Violação de prerrogativas

Representação policial não pode impedir advogado de atuar em processo

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22 de julho de 2015, 8h31

Juiz não pode afastar o advogado do processo por conta de representação da polícia, ainda mais se o Ministério Público não vê risco no exercício da profissão. Com este argumento, a desembargadora Rosaura Marques Borba, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, concedeu liminar em Mandado de Segurança impetrado em favor de um advogado. Ele havia sido impedido de advogar para uma família acusada de tráfico por ordem do juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Gravataí.

O advogado foi acusado de fraude processual, ao providenciar endereço falso para deslocar o processo de execução penal de um dos seus cientes. A acusação, na prática, o tornou suspeito de ligação com o crime de tráfico de drogas, já que advoga para os principais acusados presos numa megaoperação policial.

Além de considerar a medida do juiz ‘‘excessiva e desproporcional’’, a desembargadora lembrou, na decisão monocrática, que o advogado possui prerrogativas profissionais. Apesar de a denúncia ser grave, apontou, a suposta fraude deve ser apurada segundo ‘‘as normas de competência’’, não sendo possível a aplicação de pena antecipada por parte do juízo de origem.

A relatora do recurso citou trecho do parecer da promotora de Justiça Raquel Marchiori Dias: ‘‘O Ministério Público entende descabida a aplicação da medida, já que não se encontra consentânea com os pressupostos indicados no artigo 282 do Código de Processo Penal. Entretanto, deverá o fato ser comunicado à Ordem dos Advogados do Brasil, encaminhando-se cópia da presente representação policial, a fim de que adote as medidas disciplinares cabíveis’’.

Deferida a liminar, a relatora mandou notificar o juiz da vara, para que preste informações em 10 dias. Após, o Mandado de Segurança estará apto para o julgamento de mérito na 2ª Câmara Criminal do TJ-RS. A decisão monocrática foi lavrada na sessão do dia 15 de julho.

O caso
Em 25 de junho, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul deflagrou a operação clivium, que cumpriu 107 mandados de prisão temporária e 86 mandados de busca e apreensão nos municípios de Gravataí, Cachoeirinha, Sapucaia do Sul e Porto Alegre. No final, a investigação comandada pela 1ª Delegacia Regional Metropolitana, de Gravataí, com o apoio de 619 agente, culminou com 60 prisões, além da apreensão de drogas, armas, munição e veículos.

Conforme a inicial do Mandado de Segurança, o principal alvo desta operação era atingir uma família de Gravataí, tida como núcleo da liderança da organização criminosa voltada para a prática de diversos delitos, especialmente o tráfico de drogas. O líder do grupo já havia sido preso há mais de dois meses.

No curso de todo este imbróglio, segundo a defesa, o advogado foi pego nas escutas da Polícia Civil em conversas com o cunhado de do líder do grupo, condenado e já cumprindo pena. Advogado da família há mais de oito anos, para as mais diversas causas jurídicas, ele tratava da transferência do seu  Processo de Execução Penal de Gravataí para Porto Alegre, informando endereço fictício.

Por essa razão, a autoridade policial pediu a suspensão do exercício da advocacia. A aplicação da medida cautelar é prevista no artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal (CPP). O juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Gravataí, aceitando a representação, decretou o “impedimento” do advogado nos casos em que os investigados na operação clivium figurem como parte.

Constrangimento ilegal
A defesa do profissional alegou que a sanção não encontra amparo legal, uma vez que as causas de impedimento de advogado vêm expressas  no artigo 30 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). Logo, somente a OAB detém competência para tanto. Assim, a medida constituiu-se em flagrante constrangimento ilegal, ‘‘decorrente de intolerável criminalização da advocacia, que violou direito líquido e certo’’.

Segundo o pedido, o impedimento também feriu o devido processo legal. É que a medida cautelar, além de não prevista em lei, não diz respeito ao objeto da investigação policial, não havendo qualquer conexão ou continência apta a justificá-la. Porque, afinal, não é possível acautelar um processo dentro de outro.

‘‘E afora o fato de que o apenado daquele Processo de Execução Criminal também seja investigado na Operação Clivium, não há qualquer outro fato que vincule aquele imputado ao impetrante à referida operação – a não ser o fato de a interceptação telefônica ter se dado nestes autos, o que não torna tal crime conexo aos demais investigados’’, arrematou a peça de defesa.

Clique aqui para ler a inicial do Mandado de Segurança.
Clique aqui para ler a decisão liminar.

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