A reputação dos responsáveis pela Escola Base não foi manchada pelo MP — foi por ele preservada
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo equivocou-se ao dizer que “o Ministério Público acabou com reputações no caso da Escola Base”.

Não houve “uso da imprensa” pelo MP no caso mencionado. Quem concedeu entrevistas antes da conclusão do inquérito policial foi o Delegado de Polícia.

Nesse sentido, basta a leitura da reportagem da revista Veja de 1º de maio de 2014 que bem esclarece o ocorrido:

“O caso da Escola Base ocorreu em março de 1994. “X”[1], sua mulher, um casal pais de aluno, professores e um perueiro, foram acusados de abusar sexualmente de crianças no horário de aula. Mesmo sem o término da investigação, o delegado que cuidava do caso determinou a prisão de todos. A escola e a residência dos envolvidos foram depredadas e os acusados ameaçados de linchamento.

Um mês depois, no entanto, diante da fragilidade das provas, a Justiça mandou outro delegado assumir o inquérito. As novas investigações provaram que o caso não passou de uma série de erros das mães de alunos, do delegado anterior e da imprensa. (Leia aqui)

E para que não paire ar de parcialidade no presente texto — escrito por promotores de justiça do MP-SP — em 28 de maio de 2015, ao julgar recurso cível decorrente de ação indenizatória movida pelos prejudicados no caso mencionado (Apelação 0021776-76.2005.8.26.0068), a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (relator Teixeira Leite) trouxe como fundamento o seguinte trecho esclarecedor sobre a atuação do MP no caso concreto:

“A título de esclarecimento, à época da reportagem, estava em andamento inquérito policial, instaurado em 2002. Por duas vezes, o Ministério Público requereu seu arquivamento, primeiro, por ausência de prova da materialidade, depois, por extinção da punibilidade. Por meio de recurso em sentido estrito, a vítima conseguiu a continuidade do processamento, mas se negou a se submeter a novos exames. Em 2009, sem prova da materialidade, o parquet deixou de oferecer denúncia e opinou mais uma vez pelo arquivamento do inquérito, determinado, enfim, pelo Juízo (fls. 162/179).
[…]
A conduta da emissora, em suma, desbordou a mera informação de fato. Agiu, em verdade, com o objetivo de chocar, comover, chamar a atenção do telespectador, prender a audiência…”

Portanto, de se ver que o exemplo utilizado pelo entrevistado para se referir a uma atuação midiática do Ministério Público não contém qualquer sustento fático.

O equívoco por si é lamentável.

Mas não é só.

O presidente do TJ-SP já integrou o Ministério Público paulista, tendo ingressado em 1973 e, mediante novo concurso, ingressou na magistratura do Estado de São Paulo em 1976.

Em passado recente (27 de fevereiro de 2014), o presidente do TJ-SP utilizou as seguintes palavras para se referir ao Ministério Público:

“O Ministério Público e a magistratura são instituições xifópagas, muito vinculadas e de intensa relação, instituições de amizades sólidas e, por isso, não há motivos para que nós não possamos atuar juntos. Temos de dar bons exemplos, pois quando Promotores e Juízes não se entendem há desconfiança e descrédito das instituições. O interesse mútuo é o de servir a população”. (grifo nosso – Leia aqui).

Parece também ter olvidado o “pacto” por ele e por diversas Instituições Bandeirantes: o da “Justiça Cordial”, firmado em 15 de abril de 2014.

Em solenidade, de iniciativa do próprio TJ-SP e realizada no Palácio da Justiça com a presença do procurador geral de Justiça Marcio Elias Rosa, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Renato Nalini, falou em nome de todos os signatários:

“Vamos mostrar que a Justiça pode ser feita com polidez, cordialidade e ternura, porque a misericórdia não faz mal à jurisdição”. (grifo nosso).

Em tal ocasião foi proferida palestra pelo reconhecido filósofo Mario Sérgio Cortella, ocasião em que assim se manifestou:

“A cordialidade é algo que enfeita a vida”, disse. “Eu sou caipira e no mundo caipira tem coisa que orna e coisa que não orna. Na vida e na relação entre as pessoas, tem coisa que orna e coisa que não orna. O que não orna? Agressividade, arrogância, desprezo. O que orna? Cordialidade, polidez e gentileza.” Em seguida, citou uma frase que atribuiu a Martinho Lutero ou a Gabriel Garcia Márquez: “Um homem só deve olhar a outro de cima para baixo quando for para ajudá-lo a se levantar”. E continuou: “Não é casual que a balança da Justiça se equilibra quando os dois lados estão na mesma altura”.
        

