Crimes sexuais

Lei do estado de Nova York cria uma espécie de "tribunais universitários"

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17 de julho de 2015, 13h02

As universidades e faculdades do estado de Nova York registraram, de acordo com seu Departamento de Educação, 4.062 crimes contra a liberdade sexual em 2012, sobre 3.443 em 2011. Em resposta a essa “epidemia” de abusos sexuais e estupros entre universitários, o estado aprovou uma lei bem-intencionada, destinada a contê-la — e a atribuir maior responsabilidade às instituições de ensino. Mas a lei estadual também está gerando muita polêmica.

A lei, chamada de “consentimento [sexual] afirmativo”, popularizada como a lei “sim significa sim” (“yes means yes” law), estabelece que a mulher tem de dar seu consentimento “claro, inequívoco e voluntário”, antes de cada atividade sexual, de acordo com o New York Post, o Huffington Post e outras publicações.

Assim, se a mulher disser, durante um encontro amoroso, “sim… sim… sim… não (provavelmente à penetração)", o “não significa não” e qualquer avanço sexual será considerado uma violação da liberdade sexual. Ela tem de dizer “sim… sim… sim… sim…", avanço por avanço, de forma que o consentimento se formalize em todas as etapas do processo.

O fundador e editor do website “A Voz dos Estudantes Masculinos”, Jonathan Taylor, se opõe, evidentemente, a uma suposta “burocratização” do sexo. Ele diz que, de acordo com a lei, um consentimento passivo da mulher não vale, perante essa lei. Ela tem de consentir com um beijo, por exemplo, e com tudo o que vem depois dele, uma coisa de cada vez. Além disso, ele diz, a lei do consentimento explícito ignora a linguagem corporal.

Para encorajar as vítimas a denunciar abusos sexuais e estupros, a norma garante imunidade às vítimas que apresentarem uma queixa a um corpo de administradores das universidades e faculdades, referente a supostos crimes que cometeram, como uso de drogas ou de bebidas alcoólicas por menores antes das atividades sexuais.

Para Taylor, essas vantagens” às mulheres darão margem a falsas acusações ou denúncias sem fundamento e baseadas, por exemplo, em desejo de vingança da suposta vítima, a quem é previamente atribuída um alto grau de credibilidade.

Para advogados ouvidos pelos jornais, o ponto mais polêmico da lei, no entanto, é exatamente a criação dessa espécie de tribunal dentro das instituições de ensino. Eles não serão conduzidos por administradores de Justiça profissionais, mas por um painel de administradores da instituição de ensino.

A legislação exige que as universidades e faculdades criem um tribunal, mas não garante, por exemplo, o direito das partes a um advogado. Assim, o estudante de família rica poderá contratar um advogado, mas o de famílias de renda média ou baixa não poderão fazê-lo.

No sistema de Justiça criminal, o réu tem direito a um defensor público ou a um advogado indicado pelo juiz. Na justiça universitária, não. Em vez disso, o sistema de justiça universitário poderá oferecer ao réu um “conselheiro” que, nem de longe, tem as qualificações de um advogado versado em legislação criminal.

Diferentemente do sistema judiciário, os tribunais universitários podem criar seu próprio processo de código penal. Por exemplo, o “hearsay” (ouvir dizer), expresso por uma testemunha, não é aceitável em um tribunal do júri, onde, além disso, o direito de confrontar uma testemunha da outra parte também é garantido ao réu. Não há previsão de nada disso para o tribunal universitário.

Também não há previsão na lei se o acusado terá direito à proteção da não autoincriminação em um tribunal universitário. Ao contrário, há a expectativa de que o estudante acusado pode ser suspenso ou expulso caso se recuse a testemunhar em defesa própria. Além disso, a quem cabe o ônus da prova? A quem cabe o ônus da persuasão? Isso não está claro na lei e pode levar cada instituição a interpretações diferentes, dizem os jornais.

A lei estabelece que as instituições de ensino devem aprovar uma “declaração dos direitos” dos estudantes. Mas isso levanta a questão: o que acontece com a “declaração dos direitos” do cidadão já existentes?

No final das contas, juízes experimentados, promotores e advogados profissionais — ou seja, os administradores da Justiça —  e os jurados são colocados de lado, em um sistema em que burocratas universitários assumem seus papéis, afirmam os jornais.

“O melhor seria deixar que os profissionais do sistema de Justiça criminal se encarregassem dos casos de abuso sexual ou estupro. Eles têm maior qualificação para investigar e decidir do que qualquer administrador universitário”, disse Taylor.

Segundo o New York Post, os padrões confusos da lei podem prejudicar as vítimas de abuso sexual, tanto quanto os acusados. Isso porque a busca de justiça pela vítima será prejudicada por um conjunto vago de regras e de execução da lei fora dos sistema judicial normal. Elas não terão acesso, por exemplo, à produção de provas e de testemunhos que um tribunal normal pode obter através de intimações.

“A lei não dá ao acusado a garantia constitucional ao devido processo”, disse o professor de Direito da Faculdade King, em Manhattan, Robert Carle. “A lei do consentimento afirmativo trivializa o abuso sexual ou estupro, ao tornar qualquer pessoa que namora, até mesmo uma mulher, em um potencial criminoso sexual”. Afinal, uma mulher pode ser acusada de violar essa lei, se ela tem o costume de abraçar e beijar seus amigos de faculdade.

O problema de trivializar os casos de violação dessa lei é o de que ela pode, com o tempo, prejudicar as vítimas reais de abuso sexual”, ele disse. “As vítimas de crime sexual não necessitam de um sistema confuso. Elas precisam de um sistema completo, com investigadores experientes e um fórum capaz de distinguir culpa de inocência e com a capacidade de punir e impedir os predadores sexuais de produzirem vítimas", afirmou.

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