Solução de conflitos

Nova lei exclui de arbitragem até contratos de trabalhador com alto cargo

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla professor advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz procurador e auditor fiscal do Trabalho.

5 de junho de 2015, 10h45

Há intenso debate a respeito da aplicação da arbitragem no âmbito das relações de trabalho. O tema apresenta especial interesse, inclusive em face da recente Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, que estabeleceu relevantes modificações quanto à arbitragem.

No âmbito dos conflitos coletivos de trabalho, a Constituição da República expressamente prevê a possibilidade da arbitragem (art. 114, §§ 1º e 2º). No mesmo sentido, destacam-se as previsões da Lei 7.783/1989, art. 3º, caput, sobre o direito de greve, e da Lei 10.101/2000, art. 4º, inciso II, sobre a participação nos lucros ou resultados.

A arbitragem é forma extrajudicial de solução de conflitos, mas tem natureza heterônoma, pois um terceiro (ou seja, o árbitro) decide o litígio, por meio da sentença arbitral. É estabelecida por meio da convenção de arbitragem, que engloba a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei 9.307/1996).

Entende-se que a arbitragem voluntária não afronta a garantia fundamental do direito de ação e o princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988), pois a escolha da via arbitral fica a cargo das partes, não sendo imposta por lei (art. 1º da Lei 9.307/1996).

Nesse sentido, o Código de Processo Civil de 2015, no art. 3º, proíbe que se exclua da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. Ainda assim, é permitida a arbitragem, na forma da lei. Quanto ao tema em estudo, cabe salientar que a Lei 9.307/1996, no art. 1º, restringe a possibilidade de arbitragem “a direitos patrimoniais disponíveis”.

O Direito Individual do Trabalho, não obstante, tem como um de seus princípios fundamentais o da irrenunciabilidade, sendo as suas normas de ordem pública, dotadas de certo grau de indisponibilidade[1].

Logo, o entendimento majoritário é no sentido de que a arbitragem, quanto ao Direito do Trabalho, apenas é aplicável ao âmbito coletivo, sendo incompatível com as relações individuais de emprego. Nesse sentido, destaca-se a seguinte decisão:

“Recurso de revista. Coisa julgada. Incompatibilidade do instituto da arbitragem com o Direito do Trabalho. Indisponibilidade dos direitos e princípio da hipossuficiência. No direito do trabalho não há como se entender compatível a arbitragem, pela inserção no contrato de trabalho da cláusula compromissória, ou pelo compromisso arbitral posterior ao fim da relação contratual, com o fim de solucionar o conflito decorrente da relação de emprego, visto que a essência do instituto é a disponibilidade dos direitos que as partes pretendem submeter, conforme art. 1º da Lei da Arbitragem. Ainda que se recepcione, em diversos ramos do direito, a arbitragem como solução de conflitos que acaba por desafogar o Judiciário, é preciso enfrentar que o ato de vontade do empregado não é concreto na sua plenitude, no momento da admissão na empresa, em face da subordinação ínsita ao contrato de trabalho e à hipossuficiência do empregado, a inviabilizar que se reconheça validade à sentença arbitral como óbice ao ajuizamento de ação trabalhista, porque incompatível com os princípios que regem o direito do trabalho. Isso porque à irrenunciabilidade e à indisponibilidade está adstrita ao conteúdo do contrato de trabalho em razão do princípio fundamental a ser protegido, o trabalho, e as parcelas de natureza alimentar dele decorrentes, por consequência. Para submeter o conflito trabalhista ao juízo arbitral necessário seria relevar todos os princípios que regem esse ramo do direito, em especial a hipossuficiência, presumida em face da relação contratual em que se coloca o empregado, como a parte mais fraca, a indisponibilidade das verbas decorrentes do trabalho, a sua natureza alimentar e, em especial, a impossibilidade da manifestação volitiva plena, própria do processo arbitral. Recurso de revista conhecido e provido para afastar a coisa julgada e determinar o retorno dos autos ao eg. TRT para o julgamento da pretensão, como entender de direito.” (TST, 6ª Turma, RR-2253/2003-009-05-00.9, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 15.05.2009).

Apesar disso, há decisão do Tribunal Superior do Trabalho, proferida em dissídio individual, que considerou válida a arbitragem, como se observa a seguir:

