Contrato de gaveta

Imóvel financiado pelo SFH e hipotecado não pode ser objeto de usucapião

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8 de junho de 2015, 14h58

Não é possível reconhecer direito a usucapião de imóvel adquirido pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e transferido por contrato de gaveta a terceiros que tinham pleno conhecimento da existência de hipoteca. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo o voto do relator, ministro Villas Bôas Cueva. Segundo ele, a posse decorrente de contrato de promessa de compra e venda, por ser incompatível com o animus domini (ânimo de dono), em regra, não ampara o pedido de usucapião.

No caso, o imóvel, comprado mediante financiamento e hipotecado em favor do Banco Meridional — que cedeu o crédito à Caixa Econômica Federal —, foi transferido por contrato de gaveta. Posteriormente, a Caixa adjudicou judicialmente o imóvel. Os compradores chegaram a ajuizar ação contra a Caixa na tentativa de renegociar o débito do financiamento habitacional.

Na ação de usucapião, eles alegaram que, a partir da adjudicação do bem, ocorrida há mais de uma década, caberia à Caixa tomar as providências para requerê-lo, mas não o fez, vindo a se configurar a posse sem contestação pelo prazo previsto em lei.

O tribunal de origem negou o direito de usucapião, fundamentando sua posição na posse precária, no caráter público do SFH e na finalidade social do mútuo habitacional, que possibilita a aquisição de moradia a baixo custo pela população.

Para a corte local, “admitir que ocupantes de imóveis financiados por programas habitacionais governamentais possam adquirir esses bens por usucapião prejudica toda a coletividade que depende do retorno dos recursos mutuados ao sistema”. O tribunal também não reconheceu ter havido a posse pacífica. A Caixa então recorreu ao STJ, que também negou o direito de usucapião.

Wilson Dias/ABr
Villas Bôas Cueva aponta que usucapião exige todos os elementos previstos no artigo 1.238 do Código Civil.
Wilson Dias/ABr

De acordo com o ministro Villas Bôas Cueva, o usucapião extraordinário exige a comprovação simultânea de todos os elementos caracterizadores do instituto, constantes do artigo 1.238 do Código Civil — especialmente o animus domini, que é a condição subjetiva e abstrata que se refere à intenção de ter a coisa como sua, exteriorizada por atos de verdadeiro dono.

No caso dos autos, o ministro entendeu que a posse não foi exercida com animus domini, pois houve um contrato de gaveta para cessão dos direitos e obrigações do contrato de financiamento. Ficou claro, segundo ele, que os cessionários sabiam que o imóvel havia sido financiado e era hipotecado, “ou seja, havia a ciência do potencial direito dominial de outrem”.

“O artigo 1.238 do CC exige como um dos requisitos do usucapião a existência de posse própria (‘possuir como seu’), o que é incompatível com a presente hipótese, em que a oneração do imóvel por hipoteca, desde a data da aquisição da propriedade, implica a impossibilidade de se entender presente a posse com ânimo de dono. De fato, a existência do gravame sobre o imóvel em sua matrícula evidencia que os recorrentes tinham ciência de que o bem serviu como garantia do crédito mutuado para sua aquisição”, afirmou o relator.

De acordo com o ministro Villas Bôas Cueva, reconhecer o direito de usucapião nessas situações seria premiar o inadimplemento contratual com a aquisição do bem. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1.501.272

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