Senso Incomum

E mandaram o Magnífico Reitor se calar; e ele... se calou! Sinal dos tempos!

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4 de junho de 2015, 8h00

Spacca
Caricatura Lenio Luiz Streck (nova) [Spacca]O que me leva a escrever esta coluna é um artigo que li na Folha de S.Paulo e um conjunto de acontecimentos ocorridos em importantíssima Universidade Federal localizada no Rio de Janeiro, dos quais tomei conhecimento inclusive por intermédio de fotos. Fatos e fotos. Deixo de publicá-las e tampouco falarei dos nomes dos personagens, em respeito à Instituição e aos professores que não compactuam com o estado de natureza que tomou conta daquela Casa de ensino (e de outras em Pindorama) e que reflete uma protoanomia que parece tomar conta de Pindorama.

Com efeito, o professor da USP, Francisco Carlos Palomanes Martinho, escreve corajoso artigo na Folha de S.Paulo (ver aqui), intitulado A Universidade não é uma ágora. Diz que a USP é terra sem lei e sem hierarquia, onde os alunos tomam conta do espaço público e transformam em trincheiras de “coletivos” e reivindicações de toda a ordem, ignorando que a maioria da população sequer sabe em que lugar fica a USP e o que lá se faz. Lá não se pode nem colocar câmeras para controlar furtos e outros atos, porque os grupos (os coletivos, etc) impedem, porque isso seria “controle”. Até os móveis das salas de aula são transformados em material para, pasmem, barricadas. Palomanes Martinho, em síntese conclusiva, diz que é impossível garantir o bom funcionamento. A Universidade é o espaço da anarquia. Bingo. Nelson Rodrigues dizia que tudo o que está aí é fruto de muito esforço… Penso que esse resultado é fruto de muito sacrifício e muito esforço (do mesmo tipo de gente que chama o reitor do Rio pelo nome e mandam-lhe calar a boca e lhe impedem de ir ao banheiro desacompanhado, como contarei na sequência). Claro que não são apenas estes os culpados. Os culpados são os que deixaram que esse tipo de estado de coisas frutificasse. Como disse, são anos e anos de muito “esforço”.

Aproveitando o ensejo, achei pertinente ligar esse relato com o que ocorre(u) no Rio de Janeiro. Tenho fotos estarrecedoras. A sala do Conselho tomada por banners e bandeiras de movimentos sociais, facções, coletivos, etc. Típica coisa meiaoitista ou um Woodstock universitário tardio. Em outra Universidade pública, ao mesmo tempo, ocorria algo semelhante. Vejam a manchete do jornal: Não há diálogo com a barbárie. Outra manchete, no O Globo de 23 de maio de 2015: Reitor fecha UERJ por medo dos alunos. Bingo! Mas o Reitor não tem autoridade para acabar com isso? Ah, esqueci. Ele(s) — o(s) reitor(es) — não pode(m) chamar ajuda, porque o campus universitário é território independente, soberano. Precisa visto e passaporte para alguém de fora entrar…! Ah, se o povo soubesse…

Continuo. Em reunião do Conselho Universitário da importante Universidade Federal do RJ, o tumulto já começou quando um professor anunciou o Reitor: — Anuncio a presença do magnífico Reitor… Ao que foi vaiado, com palavras do tipo “magnífico é o c…..”. Lindo, não? E a população paga universidade, concede cotas, comida, café… para que façam isso? Isso é praticamente improbidade administrativa (de quem está concedendo tudo isso a quem não faz jus). Cenas: Uma aluna — que faz parte de um dos diversos “coletivos” — interrompe o Reitor, colocando-lhe a mão no rosto e diz: Cala, fulano, cala, fulano. Quando o Reitor disse que tinha de ir ao banheiro, pedindo desculpas por ter de sair, uma aluna veio atropelando, subindo nas cadeiras e mesas, gritando: você não vai sair sozinho, Fulano, eu vou ao banheiro com você, você não vai fugir. E foi! Binguíssimo!

