Celeridade processual

Regras sobre tramites judiciais destoam da realidade

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18 de julho de 2015, 9h00

O princípio da justa duração do processo é aquele que vem para garantir que uma demanda não perdure por mais tempo que o necessário e, ao mesmo tempo, não retire das partes litigantes os seus direitos de petição e recursos inerentes ao direito ao contraditório e à ampla defesa, tão caros ao direito brasileiro. A realidade, porém, passa longe das boas intenções do legislador.

É comum no mundo jurídico escutar que seu processo “está na juntada”, ou que “o cartório está fazendo a conclusão do mês tal”, ou, ainda, que “tem que esperar”. E o desafio para o advogado não é somente lidar com a demora no andamento dos processos, mas também se explicar com o cliente.

Por que o advogado cobra honorários se não consegue fazer o processo andar? Claro, afinal de contas é dever institucional do advogado “fazer o processo andar”. É dever do advogado o de comparecer semanalmente ao fórum e implorar aos funcionários públicos que façam o seu serviço dentro do prazo que a lei determina.

Do outro lado, o servidor público diz não dar conta. Reivindica melhores salários enquanto se afunda em pilhas de processos e mutirões aos sábados para tentar, ao menos tentar, ficar em dia com o trabalho, enquanto atendem advogados e estagiários preocupados com a demora no andamento de seus processos e com o que vão dizer a seus chefes e clientes, estes últimos, verdadeiras vítimas desse sistema.

Em meio a esse cabo de guerra ergueram-se algumas bandeiras que prometem ser a solução, a luz no fim do túnel, ou a melhora significativa e impactante que o Judiciário precisa para sair dessa ruína em que se encontra. Bandeiras da iniciativa privada, de campanhas para a ampliação de câmaras de arbitragem, das pessoas que acreditam que o sistema de arbitragem está pronto para absorver o excesso de demanda no judiciário, mas que são os advogados que obstam essa cultura.

Implantou-se o processo eletrônico que já veio com a promessa de fazer com boa parte da burocracia fosse abandonada para dar vez à tardia e já muito esperada informatização, discutiu-se e aprovou-se o Novo Código Processo Civil, que trouxe inúmeras regras a limitar a duração do processo, como, por exemplo, o fim do prazo em dobro para litisconsortes com diferentes advogados no processo eletrônico, além de outras limitações recursais e desencorajamento de interposição de recursos protelatórios por meio da imposição da sucumbência recursal.

Agora a presidente Dilma Rousseff sancionou sem vetos a lei de Mediação, lei 13.540/2015. Essa lei traz a esperança de ver os Tribunais livres de boa parte de seus processos, sendo, ao mesmo tempo, uma tentativa de disseminação da cultura da autocomposição e uma proposta de solução alternativa ao processo judicial.

A mediação é também reverenciada no novo Código de Processo Civil, que determina no artigo 334 que o prazo da contestação somente se iniciará após a realização infrutífera de audiência para autocomposição, seja mediação ou conciliação. O Novo Código de Processo Civil também faz remessa ao mencionado artigo 334 em outras ocasiões, a saber, quando trata da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, da reforma de sentença de indeferimento de petição inicial, da efetivação da tutela cautelar e da contestação.

Grande parte dos textos publicados sobre as novidades do Novo Código de Processo Civil, lei 13.105/2015, se preocupa em abordar e prever o impacto que a norma causará no volume de ações e, principalmente, na duração média de cada uma delas. A questão é sair um pouco do texto e colocar os pés na realidade. Estamos tratando de um país culturalmente processual e de um país de precariedade na eficiência da máquina pública, do qual o Judiciário não foge à regra (aliás, é a regra).

A legislação é muito bem elaborada e muito bem intencionada. Precárias são as condições para o seu cumprimento e atendimento. De que adianta a Constituição Federal e as leis infraconstitucionais determinarem o princípio da eficiência na Administração Pública? Se você telefonar no Cartório da 2ª Vara Cível do Fórum de Santo Amaro para perguntar como estão sendo cumpridos os prazos, obterá como resposta a de que agora, entrando no mês de Julho, o cartório está promovendo a remessa à conclusão dos processos de Fevereiro. Estamos falando de cinco meses de injustificável atraso.

O atual Código de Processo Civil prevê que o serventuário deve remeter os autos conclusos no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e executar os atos processuais no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. É o que diz o caput do artigo 190.

O Novo Código de Processo Civil vai além. Prevê no § 2º do artigo 233 que “qualquer das partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao juiz contra o serventuário que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei”. Muito bem intencionada a lei. Segue com a previsão de instauração de processo administrativo em face do funcionário que injustificadamente desrespeitar prazo previsto em lei e, ainda, dispõe que “sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, em até 48 (quarenta e oito) horas após a apresentação ou não da justificativa de que trata o § 1o, se for o caso, o corregedor do tribunal ou o relator no Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato”.

Aí cabe a pergunta de quantos serão os advogados que farão uso desse dispositivo de lei. Quantos, hoje, se reportam à Corregedoria? E desses, quantos casos são levados ao Conselho Nacional de Justiça?

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro traz uma curiosa relação das “30 mais acionadas”. O número é assustador. Mais assustador ainda é saber que os juízes sempre tiverem a faca e o queijo na mão e uma série de normas processuais aptas a promover o encorajamento das empresas a se adequarem às normas, por exemplo, do Código de Defesa do Consumidor, um dos assuntos – se não o assunto mais invocado judicialmente – que leva a maior parte das pessoas a ingressarem com pedidos na Justiça.

Cite-se como exemplo a quase nunca aplicada multa por litigância de má-fé do artigo 18 do atual Código de Processo Civil. Outro exemplo clássico seria a melhor análise do quantum indenizatório pleiteados nas ações de ressarcimento moral. Basta uma simples consulta jurisprudencial para verificar que há muito tempo foi deixada de lado a análise concreta dos critérios de fixação desses valores — (sendo citados pela doutrina como a extensão do dano e sua repercussão, bem como a capacidade econômica das partes — para se adotar uma padronização inconstitucional de valores a cada acontecimento (sim, os acórdão mencionarão que a fixação do quantum indenizatório se faz de acordo com os critérios, mas não esclarecem bem de que forma).

A consequência é que as condenações continuarão dentro dos valores provisionados pelas empresas demandadas como risco possível e, como esses valores estão absolutamente abaixo de seus respectivos faturamentos, o caráter pedagógico-punitivo dessas condenações não é alcançado, sendo muito mais “rentável” para as empresas manter uma carteira de milhares de processos, do que se adequar às normas do direito do consumidor. Haja Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para ajustar tanta situação inadequada.

O ponto de vista é que não importam apenas as ferramentas, mas também o quanto elas são efetivamente utilizadas. Que os advogados se reciclem, aprimorem a capacidade de síntese em suas peças e que os juízes se reciclem e possam dar atenção a cada caso concreto. E viva a Administração Pública Gerencial do século passado.

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