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Juízo arbitral. Coisa julgada. Lei 9.307/1996. Constitucionalidade. O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal dispõe sobre a garantia constitucional da universalidade da jurisdição, a qual, por definir que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, não se incompatibiliza com o compromisso arbitral e os efeitos de coisa julgada de que trata a Lei 9.307/1996. É que a arbitragem se caracteriza como forma alternativa de prevenção ou solução de conflitos à qual as partes aderem, por força de suas próprias vontades, e o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal não impõe o direito à ação como um dever, no sentido de que todo e qualquer litígio deve ser submetido ao Poder Judiciário. Dessa forma, as partes, ao adotarem a arbitragem, tão só por isso, não praticam ato de lesão ou ameaça à direito. Assim, reconhecido pela Corte Regional que a sentença arbitral foi proferida nos termos da lei e que não há vício na decisão proferida pelo juízo arbitral, não se há de falar em afronta ao mencionado dispositivo constitucional ou em inconstitucionalidade da Lei 9.307/1996. Despicienda a discussão em torno dos arts. 940 do Código Civil e 477 da CLT ou de que o termo de arbitragem não é válido por falta de juntada de documentos, haja vista que reconhecido pelo Tribunal Regional que a sentença arbitral observou os termos da Lei 9.307/1996 – a qual não exige a observação daqueles dispositivos legais e não tratou da necessidade de apresentação de documentos (aplicação das Súmulas 126 e 422 do TST). Os arestos apresentados para confronto de teses são inservíveis, a teor da alínea a do artigo 896 da CLT e da Súmula 296 desta Corte. Agravo de instrumento a que se nega provimento” (TST, 7ª Turma, AIRR 1475/2000-193-05-00.7, Rel. Min. Pedro Paulo Manus, DJ 17.10.2008).

 

Posteriormente, a Subseção I de Dissídios Individuais do TST firmou o entendimento quanto à incompatibilidade da arbitragem para a solução de conflitos individuais trabalhistas, conforme o seguinte julgado:

“Arbitragem. Aplicabilidade ao Direito Individual de Trabalho. Quitação do Contrato de Trabalho. 1. A Lei 9.307/1996, ao fixar o juízo arbitral como medida extrajudicial de solução de conflitos, restringiu, no art. 1º, o campo de atuação do instituto apenas para os litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Ocorre que, em razão do princípio protetivo que informa o direito individual do trabalho, bem como em razão da ausência de equilíbrio entre as partes, são os direitos trabalhistas indisponíveis e irrenunciáveis. Por outro lado, quis o legislador constituinte possibilitar a adoção da arbitragem apenas para os conflitos coletivos, consoante se observa do art. 114, §§ 1º e 2º, da Constituição da República. Portanto, não se compatibiliza com o direito individual do trabalho a arbitragem. 2. Há que se ressaltar, no caso, que a arbitragem é questionada como meio de quitação geral do contrato de trabalho. Nesse aspecto, a jurisprudência desta Corte assenta ser inválida a utilização do instituto da arbitragem como supedâneo da homologação da rescisão do contrato de trabalho. Com efeito, a homologação da rescisão do contrato de trabalho somente pode ser feita pelo sindicato da categoria ou pelo órgão do Ministério do Trabalho, não havendo previsão legal de que seja feito por laudo arbitral. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega provimento” (TST, SBDI-I, E-ED-RR-79500-61.2006.5.05.0028, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 30.03.2010).

Mais recentemente, a Lei 13.129, publicada no Diário Oficial da União de 27 de maio, com entrada em vigor depois de 60 dias dessa publicação (art. 5º), alterou a Lei 9.307/1996, bem como a Lei 6.404/1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral.

O Projeto de Lei 406/2013 do Senado (7.108/2014 na Câmara dos Deputados), que deu origem ao referido diploma legal, acrescentava o § 4º ao art. 4º da Lei 9.307/1996, com a seguinte redação:

“Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição”.

Esse dispositivo, entretanto, foi vetado. Pretendia-se fazer com que, nos casos de contratos individuais de trabalho firmados com empregados considerados “altos” executivos, ou seja, que exercem funções de elevada hierarquia na empresa, mais especificamente de administrador ou de diretor, fosse admitida a instituição de cláusula compromissória.

Não bastaria, entretanto, simplesmente exercer função de confiança, nem de gerência, sendo necessário desempenhar funções de administração ou direção da empresa. Ainda assim, a cláusula compromissória só seria apta a produzir efeito se o próprio empregado em questão tomasse a iniciativa de instituir a arbitragem ou, alternativamente, se concordasse expressamente com a sua instituição.

Cabe esclarecer que a cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato (art. 4º, caput, da Lei 9.307/1996).

Portanto, o objetivo era passar a admitir o estabelecimento de cláusula compromissória em contrato individual de trabalho de empregado que exerce as funções de administrador ou de diretor da empresa, conforme previsão no estatuto da pessoa jurídica.

Por meio dessa convenção, as partes do referido contrato individual de trabalho se comprometeriam a submeter à arbitragem os litígios que pudessem surgir e fossem decorrentes desse contrato. Entretanto, para que esse efeito fosse produzido e validamente reconhecido, o mencionado empregado é que deveria tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, de forma expressa, com a instituição da arbitragem pelo empregador.

De todo modo, conforme as razões do veto quanto à previsão do mencionado Projeto de Lei 406/2013 (7.108/2014):

“O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral”.

Com isso, ganhou força o entendimento, que já era majoritário na jurisprudência, no sentido da incompatibilidade da arbitragem no âmbito da relação individual de emprego.

 


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 98-100.

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  • Brave

    é advogado, livre-docente pela Faculdade de Direito da USP e professor universitário. É doutor em Direito pela mesma instituição, especialista e pós-doutorado em Direito pela Universidad de Sevilla e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Foi juiz do Trabalho, procurador do Trabalho e auditor fiscal do Trabalho.

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