Os alunos da mesma Casa educativa foram reivindicar melhorias nas condições do alojamento. Levaram pão e café que são oferecidos aos estudantes. Quase enfiaram na boca do Reitor, dizendo: “Coma este pão, Fulano. Beba este café. Coma. Beba”. E chegaram a colocar o pão na boca do pobre Reitor ou bem próximo a isso. Consta também que na mesma Universidade, foi feita uma reunião sobre as bolsas. Havia um numero x de bolsas. Mas foi aprovado um número dez vezes maior ou algo assim, sob o argumento revolucionário de “o governo que resolva”.

O clima que vivemos dá azo a comentários como de uma aluna, no salão nobre da Universidade, onde tem um quadro retratando a Regente Princesa Isabel, assinando a Lei Áurea. Ela está de joelhos. Diz uma aluna revolucionária: absurdo que nesta sala só tenha um quadro retratando mulheres. E o que tem apresenta uma mulher de joelhos… Quer dizer: só estocando alimentos. O caos é iminente. Ou já está aí.

Consta também que uma das propostas que circula na Universidade é expulsar a Procuradoria, porque, afinal, a Universidade tem autonomia. Bingo de novo. Sem contar que, enquanto a LDB (quer dizer Lei de Diretrizes e Bases da Educação de Pindorama) diz que, na eleição para Reitor, o peso dos votos dos professores é de 70%, ali a distribuição é um terço para professores, apenas. Mas, diriam os componentes dos “coletivos”, “— a LDB não vale nada mesmo. Leis… Leis para quê? A lei é instrumento de opressão. É superestrutura. Faz parte dos aparelhos ideológicos do Estado! Abaixo as leis”!

Por que 1/3 para professores, 1/3 para técnicos administrativos e 1/3 dos votos para alunos? “Ah, porque é democrático!” Mas a lei prevê (e com boas razões, pois não?) que, como se trata de uma Universidade, os professores é que devem conduzir os rumos e decidir quem deve ser o reitor. Por isso, o número não-cabalístico de 70%! “— Ah, mas a lei não é democrática; por isso vamos ignorá-la; façamos a nossa democracia, ” são alguns dos argumentos ouvidos nos corredores. Mas, o pleito de estudantes, pasmem, não para por aí. Eles querem que se altere o modelo ilegal e inconstitucional 1/3-1/3-1/3… para pior. A proposta é: “cada cabeça, um voto”. Sim, elem querem 100%. O voto de um professor vale tanto quanto o voto de um aluno (esteja ele no 1º período ou no 10º). Maravilha! Jabuticabeiras em flor! Descobrimos a pólvora! Por que não contamos isso para o resto do mundo? Vamos ganhar o Nobel. Finalmente um prêmio Ig-Nobel para Pindorama. Suécia, aqui vamos nós (com dinheiro público, é claro — não resisto ao sarcasmo)! Vamos explodir tudo! Uma fórmula da mais verdadeira democracia radical. Não contem para Habermas, por favor. Só para registrar o que o diz o parágrafo único do artigo 56 da LDB :

Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.

Binguíssimo! É difícil de interpretar isso, não? Quem interpretou que 70% pode ser 1/3 deve ter aprendido hermenêutica com a Sereníssima República, de Machado (não vou explicar o conto; afinal, alunos revolucionários não tem tempo para ler esse chato do Machado de Assis…).

Tudo isso representa o simbólico de um estado de coisas. Leniência, esgarçamento. Alguém ajudou a construir tudo isso. Pois é. Alguém arrisca um palpite? Hegel, em um determinado momento, perguntou, na aurora do século XIX: Ist  Deutschland kein Staat mehr?  (A Alemanha não é mais um Estado?). É a mesma pergunta que faço sobre Pindorama. Quando vejo esse estado d’ arte, receio pela resposta. No meio da crise, o Parlamento vota aumentos de despesas e “jabutiza” um R$ 1 bilhão para construir não-se-sabe-bem-o-quê. E faz-se um silêncio eloquente.

Tudo o que está ai é fruto de “muito esforço” (o estagiário levanta a placa com os dizeres “ironia e sarcasmo”!). Séculos de patrimonialismo e outros quetais. Quando há chance de mudar, ocorre um fenômeno tipicamente jabuticabal: enlambuzamento, palavra, para os limites deste texto, autoexplicável. Problema: a raposa vai ao moinho e um dia perde o focinho.