Cortella falou ainda sobre humildade e respeito às diferenças, lembrando o educador Paulo Freire:

“Ele dizia que era pequeno, para poder crescer. Gente grande de verdade sabe que é pequeno e, por isso, cresce. Gente muito pequena acha que já é grande e o único modo dela crescer é rebaixando os outros”.

“A cordialidade tem que ser uma prática cotidiana. Ela não é automática, pois já perdemos um pouco disso. Antigamente, no Interior, ao caminhar na rua, todas as pessoas se cumprimentavam, independentemente de serem conhecidas. Quem faz isso hoje em dia? A cordialidade tem que ser consolidada como algo que nos dignifica.”

E concluiu sua palestra analisando a frase: A vida é muito curta para ser pequena.

“O que apequena a vida é levá-la de forma banal, fútil e arrogante. Por isso, como cidadão, eu agradeço a todos que estão envolvidos neste projeto (Justiça Cordial) que tenta impedir que a gente se habitue a qualquer tipo de ‘coisa podre’.” (Leia aqui).

Parece que para o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, a cordialidade de que tratava o Pacto tinha “limites geográficos circunscritos aos espaços forenses” e não abrange “espaços jornalísticos”.

2º) O Ministério Público é instituição séria, respeitada e tem responsabilidades
Da forma como veiculada, a mensagem do presidente do TJ-SP leva o leitor a crer que o Ministério Público pode fazer o que quiser em sua atuação, ao arrepio da lei.

Tal qual o Poder Judiciário, o Ministério Público possui corregedorias gerais no âmbito dos Ministérios Públicos estaduais, federal, do trabalho e militar, além de possuir órgão nacional de controle: o Conselho Nacional do Ministério Público, composto por 14 membros, sendo 4 integrantes do Ministério Público da União, 3 membros dos Ministérios Públicos estaduais, dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça, dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal, que ainda possui uma Corregedoria Nacional do Ministério Público.

As notícias de abuso e violação do dever funcional por membros do Ministério Público devem ser encaminhadas para apuração às Corregedorias Gerais dos Ministérios Públicos competentes e/ou à Corregedoria Nacional (CNMP) e não veiculadas de forma generalizada pela imprensa, o que somente gera prejuízos institucionais irreparáveis.

O Ministério Público foi cunhado de forma ímpar e louvável na Constituição Federal de 1988, a fim de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, tornando-se uma das mais respeitadas instituições brasileiras, talvez a principal combatedora de grandes criminosos, corruptos, degradadores ambientais, violadores de direitos de crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, enfim, todas as sortes de desigualdades tão arraigadas no Brasil.

Tamanha a importância do Ministério Público no país que:

1) Houve apoio incondicional da população contra a aprovação da PEC 37 (que tinha como objetivo acabar com o poder de investigação do Ministério Público), levando às ruas, apenas para citar como exemplo o Município de São Paulo[2], cerca de 30 mil pessoas na emocionante tarde de sábado do dia 22 de junho de 2013, o que culminou com a expressiva votação de rejeição da PEC 37 na Câmara dos Deputados (430 votos contra a aprovação da emenda, 9 favoráveis, 2 abstenções) na noite de 25 de junho do mesmo ano.

2) Na decisão do RE 593.727-MG (com repercussão geral), o ministro Celso de Mello proferiu voto vencedor na decisão plenária ocorrida em 14 de maio, gerando a seguinte tese, acolhida pela Corte Suprema:

“O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade — sempre presente no Estado democrático de Direito — do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição.”

É sabido que todos os grandes escândalos de corrupção, nas esferas municipais, estaduais e federal somente têm gerado condenações, pelo Poder Judiciário, em razão de ações penais e civis movidas pelo Ministério Público, demonstrativo da importância imensurável da instituição, que não pode ser injustamente criticada.

A atitude do presidente do TJ-SP é, portanto, lamentada pelos subscritores, que aguardam oportuna retratação, única forma de restauração da ranhura institucional causada pelas equivocadas informações levadas à imprensa jurídica nacional.

*Artigo de autoria dos promotores de Justiça do Ministério Público de São Paulo Aluisio Antonio Maciel Neto, Cássio Roberto Conserino, Fernando Henrique de Moraes Araujo, José Reinaldo Guimarães Carneiro, Luciano Gomes de Queiroz Coutinho, Luis Claudio Davansso, Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, Rafael Abujamra, Tiago Dutra Fonseca, Tiago de Toledo Rodrigues e Tomás Busnardo Ramadan.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!