Missão constitucional

Não renunciemos a perguntar-nos pelos fins e o sentido de tudo

Autor

  • Luiz Edson Fachin

    é ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) alma mater UFPR (Universidade Federal do Paraná) e professor do programa de pós-graduação do Ceub (Centro Universitário de Brasília).

27 de julho de 2015, 15h57

Venho de completar o primeiro trintídio dos afazeres no Supremo Tribunal Federal. É o começo da jornada que aqui se registra, desde já alimentada pelos desígnios que se assentam na tríplice função do Direito (como assinalada pelo Norberto Bobbio): protetora, repressiva e promocional. Significa, assim, um princípio de caminho pessoal e institucional que vai no contexto das demandas da sociedade e do papel do Estado contemporâneo, especialmente do Poder Judiciário.

Recebi na corte a melhor das acolhidas pelos ilustres colegas ministros, haurindo de todos o rechaçar de soluções reducionistas na tarefa de aplicar o direito na inteireza racional e sistemática de sua complexidade. O Supremo que se encontra sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski firma-se, por isso mesmo, na exação das tarefas do tribunal que é o guardião jurídico da Constituição e o protetor das garantias e direitos individuais.

Advindo da travessia que sintetiza a legitimação do processo de escolha na confluência dos três poderes do Estado, emerge um sentimento que nasce do encontro entre vocação e destino.

Intento seguir o exemplo que marca contribuição com sobriedade e humildade no colegiado, e que pauta de deveres morais acima das convicções pessoais. Tendo compromisso estrito com os preceitos constitucionais, busco traduzir desde o início desse passo o respeito ao sistema de regras, de princípios e de restrições; para realizar tais fins, bem se sabe que “o músico não é mais importante que a música”.

Disposição regimental legou-me o acervo então sob a responsabilidade do ilustre ministro Ricardo Lewandowski refletido pelo zelo e proficiência, o que se revela no número de tão-somente 1.436 feitos remanescentes, número que não pode ser considerado isoladamente e que no contexto das cortes superiores, assoberbadas de processos, revela-se extremamente profícuo.

Vivencio a senda que põe em debate a ponte que vai da liberdade à responsabilidade, e passa necessariamente pelo arrostar do mal-estar da juridicidade desses tempos com seus problemas de efetividade. Como escreveu Jean-Pierre Lebrun, um mundo sem limite, onde há supostos direitos sem consequências, conduz à degradação da autoridade da lei. Observa-se, nada obstante, a retomada de valores, da honestidade, da probidade, da integridade republicana, da consciência cívica, deprecando novo desenho weberiano do Estado e da administração.

Esse tempo, mesmo breve, já nos propicia apreciar o modelar trabalho do corpo funcional e de assessoria, no gabinete e no Tribunal, apto a dar ao STF, institucionalmente, o suporte do exercício jurisdicional como autoridade constitucional, em sua plenitude hermenêutica; como escreveu Paulo Leminski: "Hermes é o Deus que conduz as almas até seu destino". Exerço tal múnus honrosamente na cadeira antes ocupada pelo meu ilustre antecessor, o ministro Joaquim Barbosa.

Propósitos guiam as passagens presentemente sucedidas e bem assim todo porvir, especialmente o de ofertar ao Tribunal, à prestação jurisdicional e à sociedade, uma parcela de resposta à crescente exigência legítima em termos de eficiência, de razoável duração do processo, de segurança jurídica substancial e de previsibilidade das decisões.

Vamos nos guiar no exemplo da celeridade e presteza no processo de gestão administrativa. Justiça e agilidade convivem. Ambiciona-se contribuir, sem açodamento e com moderação, construir uma experiência jurídico-ético-institucional, mirando o porvir. A mais enfática palavra é posta em direção a um destino melhor: nas mãos da esperança deposito o futuro, in manibus tuis tempora mea. Para tanto, bebe-se da fonte que inspira o sentido da obra prioritária do Direito: a índole prática capaz de orientar (como escreveu Larenz, em sua Metodologia) a apreciação normativa dos casos concretos.

Parodiando as palavras da recente encíclica papal, anseio que tenhamos a grandeza, a urgência e a beleza do desafio que temos pela frente. Repito, nesta oportunidade, o que ali disse o Papa Francisco: Não nos resignemos. Não renunciemos a perguntar-nos pelos fins e o sentido de tudo. O destino que me acolhe, ao ingresso no tribunal, se vitamina dessa energia.

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