Prestação de contas

Para advogados, MP 685 dará início a uma longa batalha judicial

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29 de julho de 2015, 14h50

A Medida Provisória 685, que cria a obrigação de informar à Receita Federal as operações e atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou adiamento no pagamento do tributo, vai gerar uma corrida ao Judiciário. Quem alerta são os advogados, que já têm sido consultados por seus clientes e apontam, entre as opções, a impetração de mandados de segurança para impedir a punição de quem não enviar os dados à administração tributária.

O Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit), para o advogado Marcelo Tendolini Saciotto, consultor tributário e contábil do escritório Rayes & Fagundes Advogados, criou uma “perversa obrigação” aos contribuintes. “Tal medida revela a ineficiência da administração tributária e a enorme burocracia do sistema tributário nacional, uma vez que, nem mesmo dispondo o fisco de enorme volume de informações econômicas e fiscais dos contribuintes — o que, inclusive, foi intensificado nos últimos anos com a implantação do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) — se tornou possível o rastreamento de operações sensíveis à arrecadação tributária”, critica.

Na prática, afirma o advogado, “a MP afronta o princípio do contraditório e da ampla defesa consagrado na Constituição Federal”. Saciotto explica que caso o fisco não reconheça a legalidade das operações, o contribuinte deverá recolher os tributos devidos, acrescidos de juros de mora, que podem chegar a 150% do valor devido.

“A omissão de informações, a constatação de falsidade material ou ideológica, ou de interposição fraudulenta de pessoas no contexto das operações abrangidas pela declaração, caracterizará omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude, sem prejuízo ainda de eventuais efeitos criminais decorrentes da prática”, diz Saciotto. Ele cita ainda que, na hipótese de haver discordância do fisco quanto à legalidade da operação, a MP não deixa clara a possibilidade de abertura de processo administrativo que permita ao contribuinte defender a regularidade de sua operação.

O advogado tributarista Geraldo Wetzel Neto, do Bornholdt Advogados, afirma que a MP 685 promoverá uma guerra judicial em breve porque o texto é muito vago. “Ao utilizar expressões como: ‘não possuírem razões extraordinárias relevantes’ ou ainda ‘a forma adotada não for usual’, [a medida] novamente cria uma legislação burocrática que certamente culminará com milhares de litígios judiciais. A discussão sobre ‘determinado planejamento tributário redundar em evasão ou elisão fiscal’ existe há anos e agora a Receita Federal pretende ser informada sobre atos ‘não usuais’ que possam ser interpretados pela própria Receita como evasão, facilitando a fiscalização”, conclui Wetzel.

Constitucionalidade questionável
De acordo com o tributarista Hugo Funaro, sócio da banca Dias de Souza Advogados Associados, a MP 685 estabelece procedimentos para a desconsideração de atos ou negócios jurídicos, para fins tributários, com fundamento no artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN). O advogado também explica que a MP é uma maneira de o governo apresentar critérios mais claros para identificação de planejamentos fiscais que podem ser desconsiderados (artigo 7º da MP) e os aspectos formais a serem observados (artigos 8º a 11 da MP).

“Ocorre que a constitucionalidade do mencionado artigo 116 do CTN é discutível, já que não foram estabelecidos critérios gerais aptos a uniformizar a desconsideração de atos e negócios jurídicos por parte dos diversos entes tributantes, como seria próprio de uma lei complementar. De toda forma, após algumas tentativas frustradas, a União tenta novamente disciplinar a matéria”, afirma Funaro.

O também tributarista Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados, ressalta que o texto legal foi subjetivo ao se valer das expressões “razões extratributárias relevantes” e “contrato típico”, e muitas vezes impreciso quando usou a expressão “atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da RFB” para definir o âmbito de aplicabilidade da norma.

“O contribuinte tornou-se refém da fiscalização que, a partir de agora, poderá lavrar um auto de infração sem que qualquer prova seja apresentada, alegando apenas que o fato não foi declarado à RFB, pois, conforme vimos, há nesses casos a presunção da ocorrência de sonegação ou fraude, ou seja, instituiu-se nova hipótese de inversão do ônus da prova”, diz Diamantino.

Eduardo Diamantino alerta ainda que, agora, não informar ao fisco estratégias para reduzir tributos pode até mesmo municiar um processo criminal. Segundo ele, a presunção de culpa imputada ao contribuinte “é flagrantemente inconstitucional, pois fere literalmente o direito fundamental grafado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal

Por fim, Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon — Misabel Derzi Consultores e Advogados, avalia que a MP gravita em torno de dois dispositivos, os artigos 7º e 12º. Os itens preveem a informação de atos lícitos destinados à redução de tributos (planejamentos tributários) e equiparam a sonegação ou fraude à omissão, resultando em multa. “Omitir a declaração de um ato lícito, quando a lei a exige, decerto constitui infração punível com multa. Mas não transmuda o ato lícito em fraudulento e não basta para determinar a incidência do tributo economizado, que depende da análise da validade intrínseca do planejamento, pois tributo não é sanção por infrações acessórias (a referida falta de informação)”, comenta.

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