Falta de sintonia

Por criticar auxílio-educação, Siro Darlan deixa cargo no TJ-RJ

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3 de junho de 2015, 16h40

A crítica à criação do auxílio-educação para os filhos dos juízes e servidores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rendeu ao desembargador Siro Darlan o afastamento do cargo de coordenador das comissões de adoção internacional e articulação das varas da infância e juventude. O pedido de dispensa foi uma decisão do presidente do TJ-RJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, publicada na noite desta terça-feira (2/6). Darlan estava no cargo havia quatro meses. 

Em uma carta enviada à Darlan, Carvalho diz que decidiu dispensá-lo das funções por causa da “conduta reveladora de incompatibilidade de sua parte com a orientação, pensamento e filosofia de trabalho da administração, esta última baseada na uniformidade do sentido de suas ações, na coesão e harmonia de esforços e, ainda, na intrínseca lealdade que, inafastavelmente, deve nortear sua coerência”.

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Siro Darlan chamou benefício concedido a filhos de juízes de "exclusivista"
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Carvalho se referia à carta aberta divulgada por Darlan, na qual critica o projeto de lei que TJ enviou à Assembleia Legislativa do Rio para instituir o auxílio-educação para os filhos dos juízes e servidores do Judiciário fluminense. O projeto foi aprovado no dia 26 de maio. Pelo texto, servidores e juízes com até três filhos, em idade entre 8 e 24 anos, receberão R$ 2.860,41 por mês para pagar as despesas escolares.

Na carta, Darlan chamou o benefício de exclusivista e disse que a “população não tem nenhuma obrigação de custear a educação dos filhos dos magistrados e dos servidores do Tribunal de Justiça”.

O presidente do TJ-RJ não gostou nada da crítica. “A Presidência não pode acolher comportamento estanque ou autárquico de qualquer de seus segmentos. A mensagem publicizada em seu Facebook de 17 de maio último claramente assinala posição contrária à da administração”, disse Carvalho no documento enviado à Darlan.

Maílson Santana
Para Carvalho, divulgação da carta foi incompatível com a administração.
Mailson Santana

O chefe do Judiciário do Rio disse que a carta de Darlan não foi bem recebida pelas entidades de classe dos serventuários e juízes. E o acusou de ter se apropriado de um trecho de uma manifestação escrita por outro desembargador que também era contra ao benefício, mas que “por consciência e elegância, não dera publicidade, limitando-se a veicular sua respeitável divergência em correspondência reservada dirigida ao signatário da presente”.

Darlan e Carvalho são amigos de longa data. O primeiro atuou intensamente nos bastidores para que o colega fosse eleito para comandar o TJ-RJ nas eleições que ocorreram no ano passado. Darlan até orquestrou ações no Conselho Nacional de Justiça para tentar impedir mudanças no processo eleitoral da corte que pudesse prejudicar a candidatura de Carvalho.

Leia abaixo a carta do presidente do TJ-RJ:

“Prezado colega Siro Darlan,

Lamento informar, com pesar intenso, que decidi dispensá-lo das honrosas funções de Coordenador da Comissão Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude e Idoso — CEVIJ, bem como daquelas relativas à coordenação da Comissão Judiciária de Adoção Internacional — CEJAI-RJ.

Declino o motivo: conduta reveladora de incompatibilidade de sua parte com a orientação, pensamento e filosofia de trabalho da Administração, esta última baseada na uniformidade do sentido de suas ações, na coesão e harmonia de esforços e, ainda, na intrínseca lealdade que, inafastavelmente, deve nortear sua coerência. Aliás, soube que você mesmo afirmou em dependências do Tribunal que estaria, por iniciativa própria, se desligando das referidas coordenações, o que até o presente momento não se confirmou.

A Presidência não pode acolher comportamento estanque ou autárquico de qualquer de seus segmentos. A mensagem publicizada em seu facebook de 17 de maio último claramente assinala posição contrária à da Administração. E que, ademais, mereceu manifestação de repúdio do SINDJUSTIÇA, entidade representativa dos servidores do TJRJ, postada por via eletrônica em 18 de maio de 2015, sob o título: “Carta Aberta ao Siro Darlan”. Também a Associação Juízes para a Democracia — AJD, de que você se apresenta como Coordenador Rio, divulgou discordância ao conteúdo de sua mensagem.

Não bastasse tudo isso, sua carta se apropria do texto de outra — enviada por e-mail em 14 de maio de 2015 — do ilustre colega Des. Rogério de Oliveira Souza, igualmente membro da Administração como integrante do Conselho da Magistratura — COMAG, mas a que este último, por consciência e elegância, não dera publicidade, limitando-se a veicular sua respeitável divergência em correspondência reservada dirigida ao signatário da presente.

Saliento ser inquestionável, no processo democrático, o direito de resposta assinalado pela sagrada e constitucional possibilidade de divergir. Entretanto, parece ocioso sublinhar não ser passível de aceitação publicar seu conteúdo e motivação sem previa ciência ao destinatário e, pior ainda, assumindo — sem qualquer ressalva — a autoria de texto que as circunstâncias indicam não ser de sua lavra, em procedimento que tangencia a leviandade.

A democracia e a república não convivem com condutas dessa natureza.

Teria, outrossim, outros argumentos para justificar a dispensa, mas, ato discricionário que é, deles não necessita, até porque não se cogita de polêmica acerca das lamentáveis ocorrências denotadoras de inegável quebra de confiança.

De outro turno, registro e agradeço sua dedicação e empenho, no exercício das funções de que ora dispensado, durante os 4 meses em que delas se desincumbiu.

Em consideração à amizade que sempre caracterizou nosso relacionamento pessoal, esclareço que aguardarei por 24 horas seu pedido de dispensa das aludidas funções, interpretando eventual silêncio como ciência da prática de ofício dos atos administrativos pertinentes.

Reiterando a estranheza em relação à conduta que a Administração está afirmando e esperando que esta não ponha termo a uma amizade cinquentenária, informo que, por tratar de matéria de ordem pública, o teor da presente não se reveste de caráter particular.”

Atenciosamente,
Luiz Fernando de Carvalho
Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

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