Prática decisória

Técnica da inconstitucionalidade progressiva evita insegurança jurídica

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25 de julho de 2015, 12h35

A inconstitucionalidade progressiva consiste em uma técnica de decisão judicial aplicada às situações constitucionais imperfeitas, em que a norma situa-se em um estágio entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta, e as circunstâncias de fato vigentes no momento ainda justificam a sua permanência dentro do ordenamento jurídico. É denominada pelo Supremo Tribunal Federal como “norma ainda constitucional”.

A referida técnica permite a manutenção temporária da “norma ainda constitucional” no ordenamento jurídico, tendo em vista que sua retirada ensejaria um prejuízo maior do que a sua permanência, por razões de segurança jurídica.

Este instituto é influência dos precedentes da Corte Constitucional Federal alemã que, em alguns casos de normas em processo de inconstitucionalização, aplica a hipótese denominada apelo ao legislador (Appellentscheidung).

Neste caso, a corte, reconhecendo que uma norma ou uma situação jurídica ainda não se tornou inconstitucional, mas caminha, gradativamente, para que isso venha a ocorrer, cientifica o legislador para proceder à correção ou à adequação daquela situação, evitando-se, assim, a sua “inconstitucionalização”, podendo até estipular um prazo para realizá-lo.

No instituto da inconstitucionalidade progressiva ocorre uma verdadeira modulação temporal dos efeitos da decisão, mas sem a fixação do termo inicial para a declaração de inconstitucionalidade.

 Na lei 9868/99, que regulamenta a ADI e ADC, bem como na lei 9882/99, que regulamenta a ADPF, existem previsões expressas acerca da possibilidade de modulação dos efeitos da decisão. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, mesmo antes do advento das referidas leis, proferiu decisões aplicando a técnica da “inconstitucionalidade progressiva”, influenciado pelos precedentes alemães.

O primeiro julgamento do STF, neste sentido, foi o HC 70514, julgamento em 23 de março de 1994, relator Ministro Sydney Sanches, em que se discutia a constitucionalidade do artigo 5º, parágrafo 5º da Lei 1060/50, acrescentado pela Lei 7871/89, que concedia o prazo em dobro às Defensorias Públicas para a prática de todos os atos processuais.

No caso em tela, entendeu-se que a inconstitucionalidade desta norma não deveria ser declarada até que a organização das Defensorias Públicas alcançasse, nos estados, o nível de organização do respectivo Ministério Público.

Segundo o voto do Ministro Moreira Alves:

“A única justificativa que encontro para esse tratamento desigual em favor da Defensoria Pública em face do Ministério Público é a de caráter temporário: a circunstância de as Defensorias Públicas ainda não estarem, por sua recente implantação, devidamente aparelhadas como se acha o Ministério Público.

Por isso, para casos como este, parece-me deva adotar-se a construção da Corte Constitucional alemã no sentido de considerar que uma lei, em virtude das circunstâncias de fato, pode vir a ser inconstitucional, não o sendo, porém, enquanto essas circunstâncias de fato não se apresentarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais.

Assim, a lei em causa será constitucional enquanto a Defensoria Pública, concretamente, não estiver organizada com a estrutura que lhe possibilite atuar em posição de igualdade com o Ministério Público, tornando-se inconstitucional, porém, quando essa circunstância de fato não mais se verificar”. (grifo nosso) 

 

O Supremo Tribunal Federal aplicou esta técnica de decisão em sede do Recurso Extraordinário 147.776/SP, relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 19 de maio de 1998, em que se consignou que o artigo 68 do CPP permaneceria válido enquanto não fossem criadas Defensorias Públicas em todos os estados do Brasil:

Ministério Público: legitimação para promoção, no juízo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: C. Pr. Pen., artigo 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis. 1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada – subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem. 2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo artigo 68 C. Pr. Penal – constituindo modalidade de assistência judiciária – deve reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do artigo 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na União ou em cada Estado considerado – se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o artigo 68 C. Pr. Pen. será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Paulo, como decidiu o plenário no RE 135328.

 

Em um julgado mais recente, também foi aplicada a inconstitucionalidade progressiva da norma. O Supremo Tribunal Federal, na oportunidade do julgamento do RE 600885/RS, em 9/2/2011, entendeu que, embora os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas necessitem de definição dada por lei, necessária a modulação dos efeitos da decisão, com a finalidade de manter a validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos, com fulcro no artigo 10, da Lei 6.880/80, até 31 de dezembro de 2011, ressalvado apenas o direito daqueles que já tivessem ajuizado ações com o mesmo objeto jurídico.

Durante o trâmite do feito, na data de 29/6/2012o Plenário do Supremo Tribunal Federal, acolhendo os embargos de declaração opostos pela União, determinou a prorrogação do prazo de modulação dos efeitos da referida decisão para a data de 31 de dezembro de 2012, e, assim agindo, evitou, mais uma vez, a insegurança jurídica das relações constituídas durante aquele período, mantendo-se a validade da referida norma até a adequação das circunstâncias necessárias à nova ordem constitucional.

Assim, configurando-se um estágio provisório intermediário entre a constitucionalidade e a inconstitucionalidade da norma, faz-se necessária a flexibilização de técnicas decisórias no juízo do controle de constitucionalidade que, ao serem aplicadas, propiciam uma maior efetividade da supremacia e democratização da Constituição, como é o caso da “inconstitucionalidade progressiva”, evitando-se que a insegurança jurídica se instale nos casos abrangidos pela norma.

 

Referências bibliográficas

BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro. Renovar, 2005. 

 LIMA, Alynne Andrade. A "inconstitucionalidade progressiva" no direito brasileiro. Conteudo Juridico, Brasilia – DF: 19 maio 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.48179&seo=1>. Acesso em: 19 julho 2015.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. 3ª edição. São Paulo. Saraiva, 1999.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Saraiva. 2007.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª edição. Editora Método, 2010.

STF. Supremo Tribunal Federal. Disponível em < www.stf.jus.br>. Acesso em 19 de julho de 2015.

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