Acham que o que deu errado em Pindorama é geração espontânea?  Acham que o menino acusado de matar o médico no Rio de Janeiro passou por mais de uma dezena de delitos, idas e vindas de vários internamentos (é proibido proibir, certo?), tudo isso é “assim”, de graça? Não. Isso é fruto de muito esforço da sociedade, do Estado, do discurso fofinho dos mesmos que mandam o Reitor calar a boca e lhe esfregam um pedaço de pão dormido na cara (assim os alunos reclamam da qualidade do café da manhã, que, registre-se, o Estado fornece todos os dias, além da Universidade gratuita), enquanto milhões tem de pagar pelo café e, com seus impostos, financiar o estado de natureza nas Universidades públicas.

Na universidade que foi capa do jornal citado acima (reitor fechou as portas com medo de alunos), alunos (uma minoria, felizmente), fizeram barricadas com cadeiras nas portas das salas (ver aqui) para impedir que os professores dessem aulas (e de outros alunos assistirem). Ao formato das comunas de Paris: “— Não passarão! Não passarão!” Em que tempo da história eles estão? Parecem saudosistas de um tempo que não viveram.

Em outra universidade pública do mesmo Estado, o slogan de estudantes (estes [a minoria] que dizem representar os outros [a maioria]) era: “— Da aula eu abro mão, quero alojamento, salário e bandejão!” Como assim “Da aula eu abro mão!”? Quer dizer que, se tiver bons alojamentos e um bandejão em cada campus (tudo financiado pelo dinheiro público), os alunos (estes) ficam satisfeitos? E as aulas? Das aulas, eles abrem mão? O que é a universidade, afinal? Ah, para explicar o grito de guerra: ao menos não reivindicavam salários. A reivindicação por salários é em solidariedade aos terceirizados, que não estavam recebendo. E o que aconteceu mais recentemente? Estudantes decretaram greve em uma unidade desta mesma universidade. Pela greve, segundo os alunos, as aulas estão suspensas, o que significa que os professores não podem lançar faltas. Fantástico!

É interessante saber em quais das melhores universidades do mundo os alunos votam. Ainda mais tendo 1/3 dos votos. Vamos exportar este maravilhoso modelo de democracia universitária! Duvido que esses alunos queiram eleger o piloto do avião. E duvido que, na hora de uma cirurgia, queiram eleger o médico que irá operá-los. Ah, Lenin e seu texto sobre o esquerdismo. Deve estar se revirando no mausoléu do Kremlin. E Marx também.

Sigo. A corrupção na Petrobras e afins igualmente é fruto de muito esforço; o perigo da teoria da “bosta seca” também (ler aqui); e a propaganda do PDT que aparece na TV criticando as medidas propostas pelo governo do-qual-ele-faz-parte-mantendo-um-ministério também necessita de esforços descomunais; a base aliada do governo que-custou-milhões-e-que-não-lhe-apoia ratifica séculos patrimonialistas…

Paro por aqui. Todos já sabiam disso. Todos sabem disso. Mas ninguém parece que quer falar sobre isso. Porque é politicamente incorreto. Criticar alunos e professores que contribuem e incentivam o caos é ser conservador, fascista, etc. Pois é. Bom mesmo é ser progressista do modo-como-se-viu na aludida reunião na referida Universidade. Cala, Reitor, cala. Quer ir ao banheiro? Vou com você! Ah: E coma este pão, Reitor do c……!

Uma observação: antes de qualquer falácia ad hominem, declaro que sou filho de sem-terra, meu pai foi oposição ao regime (foi preso), trabalho desde os 13 anos (oficina mecânica), passei em concurso público aos 16 anos (professor), paguei minha faculdade que-cursei-trabalhando e nunca ganhei café e nem pão da Universidade; fiz mestrado e doutorado em Universidade Pública, pós-doutorado sem dinheiro público, trabalhei quase 30 anos no Ministério Público com posições garantistas e garantidoras sabidas e conhecidas por todos e hoje leciono em dois programas de pós-graduação, com produção de livros e artigos qualis-A para os dois. E sou também advogado.

Sobre o concurso da metáfora: recebi 58 participações. Maravilha. Mas como são muitas, preciso de mais uma semana para ler e decidir acerca das melhores. Obrigadíssimo aos participantes. No futuro, farei outros certames.

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