Maioridade penal

STF deve impor a observância das garantias democráticas ao Legislativo

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13 de julho de 2015, 6h30

Mais uma vez nos parece que o Supremo Tribunal Federal será provocado para se manifestar acerca da regularidade em tramitação de proposta de emenda constitucional. Na terça-feira do dia 30/06/2015, a PC 171/1993 foi colocada em pauta para discussão e deliberação na Câmara dos Deputados.  Essa proposta de Emenda à Constituição, como se sabe, trata do tema da redução da maioridade penal, buscando alterar a redação do artigo 228 da Constituição Federal para reduzir a imputabilidade penal para 16 (dezesseis) anos completos.

Na referida assentada legislativa, tal Proposta de Emenda à Constituição foi rejeitada, tendo em vista não ter alcançado o quórum constitucional de 3/5 dos membros da casa legislativa em 1º turno. Alcançou apenas o voto favorável de 303 deputados. O texto rejeitado no dia 30/06/2015 dizia respeito a uma Emenda ao Projeto realizada pela Comissão Especial. Tal texto visava modificar o artigo 228 da Constituição Federal que ficaria com a seguinte redação:

“Art.228 – São Penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.

§1° – Ao condenado entre dezesseis e dezoito anos são aplicáveis as penas previstas no Código Penal, sendo, porém, seu cumprimento realizado nos estabelecimentos previstos pela legislação especial até a idade de vinte e um anos.

Parágrafo 2° – Ao completar vinte e um anos, o condenado a que se refere o Parágrafo 1° será transferido para o sistema prisional, cessando a aplicação das normas da legislação especial na execução da pena.

Parágrafo 3° – Aplicada a pena, o tempo de medida socioeducativa cumprida até os vinte e um anos será computado para todos os efeitos legais”. 

Não obstante, no dia posterior, exatamente como tinha feito com a proposta de Emenda à Constituição que permite o financiamento privado de campanhas políticas, a presidência da Câmara dos Deputados colocou outra emenda ao mesmo projeto em votação. Tal emenda, formulada pelos Deputados Rogério Rosso (PSD/DF) e André Moura (PSC/SE), também modifica o texto do artigo 228 da Constituição Federal:

“Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeito às normas da legislação especial, ressalvado os menores de 16 anos, observando-se o cumprimento da pena em estabelecimento separado dos maiores de 18 anos e dos menores inimputáveis, em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte”.

Dessa vez, a mesma proposta de emenda à Constituição obteve o quórum necessário para aprovação em 1º turno com 323 favoráveis à aprovação.

A questão que se coloca, então, é a mesma problemática da votação do financiamento privado de campanha que foi judicializada através do Mandado de Segurança 33.630 perante o STF. Naquela oportunidade, a ministra Rosa Weber, relatora do presente writ, indeferiu a liminar pleiteada, em síntese, sob o argumento de que o processo legislativo tem um caráter dinâmico e não estático e que, por isso, em alguns casos não deve o STF cuidar de temas atinentes à matéria interna corporis, sob pena de intromissão indevida em esfera de outro poder, bem como em engessamento da atividade parlamentar. Ademais, uma mesma proposta legislativa recebe várias emendas aglutinativas, as quais vistas de modo separado, podem significar, ainda que guardem semelhanças de conteúdo,  independência contextual.

A questão, então, é que, ao menos em um juízo perfunctório, a ministra Rosa Weber considera que o artigo 60, parágrafo 5º da CF/88 tutelaria apenas propostas de conteúdo idênticos, já que a função do STF é conservar um controle fraco quando o caso versar sobre a autonomia dos poderes republicanos.

Assim, segundo sua interpretação do comando constitucional, deve-se perquirir acerca da conduta da autoridade coatora, qual seja, a Presidência da Câmara dos Deputados para averiguar se a mesma respeitou ou não o devido processo legislativo. Se a autoridade coatora apresentou os atos concatenadamente corretos. Cita, então, precedente do STF que, no ano de 1997, considerou possível a discussão e aprovação, na mesma sessão legislativa, de projeto de emenda constitucional que teve emenda aglutinativa sido rejeitada. Tal precedente vem exposto no MS 22503/RJ, relator Maurício Correa, DJ 6.6.1997.

A questão, então, é a correta interpretação do artigo 60, parágrafo 5º cuja redação dispõe que “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.

A maioria da teoria constitucional considera relevante e prudente que as Cortes Constitucionais exerçam uma strong form of judicial review quando o assunto for normas do processo democrático de formação da vontade política. Não sem razão, pois. Com efeito, é o respeito às regras do jogo democrático que possibilitarão o incremento de legitimidade nas regras jurídicas.

O estabelecimento de garantias mínimas para a formação democrática da vontade e da opinião pública é pressuposto necessário para a configuração de um Estado Democrático de Direito. Nessa medida, a institucionalização de garantias para a formação da vontade democrática leva a que os sujeitos de direito sintam-se seguros para o exercício de sua autonomia pública. Há uma co-originalidade entre autonomia pública e privada, entre a soberania pública e os direitos humanos, como diz Habermas. Não há efetiva legitimidade democrática do exercício do poder público se não houver respeito às garantias institucionalizadas de formação da vontade pública.

Por isso, como vem já há algum tempo lecionando Marcelo Cattoni, Alexandre Bahia e Dierle Nunes, em texto publicado aqui mesmo nesse veículo, “a Jurisdição Constitucional deve referir-se primeiramente aos pressupostos comunicativos e às condições processuais para uma gênese democrática do Direito. Tal perspectiva não poderá reduzir-se a uma leitura meramente instrumental do processo legislativo, como sugerem os enfoques liberais da política, pois há que se levar explicitamente em conta o caráter normativo dos princípios constitucionais que justificam a legitimidade desse processo”[1].

A questão inverte-se então: não é mais a autonomia de algum poder republicano que está em jogo, mas bem assim o próprio status democrático do Estado. É possível, então, conceber que a interpretação constitucionalmente adequada do artigo 60, parágrafo 5º da CF/88 deve levar em conta não apenas aspectos formas ou procedimentais, mas sim a própria dinâmica democrática do processo legislativo.

Vale dizer, sabiamente o Poder Constituinte estipulou que “a matéria” de proposta de emenda à constituição que tiver sido rejeitada não pode ser objeto de nova reapreciação na mesma sessão legislativa. Tal interpretação tem razão de ser na própria lógica democrática e de respeito ao devido processo legislativo. Não se desconhece a dinâmica do jogo democrático onde matéria que, antes, dificilmente seriam aprovadas, com o passar do tempo acabam por conseguir o beneplácito popular e transformar em regra de conduta para os cidadãos. No entanto, as mudanças de cenário devem ser, ao menos em uma sociedade democrática, objeto de uma atitude reflexiva dos cidadãos.

Somente em sociedades políticas ditatoriais é que as mudanças vêm em forma de toque de caixa, imposição da vontade do detentor do poder.  Mudanças como essas não são verdadeiras transformações, mas sim imposições. Não à toa, o Poder Constituinte pretendeu fixar um limite para que as propostas de modificação do texto constitucional sejam objeto de reflexão e debate pelo titular do poder, qual seja, o próprio povo. Não há dúvidas, então, de que o texto do artigo 60, parágrafo 5º diz que uma matéria objeto de proposta de emenda à constituição rejeitada não pode ser reapreciada na mesma sessão legislativa. Quer com isso dizer que uma matéria que foi apreciada e obteve rejeição não conseguiu o apoio popular suficiente para aprovação e, portanto, na mesma sessão legislativa não conseguirá maturidade democrática suficiente para a modificação do resultado.

Nessa medida, tem-se que o Supremo Tribunal Federal deve realizar um controle de constitucionalidade em sentido forte de tal modo a impor a observâncias das garantias democráticas de reflexão sobre os temas que são apreciados pelo Poder Legislativo. Indubitável que nenhum cidadão se sente coautor de uma regra de conduta de sua própria vida a que não teve tempo de refletir.


[1] CATTONI, Marcelo; BAHIA, Alexandre; NUNES, Dierle. Câmara violou a Constituição ao votar novamente financiamento de campanhas, disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-jun-04/camara-violou-constituicao-votar-financiamento-campanhas>, acesso em 01 de Julho de 2015. 

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